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    “O Homem é um ser de conflitos. Creia, buscaremos razões para morrer sempre que for possível. E impossível. Não precisamos sequer de razões, às vezes. A natureza ajuda neste trabalho.”

    Izandi, a Oniromante

    Então Howan Bloemennen quebrou a cera da carta. Num instante, seu rosto empalideceu e ele se levantou de chofre, com os fiapos de barba eriçados e olhos arregalados.

    — Me deem licença — ele disse, e sem esperar pela resposta, foi embora. Os cavaleiros abriram o portão para ele.

    Ezekel estranhou. Parte dele queria descobrir o que fez o jovem ficar tão pálido. Outra, confortar o há pouco amigo, por qualquer coisa que fosse. Um frio no peito atingiu o jovem loiro como um soco. A parte que predominava era a do id Baene. Não poderia deixar os outros quatro sozinhos. Principalmente com a intensidade do que poderia vir assim. A Pequena Rainha era tão inexperiente quanto Ezekel, mas Kya Mynsom, Rikard Godwill e Randi Veerle Wehreisen-Hart tinham seu tempo de vida apenas em política.

    Um sentimento ainda mais aterrador pisou sobre os ombros de Ezekel com o peso de um touro.

    “Eles foram mansos demais?”, pensou.

    Os quatro ficaram em silêncio. A Pequena Rainha comprimiu seus ombros e não soube para onde olhar, mas ficara em silêncio. A princesa Randi não teceu nenhum comentário, somente ficou brincando com o enorme cão, cuja cabeça repousava sobre suas coxas. A rainha Kya Mynsom não fez nenhuma crítica ácida à outra mulher, concentrando-se em beber sua água vagarosa e graciosamente. E rei Rikard, esse era quem deixava o coração de Ezekel mais assustado. Havia uma calma, uma grande tranquilidade no seu rosto sisudo.

    Depois de alguns bons minutos, fora ele quem se levantou de seu cadeirão primeiro.

    — Por esta manhã já basta — afirmou, erguendo os ombros largos.

    — Temos ambos a impressão de que nosso príncipe tricolor não retornará a esta mesa? — respondeu Randi, com um sorriso enregelante nos olhos e canto dos lábios.

    — Torçamos que seja o caso. Minhas costas doem — concordou Kya Mysom. — Estas cadeiras de pedra não foram feitas para uma reunião longa.

    — Enfim concordamos em algo! — falara Randi, ficando de pé.

    Ezekel abaixou a cabeça; de soslaio, viu a Pequena Rainha com um olhar triste. Embora quisesse perguntar, não era íntimo o suficiente para isso; e tinha a sensação de que o cavaleiro espinhoso não deixaria que ele se aproximasse. Assim, ele repôs o sorriso diplomático e acenou para os líderes de nação.

    — Terminemos esta manhã por aqui.

    Assim, o id Baene esperou para ser o último a sair do salão. Lá fora, o ar fétido do Ninho-do-Dragão parecia morder seu nariz, mas rei Rikard caminhava lentamente, acompanhado de dois cavaleiros com ombreiras azuis com espadas longas na cintura. Ezekel se aproximou, ficando ao lado do irmão, mas não falara nada até que entrassem em uma carruagem espaçosa. Ele se arrependeu imediatamente.

    — O que aconteceu? — perguntou ao irmão.

    Mas não recebeu resposta. Rei Rikard Godwill permaneceu calado, olhando pela janela as ruas de Mão da Queda. Ezekel semicerrou os olhos e se recostou no sofá estufado de veludo e algodão.

    — De onde pensou na cruza dos animais?

    — Ah? Digo…

    — Não se perda demais no conforto. Dormir em uma carruagem dentro de uma cidade tão grande pode resultar em problemas. Não confie somente nos seus cavaleiros. Lembre-te que Cei Lessard era um homem confiável. Nada nos garante que estas vias não tenham um assassino eztrieliano escondido. Ou um Mestre das artes de Ahvit, como eles chamam.

    — Seria ainda pior, e uma declaração de guerra bem clara. Não acho que eles seriam tão insanos…

    — Todos os imperiais são loucos, Ezekel.

    Rikard se inclinou. Havia um baú acoplado a uma caixa-resfriadora não muito à frente deles. De lá, o rei de Greanalg retirou uma garrafa lacrada de vinho tinto suave, com o nome “Verão Dourado” entalhado no vido e na rolha.

    — Safra de 1617. Minha favorita — ele disse.

    Ezekel retirou a mão do queixo. Era uma imagem rara. Seria essa a primeira vez em que Rikard se abrira com ele?

    — Pensava que não bebia.

    — Todo homem bebe em algum ponto da vida. — Retirou a rolha com a mão. Um barulho quase melódico soou com a rolha disparada contra o chão, e logo um cheiro suave e doce preencheu toda. — Gosto de evitar excessos. Sou gordo por saúde ruim e idade. Nunca fui de comer demais, e é impossível ser um draconeiro sem prática física… Isto afirmado, se não estou errado, sua Ofina está dando à luz agora.

    Os olhos do príncipe saltaram.

    — …

    Um sorriso longo surgiu nos lábios de Rikard Godwiil.

    — Também fiquei assim. Não precisa se envergonhar. Eu fui ainda pior. Não consegui ficar. Chamei um de meus amigos e fui embora, para caçar. Quando vi a criança nascida, fingi que decidi caçar para presenteá-la com a pele do maior dos animais para seu enxoval. A realidade é que fiquei bêbado, envergonhado e tão nervoso que comprei algo no retorno e presenteei minha esposa e meu primogênito, dizendo que cacei um grande lince.

    Despejou o vinho em sua taça. O coração de Ezekel saltava; uma parte de tristeza, outra de ânimo. Não queria estar onde estava. “Preciso voltar para a Cidade de Diamante imediatamente.”

    — Eu sei no que está pensando. Aqui, segure — Rikard falou, e Ezekel segurou uma taça de cristal. Enquanto despejava o vinho, o mais velho continuou: — Envergonhei meu primogênito com a embriaguez. Você poderá dizer a ele que participou de um importante evento, que marcou a história dos Cinco Reinos para sempre.

    Ezekel deu um curto gole. Pensava bem diferente disso.

    — Seria se não estivéssemos marchando para a guerra. Se, de alguma maneira, eu a tivesse impedido. Fui inútil…

    — Ao contrário, meu querido irmão. Você fez paz. Haverá uma guerra, mas ela será a última entre Wouleviel e o Império. Os Cinco Reinos sempre se debateram. Este Conselho, a grosso modo, é inútil. Sempre foi e sempre será. Mas ele provou uma teoria minha. Fez bem, Ezekel.

    As taças tilintaram com o brinde. Antes de dar o gole, ele sentiu um grande incomodo no peito, um que parecia apertar sua garganta.

    — Que teoria?

    — A de que as coisas mudarão permanentemente por causa dos fracos.

    Rikard, que sempre pareceu austero, de repente exibiu um sorriso tranquilo e angustiante de cansaço. Ele ergueu sua taça ao alto.

    — Que os deuses confortem o jovem Bloemennen e sua dinastia.

    Ezekel ergueu sua taça também, mas não havia expressão de sorriso no seu rosto. Ele franziu o cenho e recuou as costas, dando um olhar de susto para o irmão.

    — Ah, sim, não te contei.

    Bebeu até esvaziar sua taça, então deu a Ezekel uma notícia:

    — Vossa Majestade, rei Rheider IV Bloemmenen, rei de Aarvier, senhor dos Pântanos Floridos às Planícies das Águas, das Montanhas Fronteiriças ao Planalto Cinzento, sangue legítimo dos Farenos e Veranos, e filho de falecido rei Ruihejer, sucumbiu à sua doença e morreu.

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