Capítulo 13 - Dia Passado.
—Mentiroso—
―嘘―
—Mentirosa—
Silêncio.
Estava na varanda. O vento soprava sobre a grama esbranquiçada varrendo a neve fofa, que flutuava por alguns segundos antes de assentar novamente sobre outro punhado de grama.
O ar é mais puro perto das árvores… Ou deveria ser, mas neste momento eu estava desejando por um ar mais podre.
Trik—. Trik—.
Meus dedos tremiam, pulsavam, eu sentia meu batimento cardíaco reverberar por todo meu corpo.
Push…
Levei minha palma esquerda até a testa, entrelaçando os dedos das mechas ruivas.
Huh…
Lá fora, comer ou fumar enquanto anda na rua é tão comum quanto usar o telefone. Não que eu queira morar no estrangeiro, claro, são apenas costumes.
E não é como se tudo fosse mudar, não é como se migrar para outro país fosse resolver os meus problemas.
Eu não sou uma Borboleta-Monarca, sabe?
E, diferente delas, eu não preciso vagar para afastar o frio. O pulmão gelado, o minuano. Eu só preciso…
Push…
Não há como fugir do meu problema, não quando ele está por todo o planeta pairando sob a atmosfera.
O ‘Dia Passado’.
“Hey…”
Ouvi Mazou, com voz roca, vinha detrás de mim.
Mazou veio flutuando receosa.
“Diga.” Eu limpei a boca, derrubei o cigarro e pisei sobre sua ponta.
“Você gosta de vampiros?”
Ora.
Que tipo de pergunta é essa?
“Vampiros são legais, eu gosto deles…” Sim, imponentes. Grandiosos. Elegantes. A sabedoria de setecentos anos, num corpo de quarenta. “Exceto por aquela pirralha.”
“Hm… Você curte esse tipo de estilo rebelde?”
“JK Gyaru? Não.” Minha voz soou ácida. “Quero dizer… Toda forma de expressão é válida. Apesar de ser desrespeito com a moral japonesa geral, eu não as odeio. É necessário muita força de vontade para ser você mesmo.”
“Oh… Entendi. E garotas mais novas?”
“Você está transbordando perguntas estranhas.”
“Ah… Eu só…”
Ela não concluiu.
“Só…?”
Ela permaneceu em silêncio.
Me virei, dei de cara com um rosto envergonhado.
Mazou estava com uma das minhas roupas, uma social branca fechada e cueca. Seus dois pares de braços pareciam apertados, quase rasgando a social mesmo que a roupa fosse bem larga. Eles não estavam tão definidos como antes, mas ainda eram… Bom, dois pares de braços.
Encarou o chão, suas bochechas e nariz estavam rosados, olhos tímidos e… Rubor?
“Mazou, você parece mais… Viva?”
“Eh!?” Se arrepiou com um pequeno pulinho. “O que você quer dizer?”
Voltei a olhar para frente, para o céu.
“Não sei. Só uma observação.” Ela está esquisita, extremamente esquisita. “Aconteceu algo de—!”
Mazou se forçou contra mim, abraçando minhas costas.
“O que você está…”
“Se você não gosta daquela vampira, nem de Gal, nem de lolitas, então por que você deixou ela te montar?”
“Que construção de frase foi essa? Essa é sua interpretação de pacto? E eu nunca permiti nada, aquilo foi um ato zero consensual, zero.” Gesticulei repetidamente. Aliás. “Mazou, como você sabe o que é um casamento de sangue?”
Era uma dúvida que martelou na minha cabeça. Eu mesmo não sei nada além do nome, mas ela reconheceu num único olhar.
“Você não sabia? Isso é conhecimento básico.” Ela estava surpresa com a indagação.
“Não, não é.”
“Não, todos sabem disso, todos que conheci sabiam.”
Ela disse outra vez coisas que me chamaram atenção.
Eu não devo.
O quanto Mazou se lembra de quando ainda era viva? Essa é uma pergunta que eu nunca devo fazer.
Isso. Eu não preciso saber.
Mas…
“Quem são esses todos?”
“Ah… Meu irmão.”
“Você tem um irmão?”
“Tive.”
“…”
Como…
Eu não deveria ter perguntado…
“Como era?”
Senti. Seu aperto afrouxou.
As suas trocas de temperamento parecem mais fáceis de prever— Ouch!
Um momento de fraqueza, minhas pernas cederam e eu caí.
“Existiu, em algum lugar ao sul, duas Borboletas-Monarca.” Ela disse, se abaixando ao meu lado. Estava estirado ao chão, Mazou se ajoelhou ao lado do meu rosto e coçou minha nuca. “O sul era difícil para elas. Ambas voavam com a sensação de ter nascido nas folhas erradas.”
Isso é…?
“A vida entre abrigos, becos e galpões era faminta… Desejo. Um sonho em comum.” Ela continuou, sem encarar meu rosto. “E como as boas Borboletas-Monarca que eram, elas migraram.”
O desejo.
O desejo foi bem importante. Um dia foi.
Até aquele dia em Vegas.
“Então.” Ela disse, e então desceu o olhar. Fixa em mim, com olhos carmesim cintilantes. “Eu respondi a sua pergunta, mas e a minha?”
“Eu não… Deixei. Eu pensei que vocês ficariam presos no domínio vampiro se não o fizesse.” Apesar que, no final, era só uma mentira. “Mas não foi consensual.”
Mentirosa. Uso1. Essa era uma das palavras especiais que a mamãe me ensinou. Essa semana vai se tornar uma coletânea de más memórias.
“E isso aqui, é consensual?”
“Mazou, você—?!” Mazou se sentou sobre meu abdômen. Colocando suas mãos quentes e avermelhadas no meu rosto.
Num instante, tudo clicou.
Às vezes o meu cérebro trabalha com retardo.
“Mazou-san, você está com fome?”
Ela acenou com a cabeça.
O selo foi quebrado, Mazou deveria estar se alimentando do desejo mundano, não do meu.
Mas.
Isso é algo confidencial. O mundo está uma zona.
Na verdade, o mundo já não é como em anos atrás, após a pandemia global apaziguar, as pessoas não notaram mas algo mudou dentro delas de uma maneira abstrata.
Os anúncios, séries, mídia, tudo ficou cinza e nebuloso, tudo se tornou chato. Os sonhos mais impossíveis, o trabalho mais exaustivo e escravo. As escolas de todo o globo se tornaram mais rígidas.
Isso não foi coincidência, foi proposital.
A R/E é uma organização carniceira, eles só precisaram de uma única oportunidade, e quando todo o planeta estava fragilizado, roubaram o que fortalecia o desejo.
As pessoas não notaram que algo estava faltando. Não, como poderiam? E eu nem mesmo estava lá quando aconteceu.
O “Dia passado”.
A missão de caça à yokai Yokubo. A missão em Vegas onde caçaram Mazou.
Uma organização global que vai enfraquecendo os desejos e tornando as possibilidades cada vez mais improváveis. Então, enfraqueceram um yōkai migratório relacionado aos desejos.
Toda essa organização para enfraquecer o yōkai movido por desejo.
Por isso, Mazou precisa estar ligada a algo mais prático e ser alimentada regularmente, já que a energia fragmentada e espírito quebrado dos cidadãos não fornece.
Isso é trágico, mas é como é.
As coisas saíram do controle naquela fatídica missão de caça e agora, aqui, na varanda, no inverno em Hokkaido. Ninguém lembra de como era antes.
Sou um caso aparte, mas casos são casos.
O passado é apenas passado. Eu não devo tocar os fantasmas.
“Namaueuchi…”
Eu tenho que manter minha cabeça aqui em Hokkaido, no inverno congelante onde neva muito. Na minha varanda.
De todos os lugares…
“Tá bem.”
Ela poderia ter me esperado entrar, aqui faz frio.
E mais uma coisa.
Não sou muito alto.
Tenho bons músculos, claro, mas não estou no top dez dos caras mais másculos que conheço.
Mesmo assim.
Eu odeio estar submisso.
“Aah?!” Mazou se espantou quando segurei dois de seus pulsos e inverti a situação.
Seus olhos vermelhos piscaram, pareciam brilhar como rubis, suas orelhas baixaram, ela cedeu lentamente e envergonhada.
Levei uma mão ao seu queixo, a outra tocou os botões da social, desabotoando levemente.
Doce—.
Sabor de marshmallow.
Abri os olhos, ela me encarava, todo esse tempo, olhar sublime, tão doce quanto os lábios.
Ah, merda.
Senti minhas orelhas levantarem.
Era o ronco da Kawasaki.
- 嘘 – うそ se lê ‘uso’. Significa literalmente Mentira.[↩]
Notas do Autor:
Haa… É definitivamente um capítulo já feito.
Mas o show não pode parar. O próximo arco está chegando, mas ainda é cedo.
Obrigado por ler um fragmento da minha alma, uma boa noite (ou dia) para você.
Até logo.

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