Capítulo 187: Olá, escuridão, velha amiga!
Vazio.
Um vazio tão grande que poderia engolir Renato por completo.
Falta de ânimo e de vontade até para lutar. Até para viver.
Mesmo neste momento, em que ele estava sendo roído por ratos e baratas.
Talvez, morrer seja mesmo a melhor escolha.
O garoto se lembrou do que fez com Clara e as outras meninas. Ele traiu a confiança delas. Lhes tirou a escolha. Isso é algo ruim. Ele não as merecia. Não merecia o amor que elas lhe davam.
Afinal, tanta gente que ele amava já tinha morrido. Por que insistir em continuar vivo?
Ele não era especial.
O mundo não era tão bonito assim.
E ele só fazia mal. Só piorava a situação.
Desistir, enfim…
… descansar.
Morrer nesse solo gelado, comido por pragas, à beira do apocalipse.
Um final digno até demais para alguém que viveu como ele.
Renato abriu os olhos lentamente, com dificuldade, e viu, no alto, a abóbada translúcida da barreira mágica de Peste. Tinha uma pequena rachadura nela.
Ele conseguiu desgastar o cavaleiro o suficiente para enfraquecer a barreira.
Um milagre e tanto! Quem diria?
Descansar, finalmente!
— Não! — gemeu, com a voz fraca. — Esses pensamentos não são meus!
— Ainda tem forças para falar? — O cavaleiro se aproximou de Renato. — Mesmo depois de tantas flechas, incluindo a flecha de depressão? És surpreendentemente resistente! Mas já está morrendo. — Peste o olhou com piedade. — Foi uma boa luta, garoto. Agora, entregue-se de uma vez à morte que sussurra seu nome!
— Não… são meus!
Estava doendo! Demais! Não só o corpo, mas também algo dentro dele, do coração, da mente e da alma.
Um aperto no peito.
Uma sensação esquisita difícil de pôr em palavras.
Um vazio que lhe gelava o estômago.
Ele cerrou os punhos, indignado! Com o ódio aumentando.
— Como ousa brincar comigo assim?
Estava doendo, é verdade, mas quando foi que ele desistiu só por causa de um pouco de dor?
Renato já estava acostumado com a sensação.
Aquele aperto no peito era um companheiro de longa data.
“Olá, escuridão, velha amiga.”
— Não vou morrer aqui! — Ele gemeu, apertando os dentes. — Queimem, desgraçados! Queimem!
E, de dentro dele, um fogo se acendeu.
E as chamas explodiram numa coluna de fogo, e consumiu rapidamente os ratos e baratas, e moscas, e mosquitos.
Os grunhidos desesperados das pragas rapidamente silenciavam, à medida que o fogo os destruía.
E, na mão de Renato surgiu aquele fogo negro, sem calor, diferente do anterior. Do tipo formado por antimatéria, a mesma substância que constituia Arimã, o anti-deus.
E ele atirou aquela bola para o alto.
E o fogo negro colidiu contra a barreira.
As rachaduras na barreira começaram a aumentar. Era como se ela estivesse sendo entremeada por centenas de trincas.
E, com um estrondo, a barreira cedeu. Seus pedaços, como cacos de vidro transparente, desapareceram no ar, antes de tocarem o chão.
Peste mostrou seus dentes amarelados.
— Interessante. Porém tolice. Agora eles podem te ver!
Os Putrefatos se agitaram e, como num enxame, voaram em direção a Renato. Estalavam os ossos da mandíbula e giravam suas foices e alabardas, e espadas feitas de ossos fortalecidos com alquimia.
— É — respondeu Renato. — Mas eles também podem te ver.
Peste ergueu uma sobrancelha.
Mas algo explodiu. E foi no rosto do cavaleiro. O impacto o jogou alguns passos para trás, mas ele permaneceu de pé. Fumaça saia da pele de seu rosto. Ele cerrou os dentes e rosnou, irritado.
— Belo tiro, Mical!
A voz de Tâmara? Renato olhou na direção e lá estava um tanque de guerra se movendo em direção à luta, com o cilindro do canhão ainda cuspindo fumaça por causa do disparo.
E, na parte de cima daquele veículo blindado, estava Tâmara, agarrada a uma das metralhadoras acopladas.
Ela puxou o gatilho, e disparou uma rajada de quase mil tiros por minuto. E, ao atingir o cavaleiro, as balas o machucavam. Ele estava sendo empurrado para trás. Sua pele estava sendo ferida. Ratos, que ainda estavam grudados nele, grunhiam e gritavam, enquanto explodiam em pedaços por causa dos tiros.
O cavaleiro saltou, ganhando altura e evitando os tiros, e preparou uma flecha.
— Aneurisma cerebral! — E disparou.
Mas Tâmara, que usava seu traje tecnológico, pôs uma das mãos na frente, e um escudo de energia surgiu e bloqueou a flecha.
E logo em seguida, Renato pôde ver Abigor e Belfegor, engalfinhados com os Putrefatos, lutando ferozmente.
Belfegor usava sua espada de cristal brilhante para bloquear as armas de ossos. Com um corte de sua lâmina, os Putrefatos caiam numa pilha de ossos e carne podre. E, com sua magia A Gravidade de Júpiter, lançava os Rejeitados pela Sepultura ao chão com violência, e o demônio caía sobre eles como uma tempestade de fúria e violência.
Abigor usava uma lança. Era a primeira vez que Renato a via. De sua lança saía um tipo de jato de lazer que trucidava os Putrefatos que tocava. Uma serpente estava enrolada em seu pescoço, e ela tinha a cabeça aninhada em seu ombro direito.
Tâmara, que estava sobre o tanque, viu quando uma horda de Rejeitados pela Sepultura caiu sobre ela. Ela os mantinha longe com a metralhadora, e Mical, de dentro do veículo, disparava o canhão. Mas eram muitos, e não paravam de chegar! Era como se eles pudessem se multiplicar.
Mesmo que os aliados de Renato fossem formidáveis em batalha, estavam em desvantagem numérica e, se a batalha não terminasse logo, eles seriam derrotados.
— Renato! Pega! — gritou Tâmara, e jogou um revólver dourado para o garoto.
A arma girou no ar até ele, que estendeu o braço e a pegou.
Era o mesmo revólver que Tâmara usou para atingi-lo da outra vez.
E havia uma única bala restando no tambor. Na ponta da munição, ele pôde ver uma gotinha dourada. Ouro hiperdecaído foi derretido e pingado sobre a bala.
— Boa, Tâmara!
Renato assentiu.
Só havia um tiro, então ele não poderia arriscar desperdiçá-lo. Teria que disparar bem de perto, quando o cavaleiro não estivesse esperando.
Ele guardou o revólver na cintura.
E, com a espada em punho, partiu pra cima de Peste.
O cavaleiro disparou flechas, mas Renato as bloqueou usando o aço de sua espada. E saltou sobre ele.
Peste bloqueou o ataque, usando as mãos nuas, segurando a espada pela lâmina. Um fio de sangue escorreu através do aço gelado.
Foi nessa hora que o estampido de um tiro reverberou no campo de batalha.
O ataque com a espada tinha sido uma distração.
O verdadeiro golpe veio por baixo. O cano do revólver, ainda quente, estava tocando o abdômen do cavaleiro.
Peste fez uma breve careta de dor, que logo desapareceu.
— Ouro hiperdecaído? Até que faz cócegas!
O cavaleiro, com um tapa, mandou o revólver para longe, e em seguida meteu os dedos esqueléticos no estômago do garoto, e aquilo queimou. Os dedos dele estavam entrando na carne.
— Quem vocês pensam que são?
Ele soltou Renato, que caiu sobre o concreto duro.
Sua barriga queimava. Ele tentou se levantar e não conseguiu. Foi quando viu aquela ferida enorme em seu ventre. Estava necrosado e com larvas de moscas.
Mas a dor passou rapidamente. Uma luz verde, quente e reconfortante, o estava envolvendo, e a ferida se curou sozinha. E até as pústulas e bolhas em seu corpo, causadas pelas inúmeras doenças que o cavaleiro lhe lançou, também sumiram. Ele se sentiu revigorado.
Mas o terror lhe abateu quando percebeu a razão.
Mical estava do lado de fora do tanque, completamente exposta, correndo até ele, enquanto usava seu poder de cura.
O garoto temeu.
Se lembrou da profecia de Hoopoe.
Não deixaria ninguém morrer! E mesmo assim ela estava lá. Sua aparência era horrível. Tinha hematomas por todo o corpo, e manchas de sangue pelo rosto. Sua pele estava pálida e ela mancava, como se suas pernas doessem sempre que ela pisava. Mesmo assim, carregava aquele sorriso terno e sereno de sempre.
— Ah, Mical! — Renato sentiu a voz entalando na garganta.
A garota seria atacada pelos Rejeitados, mas Tâmara disparou a metralhadora e não deixou nenhuma daquelas criaturas repulsivas chegarem perto da garota.
Até mesmo Abigor e Belfegor se juntaram a ela.
— Vamos defender a curandeira! — gritou Abigor.
— Mate o cavaleiro, Renato! Ela vai te curar e nós vamos protegê-la! — disse Belfegor.
Peste, neste momento, estava com a mão dentro de seu próprio abdômen, rasgando a carne, abrindo caminho com os dedos. Até que conseguiu alcançar o pequeno projétil que se alojara em seu intestino.
Ele removeu a bala e a jogou para longe.
Não tinha gostado nenhum pouco disso.
Seu olhar carregava uma dura expressão de ódio.
— Mais! Mande mais! Preciso de mais! — rosnou ele.
E do chão, mais cadáveres se ergueram, como num apocalipse zumbi. Arrebentavam o concreto e emergiam da terra, já com suas armas em mãos.
E até aqueles que foram destruídos se regeneraram e voltaram ao combate. Grasnavam e batiam os ossos da mandíbula, num tipo de provocação ameaçadora.
Estavam mortos, afinal.
E o exército da Morte não tinha limite.


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