Capítulo 445: Possuído [2]
O ar estava frio nas câmaras subterrâneas da academia. Uma situação ocorrera. Várias figuras importantes encaravam a pequena porta metálica diante deles. Eram todas autoridades seniores da Academia.
“Como está a situação?”
A voz nítida da Chanceler ecoou suavemente. Embora seu tom fosse baixo, atravessou o ar e alcançou os ouvidos de todos presentes.
“Devemos receber os resultados em breve.”
Atlas respondeu com as costas apoiadas na parede.
“Como você soube que ele estava possuído?”
“Você não notou a mudança em seu comportamento?”
“…Notei, mas isso está longe de ser suficiente.”
“Ele também disse algo sobre ele estar tentando algo.”
“Ah, sim.”
Delilah lembrava de ter ouvido tais palavras saindo da boca de Julien antes de entrar na sala. Mesmo assim, seus olhos se estreitaram levemente. Algo não batia para ela. Ainda assim, permaneceu em silêncio e esperou pelos resultados finais.
“Ah, parece que é aqui que todos estão.”
Enquanto aguardavam o Clérigo sair da sala, o Inquisidor Hollowe entrou. Com um sorriso simples, tirou seu chapéu marrom.
“Ouvi sobre o incidente. Dada a natureza do ocorrido e minha posição, receio que estarei no lado oposto desta vez.”
Todos conheciam a verdadeira identidade de Hollowe e não disseram nada.
Pendurando seu casaco, Hollowe cumprimentou a todos na sala e voltou sua atenção para a pequena porta metálica.
“Me disseram que chamaram um Clérigo. Algo sobre ele estar possuído? Espero que não seja o caso.”
“Ainda estamos averiguando.”
Atlas respondeu, dando a Hollowe um olhar sutil.
“Ah, entendo. Acho que vou me acomodar aqui.”
Hollowe se dirigiu a uma cadeira próxima e sentou. Então, fechando os olhos, permaneceu em silêncio até se lembrar de algo. Foi quando seus olhos se abriram novamente.
“Certo, esqueci de mencionar. Sir Ivan Khoniek está a caminho da Academia em nome de Matthias. Ele deve chegar nas próximas horas.”
Embora suas palavras fossem leves, trouxeram uma tensão repentina à sala. Sir Ivan Khoniek era uma figura que todos conheciam. Delilah sabia, Atlas sabia, e praticamente todos no Império sabiam.
Havia sete monarcas no Império Nurs Ancifa, e ele era uma dessas figuras.
Monarca da Chama Imperecível — Ivan Khoniek.
“…Sim, é melhor que ele venha.”
Contrariamente à reação que Hollowe esperava de Atlas, ele ainda parecia calmo na superfície. Na verdade, quase parecia querer que isso acontecesse.
“Diante do ocorrido, precisamos conversar com ele sobre o que faremos com o Guardião Matthias. Vários de nós testemunharam o que ele fez. Além disso…”
A cabeça de Atlas virou subitamente para a porta metálica, que se abriu pouco depois, revelando uma figura baixa e rechonchuda vestida em trajes escuros bordados com intrincados desenhos dourados. Saindo da sala, o Clérigo mantinha a cabeça baixa.
A atmosfera ficou pesada.
“Qual é a situação?”
Quem se aproximou do Clérigo foi Herman Chambers, o Chefe de Recrutamento. Era uma das poucas pessoas autorizadas na sala e uma das presentes durante o exame de admissão de Julien.
“…..”
O Clérigo não respondeu imediatamente e olhou ao redor, certificando-se de que todos os olhos estavam nele. Só então seus lábios se separaram enquanto ele balançava a cabeça.
“Receio que suas suspeitas iniciais estejam corretas. Ele está de fato possuído.”
“O quê? Tem certeza que—”
“Tenho.”
Herman foi interrompido diretamente pelo Clérigo, que se moveu para o lado e permitiu que os presentes vissem Julien desmaiado, amarrado a uma cadeira.
“Como sabem, dado meu trabalho, já lidei com muitas situações similares no passado. Dizer se alguém está fingindo ou não é fácil para nós, mas, por precaução, temos artefatos específicos que indicam quando duas almas habitam um mesmo corpo.”
Movendo o pulso, um pequeno dispositivo cilíndrico apareceu em sua mão. Era totalmente revestido de preto, com uma luz fraca na ponta que brilhava em roxo.
“Este é o artefato que usamos para confirmar possessões. A cor aqui indica altos níveis de magia de maldição dentro do corpo do cadete, junto com a presença de dois traços distintos que não deveriam pertencer ao mesmo corpo.”
Após a explicação e demonstração do Clérigo, todos presentes entenderam a realidade da situação.
Julien realmente estava possuído por uma alma externa.
“E agora?”
A voz de Delilah ecoou suavemente. Foi só então que notaram sua presença. Embora normalmente dominasse qualquer ambiente, ela estivera estranhamente quieta, fazendo muitos se esquecerem dela momentaneamente.
“…..Não tenho certeza. A alma dentro do corpo de Julien é bastante resistente e não posso contê-la facilmente. Preciso de tempo para avaliar a situação adequadamente antes de agir.”
“Quanto tempo levaria?”
“Um dia, no máximo. Só preciso encontrar o feitiço correto.”
“Conseguirá resolver a situação?”
“Como disse, não tenho certeza. Talvez consiga trazer o verdadeiro Julien de volta, mas não estou totalmente confiante em extrair a outra alma de seu corpo. Preciso investigar mais.”
“Certo.”
Virando-se, um clique suave ressoou pela sala quando Delilah se virou e saiu. Parecia que ela estava indo para a cela onde o Guardião estava detido.
“Ah, Chanceler, espere.”
“Vamos acompanhá-la.”
Os outros a seguiram, com exceção de dois. Hollowe e Atlas. Eles foram os únicos que permaneceram nas câmaras da Academia.
“Possessão, hein?”
Hollowe se levantou e pegou seu casaco, vestindo-o enquanto o alisava para garantir que não havia rugas.
“Estou bastante surpreso com isso. Originalmente pensei que você estivesse enganado, mas parece que tem um olho muito perspicaz. É surpreendente, porém.”
Colocando seu chapéu na cabeça, Hollowe fez uma pausa, de costas para Atlas.
“….Ser capaz de dizer que Julien estava possuído com tão pouca informação. É quase como se você soubesse de antemão.”
Uma tensão estranha subitamente envolveu a sala, mergulhando-a em um silêncio insuportável e sufocante.
Enquanto os olhos de Atlas se estreitavam levemente, Hollowe se virou com um sorriso, apontando exageradamente ambos os indicadores na direção de Atlas. Ele quase parecia bobo.
A tensão na sala se desfez instantaneamente.
“Então o que estou dizendo é: por que não desiste aqui e vira um Inquisidor? Tenho certeza que será ótimo~!”
***
“É chato não poder saber o que está acontecendo lá fora.”
Deitado no chão, eu encarava o céu vazio e escuro acima de mim. Após os eventos na Audiência Confessional, fiquei no escuro. A última coisa que lembrava era ter sido nocauteado por Atlas.
“…Que saco.”
O fato de não saber o que acontecia lá fora era irritante, mas também não era totalmente ruim para mim.
‘Sim, desde que tudo corra bem.’
Havia alguns fatores que não consegui prever adequadamente no meu plano devido ao tempo limitado. Especialmente a tatuagem.
A tatuagem era um problema real.
Felizmente, eu sabia que Atlas também estava ciente disso e encontrou uma maneira de escondê-la. Mas por quanto tempo ele poderia ocultá-la?
“Não, mais que isso. Quanto tempo tenho que esperar para recuperar o corpo?”
Um dos problemas do que fiz foi que libertei Julien da influência do anel. Ele não estava mais preso lá, significando que agora tinha controle sobre o corpo.
Embora eu pudesse retomar o controle se quisesse, sabia que um Clérigo em breve me examinaria, potencialmente usando algum método para selar Julien temporariamente.
Se eu assumisse durante o processo, seria eu quem se daria mal.
Por isso, não poderia simplesmente retomar o controle.
“Você não precisa se preocupar tanto com isso.”
Pedrinha, sentado em uma pequena pedra, lambia calmamente sua pata.
“Posso verificar a situação rapidamente sem ser detectado. Você pode recuperar seu corpo agora se quiser.”
“Posso?”
“Você está preso em uma pequena sala, amarrado por cordas. Não há ninguém dentro.”
“Espera.”
Eu franzi a testa.
“Isso não parece uma boa oportunidade.”
Isso parecia mais que meu corpo estava sendo preparado para o Clérigo proceder com o que quer que fosse. Se algo, este era provavelmente o pior momento para eu retornar.
“….Acho que vou esperar até o Clérigo agir antes de retomar meu corpo.”
“Como quiser.”
Pedrinha continuou a lamber suas patas. Quanto mais eu olhava, mais ele agia como um gato. Parecia quase assustador quando eu pensava nisso. Era mesmo a mesma criatura que me colocou em coma por quase um ano?
“O quê?”
Pedrinha virou a cabeça na minha direção.
Eu o encarei por um bom minuto antes de desviar o olhar.
“Nada.” Murmurei baixinho. “Nada mesmo…”
Que dragão mais patético.
***
No dia seguinte.
“Oh, parece que Julien está ausente,” Aoife murmurou, olhando ao redor da classe.
“Está?”
Kiera virou a cabeça e procurou por Julien, mas não importava onde olhasse, ele não estava lá.
“Acho que você está certa.”
“Também não o vejo.”
Evelyn respondeu, olheiras se formando sob seus olhos. Ontem fora sua vez de lidar com Theresa e ela mal dormira.
‘Julien está desaparecido?’
Ouvindo a conversa na frente da sala, Amell sentava ao lado de Leon. Ele acabara de se sentar quando a conversa chegou aos seus ouvidos.
Embora achasse a notícia um tanto estranha, havia algo mais urgente para lidar.
Como…
‘Como me aproximo dele? Isso está sendo mais difícil do que esperava.’
…Tentar encontrar uma maneira de interagir com Leon.
Amell tentou nos últimos dias, mas sempre falhava ou as conversas não evoluíam. Nunca antes ele tivera tanta dificuldade com uma tarefa.
Isso o enlouquecia.
“Posso ter a atenção de todos? Tenho um anúncio importante.”
Uma voz sombria ecoou pela sala, atraindo o olhar dos cadetes presentes. Quando Amell ergueu a cabeça, seu olhar caiu sobre a Professora. Uma mulher corpulenta de meia-idade, com óculos afiados e postura severa.
Seus olhos cor de avelã escaneavam a sala enquanto falava:
“Julien não participará das aulas pelos próximos dias. Ocorreu uma situação que o impedirá. É tudo que me informaram. Atualizarei vocês quando souber mais.”
Vendo o tom sombrio, Amell entendeu que algo sério acontecera com Julien. O silêncio que se seguiu mostrou que todos na sala também entenderam.
Ou pelo menos foi o que ele pensou inicialmente.
“É só isso?”
Esse pensamento foi quebrado pela voz de Kiera.
Piscando, Amell virou e viu que praticamente toda a classe não parecia interessada na notícia.
Mas o quê…
“Ufa, graças a Deus. Pensei que fosse um teste surpresa.”
Kiera suspirou, enxugando o suor frio na testa. Suas palavras foram seguidas por murmúrios como: ‘Ela disse que Julien não virá por um tempo?’, ‘Por que sinto que já ouvi isso antes?’, ‘Ainda bem que não é teste. Não estudei nada.’
Quanto mais Amell ouvia, mais perplexo ficava.
Julien era tão odiado pela classe toda?
Virando-se, ele olhou para Leon, ocupado escrevendo em seu caderno.
Amell se inclinou.
“Você… também não está preocupado?”
“Hm?”
Leon ergueu a cabeça.
“Preocupado com o quê?”
“A notícia. Pelo tom sério dela, parece que—”
“Ah, isso.”
Leon acenou com a mão, parecendo desinteressado.
“Você se acostuma.”
“Eh?”
“Foque na aula. Julien faz isso de vez em quando. Ficou meio ano fora ano passado.”
“Meio ano?”
“Sim. É bem quieto, não é? Aproveite enquanto ele não volta.”
A boca de Amell abriu e fechou várias vezes. Olhando para trás, viu todos com a mesma expressão desinteressada de Leon e as palavras sumiram.
….Que lugar é esse?
Quanto mais Amell conhecia a Academia, mais a imagem prestigiosa se desfazia em seus olhos.

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