Capítulo 453: Entrevista Surpresa [1]
“Você está livre para ir.”
“Eh?”
“O que há com essa sua expressão?”
“Não, é só que…”
Estou livre para ir?
Assim? Simplesmente livre…?
“Você acha que deveria ficar aqui mais tempo?”
Eu hesitei e acenei com a cabeça.
“…Sim.”
Normalmente, eu ficaria um pouco mais do que o tempo que passei aqui. Além disso, com tudo o que aconteceu, certamente havia mais coisas para verificar, certo?
“Para quê?”
“Pelos meus ferimentos?”
“Quais ferimentos?”
“Eh…”
Abri a boca e fiquei sem resposta.
Pensando bem, quais eram meus ferimentos? Na verdade, eu estava mesmo ferido? Checando meu corpo em busca de qualquer lesão, percebi que não estava machucado.
Estava tão saudável quanto poderia estar.
Então…?
“O único problema que você tinha era uma entidade estranha ocupando seu corpo, certo? Isso não é algo que eu possa resolver, e como o Reitor e os outros não estão aqui, qual o sentido de mantê-lo aqui? A menos que você queira ficar…”
Enquanto os olhos do Doutor se estreitavam, eu balancei a cabeça.
“Não, não.”
Eu não desejava nada mais do que sair daquele lugar. Naquele ponto, eu frequentava tanto aquele lugar que quase parecia ter se tornado minha segunda residência.
Não podia deixar que isso fosse verdade.
“Ok, pode ir. Tenho outras coisas para fazer.”
“Sim.”
Sem pensar mais, peguei minhas coisas e voltei para os dormitórios. A distância não era grande, cerca de cinco minutos a pé.
Estava escuro lá fora, e uma brisa suave flutuava no ar.
‘Será que vão deixar as coisas em paz por agora?’
O fato de eu estar possuído agora era algo que a maioria dos altos escalões da Academia sabia, e embora estivesse contido, ainda não estava completamente resolvido.
Eu estava preocupado de que pudessem tentar algo depois.
O pensamento só reforçou minha ideia de me apressar e conseguir que Kiera me emprestasse o espelho.
Clack!
Ao abrir a porta da residência, vi luzes fracas vindo da sala comum próxima.
“Tem gente acordada a essa hora?”
Surpreso, verifiquei a hora.
Era 02:53 da manhã.
“Quem está acordado a essa hora?”
Curioso, decidi dar uma olhada melhor. De qualquer forma, eu tinha que ir para meu quarto, que ficava na mesma direção. Um pensamento me ocorreu enquanto me aproximava.
‘Certamente não é a Theresa, né?’
Lembrei que ela era bem viciada nisso no passado.
“Ah, droga! Isso é demais!”
Meus passos pararam abruptamente quando ouvi uma voz familiar gritando em frustração. Era ninguém menos que Kiera.
“Eh? O que ela está fazendo acordada a essa hora?”
Kiera não era do tipo que ficava acordada até essa hora.
Algo não batia naquela situação. Curioso, decidi olhar melhor.
“…Quero morrer.”
Quanto mais eu me aproximava, mais histéricas ficavam as reclamações de Kiera. Isso também me deixou mais curioso. O que exatamente estava a torturando tanto?
Por que ela estava…?
“Para de gritar. Estou tentando me concentrar.”
Quando outra voz soou de repente, minhas sobrancelhas se levantaram um pouco.
‘Aoife?’
Ela também estava acordada?
O que diabos as duas estavam fazendo acordadas a essa hora?
“É fácil para você dizer.”
“…Não é. Só não perco tempo reclamando como você. Quanto mais tempo você gasta reclamando, mais difícil fica se concentrar.”
“Ela está certa, sabia?”
“Ah, droga.”
Uma terceira voz surgiu, e minha confusão só aumentou.
‘Evelyn? Por que Evelyn também está aí…?’
Havia algum tipo de evento que eu não sabia? Incapaz de conter minha curiosidade, decidi entrar diretamente na sala comum.
“Vocês duas não entenderiam. Para vocês pode ser fácil—”
Como se sentissem minha presença, as três pararam de falar e viraram a cabeça na minha direção.
“Oh, você está aqui.”
“Uh, oh.”
“Como foi suas férias?”
Comparado com a reação que eu esperava, parecia bem morna. Era quase como se não estivessem surpresas por eu estar ali.
Isso me pareceu ainda mais estranho.
“O que está acontecendo aqui?”
Quando olhei melhor, fiquei surpreso ao ver os vários livros empilhados em cima da mesa. Vendo como a mesa estava bagunçada, pude perceber que as três estavam estudando há algum tempo.
Isso me deixou ainda mais surpreso.
“O quê? Por que você parece tão chocado?”
Olhando para Kiera e depois para os livros, nem precisei abrir a boca para expressar meus pensamentos.
“Tsk.”
Com um clique de língua, Kiera se recostou na cadeira.
“Não é como se tivéssemos escolha, ok? Você acha que eu quero estar aqui com essas duas estudando? Prefiro morrer.”
“Ei.”
“Foi você que nos implorou.”
“Cala a boca. Eu nunca implorei.”
“Sério?”
Quando Aoife levantou a sobrancelha, ela repentinamente pegou um gravador. A sonolência no rosto de Kiera desapareceu, e suas costas se endireitaram.
“Puta merda, você gravou isso?!”
“Não.”
Aoife balançou a cabeça, um pequeno sorriso nos lábios.
“Mas você acabou de admitir que implorou para nós.”
Com um ‘kaka’ que parecia estranhamente similar ao de Kiera, Aoife virou para Evelyn e bateu as mãos com ela. Ela também soltou um familiar ‘kaka’.
Que porra é essa?
O que as duas passaram nos últimos dias para ficarem assim?
“Juro por deus1.”
Kiera levantou o punho, pronta para atacar. Mas assim que o ergueu, suas pálpebras caíram, e ela logo o abaixou, murmurando algo como: ‘Cansada demais para essa merda. Depois eu vejo o que faço com você.’
Com um ‘huaaa’, Kiera esticou o corpo e caiu de cabeça na mesa.
Olhei para a cena por alguns segundos antes de balançar a cabeça. Além de parecer cansada, Kiera também parecia bem deprimida.
‘Será que devo animá-la?’
“Ei, Kiera.”
“Uhm?”
Inclinando a cabeça para o lado, o suficiente para que seu olho me encarasse, fechei o punho em encorajamento.
“Anime-se. Tem coisas piores, sabe?”
“Tipo?”
“Ficar preso em um buraco subterrâneo cheio de água.”
“Eh? O que isso tem a…?”
“Só estou tentando ajudar.”
“….”
Um silêncio estranho tomou a sala. Vendo os olhares que todos estavam me dando, franzi a testa. Qual é a dessa atmosfera?
“Droga.”
Cobrindo o rosto com as duas mãos, os olhos de Kiera ficaram injetados.
“Drooooooooga.”
Ergueu as duas mãos e olhou para cima.
“Não aguento mais essa merda. Não, droga. Me mata.”
Balançando a cabeça, Kiera pegou suas coisas e saiu direto da sala comum. Eu encarei suas costas com uma expressão estupefata. O que acabou de acontecer?
Mas como se não bastasse, Evelyn saiu logo atrás dela.
Quando passou por mim, ouvi seu murmúrio baixo: ‘Isso foi pesado até para mim’, enquanto balançava a cabeça em decepção.
Que diabos?
“Pftt.”
Um riso abafado me tirou da confusão. Veio de Aoife, a única que ainda estava na sala comum.
“…Huk. Isso foi bem engraçado. Nada mal.”
“???”
Engraçado?
O que foi engraçado?
“Pft—! Você devia ter visto a cara da Kiera. Quem me dera ter tirado uma foto da expressão dela quando você contou a piada.”
“Eh? Piada? Que piada?”
Eu contei uma piada? Quando?
“Huk. Não se preocupe, eu achei engraçado. Não precisa ficar envergonhado.”
Em meio à minha confusão, Aoife se levantou e pegou suas coisas. Passando por mim, cobriu a boca novamente.
“Khk…. Não sabia que você tinha isso em você. Enfim, você devia dormir.”
“Sim?”
“Temos uma entrevista para ir amanhã?”
“Uh?”
Pego de surpresa, entrei em um breve devaneio. Quando voltei a mim, Aoife já havia saído.
“Entrevista? Que tipo de…?”
Foi então que me dei conta.
‘Ficar preso em um buraco subterrâneo cheio de água.’
‘Só estou tentando ajudar.’
“Ahhhh.”
Bati o punho na palma da mão.
“…Então é disso que estavam falando.”
Balancei a cabeça.
“Não é à toa que não gostaram.”
Era tudo sobre a entrega.
Tudo sobre a entrega.
***
A ‘entrevista’ era um evento simples organizado pela Academia para que os calouros se familiarizassem com os veteranos.
Considerando que no passado cada ano não tinha muito relacionamento com o outro, a Academia achou melhor fazer isso para melhorar as relações entre os cadetes.
Foi por isso que organizaram uma entrevista.
Era apenas um evento amistoso para os calouros.
“Ei, Linus. Temos que nos apressar. A entrevista vai começar logo.”
Ajeitando a gravata, Linus olhou para a porta de seu dormitório. Vários cadetes estavam esperando por ele ali.
“Sim, estou indo.”
Desviando a atenção de volta para o espelho, Linus ajustou a gravata. Enquanto fazia isso, certificou-se de cobrir as marcas roxas em seu pescoço. Elas ainda estavam lá.
Seus dentes se apertaram ao vê-las.
‘Ele não é diferente do que era no passado.’
Pensando nos eventos que aconteceram recentemente, os olhos de Linus se estreitaram.
“Não, ele está pior.”
Parecia se assemelhar cada vez mais à mesma figura de seus pesadelos. Desde seu olhar frio e indiferente até sua expressão descontrolada e enlouquecida.
Linus mordeu os lábios ao pensar no que aconteceu naquela sala. Em como foi facilmente dominado por ele e quase morto.
O tempo todo, esteve impotente.
Mal conseguiu lutar.
….E foi esse pensamento que o deixou furioso consigo mesmo.
‘Preciso me apressar e ficar mais forte.’
Ele não tinha muito tempo, e a diferença entre ele e seu irmão só aumentava a cada momento.
Linus sabia que precisava ficar mais forte rapidamente.
Mas como exatamente poderia fazer isso?
Seria ótimo se pudesse se tornar a Estrela Negra do ano, mas isso era impossível.
A Estrela Negra deste ano…
Era um monstro. Alguém cujo talento superava o dele em muito.
A diferença de talento entre os dois era suficiente para fazê-lo sentir desespero.
Então como?
Como poderia ficar mais forte?
“Linus?”
“Indo.”
Saindo de seus pensamentos, Linus forçou um sorriso. Então, desviando a atenção para a entrada do quarto, correu até onde seus colegas estavam.
De qualquer forma, ele veria seu irmão novamente em breve.
Ele realmente queria ver como as pessoas percebiam seu irmão dentro da Academia.
Será que ele ainda conseguiria manter aquela fachada?
Linus achava que não.
E ele foi provado certo logo depois na entrevista.
…Mas não da forma que esperava.
- Como na obra existem sete deuses, decidi deixar como minúsculo.[↩]

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