Capítulo 17 — Visitante inesperado
— Volte sempre!
— Claro, mulher, seus pães são deliciosos. São os melhores por aqui!
Alzira sorriu com a resposta.
— Não é como se tivesse concorrência, Nilce. Essa é a única padaria por aqui.
— Pare de ser modesta, Alzira. Você faz um trabalho excelente. Até amanhã — disse antes de sair.
— Até!
Ela observava a cliente sair enquanto seu sorriso se afrouxava um pouco. Ergueu a mão para massagear um pouco os ombros tensos.
“É… realmente a idade está chegando”, o pensamento lhe arrancou um suspiro cansado.
Um estalo se seguiu quando conseguiu, enfim, tirar a dor de seus ombros cansados com uma massagem.
“Melhor”
“Me pergunto o que Elian está fazendo que não chegou ainda?”
Ele já tinha saído há algum tempo. Não muito, mas o suficiente para deixá-la preocupada. Talvez seu instinto superprotetor falando. Não tinha como evitar, ultimamente seu neto estava com uma sorte terrível.
— Vai melhorar… — disse, pra si mesma, bem baixinho, como se estivesse tentando se consolar.
“Roderick… me pergunto porque ele ajudou meu neto?”
Alzira mesmo não tinha nenhuma desavença com o sujeito, até o conhecia já que ele mesmo já tinha ido várias vezes na padaria, porém, ela mesma não entendia os motivos do homem se envolver. Ele não costumava o fazer. Por todos ele era conhecido como o ‘Braço direito de Varn’, fazendo de acordo com a vontade do mesmo. A maioria do tempo livre dele ele ficava gastando com mulheres, treinos ou bebidas. Isso era de conhecimento comum. Não era um encrenqueiro, tampouco um bom samaritano, porém, isso deixava ainda mais nebuloso descobrir os motivos que o levaram a ajudar Elian.
“Bom… seja como for estou grata”, pensou, enquanto movia algumas coisas de lugar. Sempre havia algo a se fazer quando não tinha clientes.
Todavia, a porta do estabelecimento se abriu, revelando uma figura.
Um menino jovem, acompanhado por um cão.
— Ah, Kael, bem vindo!
O sorriso sincero de Alzira era caloroso como a brasa do forno que ela passava os pães e isso sempre aquecia Kael de alguma forma.
— Tia Alzira! Bom dia!
— Dia! Está com fome? Tem uns pães fresquinhos aqui.
— Ah, é…
Para Kael, ainda era difícil lidar com a boa vontade das pessoas.
— Ah, deixa de frescura, menino! Você já é de casa. Vem, vou preparar algo pra você comer.
Croco latiu. Como sempre, parecia entender.
— Viu? Você deveria agir mais como o Croco. Um menino crescido já e cheio de vergonha. Se não comer, vai ficar baixinho quando tiver adulto.
Kael não tinha respostas para isso, enquanto olhou para o chão um pouco vermelho.
— Obrigado, tia…
A mulher respondeu com um sorriso.
— Você parecia meio estranho ontem. O que aconteceu?
A pergunta inesperada pegou Kael de surpresa um pouco, mas mesmo isso era esperado.
“É, ela não ia esquecer do assunto tão fácil assim…”
— Não foi nada não, tia — disse, sem jeito. — É só algo que eu e Elian discordamos, mas já se resolveu.
— Hm, é? E o que seria? — perguntou enquanto levava uns pães em um recipiente para Kael comer.
— É… bom…
A pior parte de inventar uma mentira era fazer dela conveniente com a situação e o mais verdadeira o possível.
— Era sobre garotas, tia Alzira. Sabe como é…
Ele ficou com as bochechas um pouco rubras enquanto se zangava com Elian mentalmente. Podia apenas torcer que Elian não tivesse dito nada, se não, Alzira ia descobrir a divergência nas histórias contadas pelos dois.
Por sorte, não parecia ser o caso.
Alzira abriu um pouco mais os olhos, compreensão atingindo.
— É mesmo. Vocês já estão nessa idade de se interessar por garotas — disse, entregando os pães.
Era uma completa farsa. Não foi o que tinha de fato acontecido. Mas funcionou, mesmo que o custo foi se envergonhar na frente de Alzira.
— Obrigado, tia Alzira — agradeceu e estendeu as mãos para pegar o recipiente que Alzira oferecia.
O cheiro de pão fresco despertava a fome.
— De nada!
Kael logo colocou um no chão para Croco que comeu sem cerimônia. Não demorou muito para Kael seguir o ritmo do cão. O pão desmanchava na boca. Bem macio e amanteigado.
Sem dúvida o pão que Alzira fazia era uma das poucas coisas boas de Brumalva.
— Tia, onde está Elian? Tá dormindo até agora?
A mulher suspirou.
— Não, ele saiu desde cedo para entregar algo para alguém
Porém, a situação a fez se lembrar de ontem. Kael estava com Elian, afinal. A situação era conveniente.
— Kael, aproveitando, deixa eu te perguntar… o que aconteceu lá?
O menino tinha acabado de dar a ultima mordida restante.
— Ah, tia… aconteceu umas coisas aí. Teve até um cara que morreu.
— É, eu sei, Elian me contou.
— É… e tinha aquele cara lá, o dono da caravana, ele queria arrumar problema com a gente, mas o Roderick ajudou. Se não fosse ele tinha dado problema.
Alzira não disse nada, apenas continuou olhando para Kael. Ele entendeu que ela queria que ele continuasse.
— O Roderick inventou aquilo de subordinado de ultima hora e falou para Elian pegar uma garrafa de vinho com um vendedor da caravana. Foi assim que conseguimos nos livrar e, bom, foi isso…
Claramente tinha mais coisas a ser ditas, mas não eram realmente necessárias ou melhor… Kael não queria comentar.
— Ah, o negócio que Elian foi entregar?…
— Sim — Alzira interrompeu. — Foi entregar pro capitão Roderick. Ele foi mais cedo e não voltou ainda.
— Entendi…
…
— E você, Kael? Como se sente em relação a isso tudo?
— Eu? Eu não sei, tia…
Alzira suspirou um pouco para si com alguma tristeza. Sabia que a história de Kael não parecia feliz e não se atreveu a perguntar já que parece que o garoto não deixa nenhuma abertura. Ela respeitava a vontade das pessoas e não iria forçar isso.
Cada um tinha suas próprias dores e ela sabia muito bem disso.
Kael voltou seu olhar para Alzira depois de algumas respirações de tempo.
— Antes de vir aqui, eu fui no velório do cara que morreu ontem. O Luriuz — Disse, tentando puxar assunto.
Aquilo ascendeu um pouco de curiosidade na mulher.
— Luriuz? Foi ele que morreu? Ah… ele poderia ser um encrenqueiro, mas morrer desse jeito…
— É…
— Mas velório? A igreja permitiu?
— É, eu também achei estranho, tia, mas de algum jeito teve um velório. E não só isso, como foi ministrado por uma nova pessoa.
— Nova pessoa? E a Elizabeth?
— Ela só assistiu — Kael respondeu enquanto lembrava da mulher.
Seu peito batia mais forte ao lembrar dela.
— Eu teria vindo mais cedo, mas acabei ficando lá um pouco. Eu tava curioso com o novo cara que chegou. Natanael era o nome dele, eu acho…
Alzira deixou os ouvidos bem atentos.
— Hm… Natanael, né?
Mas quando ela terminou de dizer essas palavras a porta se abriu mais uma vez. Alzira e Kael já estavam esperando para cumprimentar Elian, mas ao invés do menino foi um homem com cicatrizes no rosto que chegou.
— Velha Alzira! Como vai? — disse, ajeitando o coque malfeito no cabelo.
…

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