Volume 02 - Capítulo 10: Não Era Para Ser Assim
Capítulo 10
Não era para ser assim
Tradutor: Zekaev
Quente… Essa foi a primeira coisa que veio à mente depois de descer o poço de dissipação do quarto para o quinto andar. Enquanto o quarto andar era agradavelmente fresco, o quinto andar era completamente o oposto. O motivo de uma temperatura maior foi rapidamente identificado: forjas, grandes e pequenas, alinhadas no caminho do túnel.
O quinto andar era uma refinaria, onde o minério escavado iria para ser derretido. Nem todas as forjas estavam em uso, mas as que estavam foram ocupadas por kobolds que pareciam atarefados. Outros kobolds trabalhadores descansavam em espaços que deviam ser utilizados para breves intervalos. Algumas áreas encontravam-se repletas de kobolds, enquanto outras mantinham um vazio quase absoluto. De vez em quando, um ancião e seus subordinados passeavam pelas redondezas.
Havia, também, lugares que eram bons campos de caça para os soldados da força reserva, e Mary guiava o grupo para um desses locais. No final da trilha, havia um beco sem saída com um grande espaço circular e aberto, por isso, não foi como caminhar numa floresta densa.
O local ficava a uma boa distância de qualquer uma das forjas, mas não muito longe das áreas de descanso dos trabalhadores kobolds ou dos postos de vigia de onde os anciãos supervisionavam todos. Era uma área onde os kobolds podiam entrar se quisessem caminhar entre os turnos e, de vez em quando, alguns kobolds podiam ser vistos se aproximando.
Aqui é onde Haruhiro e os outros se instalaram para esperar por uma oportunidade, porém, nenhum kobold veio. Ranta, ficando impaciente, gemeu em desespero.
Yumi suspirou em aborrecimento. — Se você não pode ser paciente, então por que não tentar tirar uma soneca?
— Se eu cair no sono […] — Ranta respondeu. — […] vocês vão achar que esse é um lugar muito chato e me vão deixar para trás.
— Merda. Que frustrante, de novo!
— Maldição, Senhorita Tábua-de-Lavar. Eu sei o que você está pensando antes mesmo de pensar. Eu vejo através de você!
— Não chame Yumi disso! — Disse Yumi.
— Eu vou chamá-lo do jeito que eu quero, estúpida! Plana, plana , plana, plana, plana, plana, plana, plana, plana.
A expressão de Yumi evidenciava seu tormento.
— Y-Yumi…. — Disse Shihori, gentilmente dando tapinhas nas costas de Yumi. — Eu não acho que seus peitos sejam pequenos.
— Shihori tem seios grandes, de modo que isso não faz Yumi se sentir melhor!!
— Oh… eu… eu sinto muito… mas eu sou apenas gorda… Eu sinto muito …
— Não se importe com o que Yumi disse. Não é culpa sua de ter grandes seios e não é como se Yumi tivesse peitos pequenos de propósito. E Yumi usa um arco agora, então, porque Yumi é uma caçadora, então às vezes ela pensa que os grandes peitos só poderiam entrar no caminho…
— Hum… isso pode ser verdade. — Shihori concordou hesitante.
— Yumi é provavelmente uma caçadora nata. — Disse Yumi.
— Que tipo de raciocínio é esse? — Ranta perguntou à ela.
Haruhiro encontrou-se concordando um pouco com Ranta, desta vez, mas, definitivamente, era melhor não se envolver na conversa. Este foi um daqueles momentos para deixar passar. Basta deixar passar… releve… Ele teve a sensação de estar mais proficiente na “habilidade de deixar passar”, como se atingisse um novo nível dela.
O quinto andar era um lugar deslumbrante, mas esse ponto de caça que ocupavam agora era relativamente silencioso. Qualquer ruído pode ecoar facilmente aqui, já que era um túnel de mineração. Eles podiam ouvir passos próximos. Muito provavelmente kobolds. Haruhiro levantou a mão e apontou o indicador nessa direção, em seguida, deu um sinal com polegar para cima e, depois, para baixo imediatamente. Este era o sinal de mão para “inimigos se aproximando, prepare-se” que todos decidiram quando passaram a frequentar as Minas.
Yumi preparou seu arco e encaixou uma flecha, fechou os olhos e tomou algumas respirações profundas. Shihori e Mary prepararam seus cajados. Moguzo sacou a espada bastarda, Ranta fez o mesmo com a sua espada, e Haruhiro seguiu com uma adaga.
Um kobold apareceu. Um ancião. Yumi abriu os olhos; eles se adiantaram com esse movimento particular, um movimento que indicava a ativação da Visão Aguçada, uma habilidade que lhe permitiu rastrear a posição inimiga com maior precisão. Ela disparou. O ancião gritou quando a flecha o atingiu no rosto.
A ancião caiu contorcendo-se em agonia, mas atrás dele veio um outro. Esta era um ancião também. Dois deles, o ancião A foi ferido, enquanto o outro estava ileso.
— Moguzo, no que está ferido! — Comandou Haruhiro, e Moguzo acatou de imediato.
— Morraaa. — Ranta já estava em cima do ancião A.
Yumi deixou cair o arco e desembainhou sua kukri enquanto Shihori executava o cântico. — Oom rel eckt vel dash!. — O feitiço, Eco Sombrio, uma sombra elementar que lembrava algas negras, disparou da ponta do cajado.
O ancião B afastava os ataques de Moguzo com uma espada larga, mas, naquele momento, a sombra elementar o atingiu direto no estômago, causando-lhe uma tremedeira incontrolável. Moguzo pressionou a espada do ancião B com um grito e levantou sua própria espada bastarda mirando a cabeça do ancião. O kobold ancião torceu seu corpo no último segundo e a lâmina de Moguzo apenas roçou o lado de sua cabeça em vez de dividir-lhe o crânio.
Enquanto isso, Ranta, que estava gritando em fúria, atravessou sua espada longa no peito do ancião A. Assim, Haruhiro e Yumi foram ajudar Moguzo, o ancião B deu meia volta.
— Não deixe que ele fuja! — Gritou Mary.
Yumi trocou seu kukri para sua mão esquerda e, com a direita, puxou uma faca de arremesso e arremessou-a no ancião. Sua habilidade, Estrela Perfurante, atingiu o ancião B logo abaixo do ombro, mas, ao invés de cair, ele continuou correndo. Moguzo veio logo atrás, a armadura pesada tinindo a cada passo, espada levantada, porém, fora do alcance.
— Eu vou pegá-lo! — Haruhiro apressou o passo, afastando-se de Yumi e passando à frente do Moguzo. O ancião B baixou a guarda, uma vez que estava tão preocupado em fugir, não tomou precauções para se proteger. A corrida deste kobold ainda era retardada pelos ferimentos, portanto, Haruhiro poderia pegá-lo.
— Viúva Negra! — Haruhiro saltou para as costas dele, cortou-lhe a garganta no mesmo movimento e saltou de novo.
A ancião oscilou por alguns instantes para, em seguida, cair no chão.
Haruhiro soltou um suspiro de alívio. — Consegui…
— Eu peguei meu vícius. — Ranta gritou em um tom selvagem.
Portanto, parece que o Kobold A estava morto também.
— Por alguma razão… — Haruhiro ficou boquiaberto por um breve instante.
Isto nem sempre foi uma luta justa, mas não é tão ruim. Eles não colocaram nenhum fardo desnecessário sobre a sacerdote Mary, todos contribuíram com suas especialidades de combate e conseguiram executar suas ações rapidamente. Era quase como um verdadeiro trabalho em equipe.
— Por algum motivo, acho que foi muito bom. — Continuou Haruhiro. — Vocês também não pensam assim?
— Con-concordo. — Disse Moguzo, seu elmo barbute se movia para cima e para baixo acompanhando o movimento de cabeça. — Eu também acho.
— Sim. — Disse Yumi, exalando através de suas narinas enquanto usava a mão esquerda para bater no ombro direito. — A flecha e a faca de arremesso de Yumi foram incríveis. Yumi se sente um pouco triste pelo ancião, mas se sente muito bem sobre si mesma.
Shihori sorriu. — Foi como se estivéssemos em sincronia. Como se nós, naturalmente, soubéssemos quem iria fazer o próximo movimento, e foi exatamente isso que fez funcionar.
— Sim. — Mary mostrou-lhes um leve sorriso. — Eu acho que fomos muito bem.
— E É TUDO GRAÇAS A MIM!!! — Proclamou Ranta. — FOI TUDO POR MINHA CAUSA E TUDO É MEU!
Haruhiro percebeu que era demais esperar que Ranta atuasse de maneira diferente. Bem, tudo o que ele tinha que fazer era deixar passar, mas não pôde.
— O que isso quer dizer? — Haruhiro perguntou. — Isso deveria parecer legal?
— Não, só um segundo… Eu quero dizer DO MUNDO! Não tudo! Eu quero dizer que o mundo é meu!
— Oh. Bom para você, então.
— Você não acha que sou bom em tudo?! Bom, é o que você acabou de falar, não é?! — Ranta acusou.
— Não. Eu acho que você é bom sim. — Disse Haruhiro. — É genial. Parabéns.
— Obrigado! — Ranta pisou no chão. — E porquê eu tenho que agradecer todas as pessoas então?!
Se este fosse o mesmo padrão de costume, Haruhiro poderia estar chateado com este ponto, mas agora ele achou um pouco engraçado e riu apesar de tudo. Todo mundo estava de bom humor quando reuniram os despojos. De repente, Haruhiro sentiu algo estranho… algo ruim. Ele rapidamente olhou em volta.
— O que há de err- — Mary começou, mas antes que pudesse terminar, ela viu a mesma coisa que Haruhiro… Uma cabeça espreitando além do local onde o caminho do túnel fazia uma curva para fora da vista. Um kobold. Tinha que ser!
Quando o kobold percebeu que Haruhiro e Mary o notaram, se escondeu de novo.
— Hey… muito bom. — Ranta disse enquanto tirava o talismã do corpo do Ancião A . — Parece que isso terá um preço muito bom…
— Espere. — Haruhiro disse, levantando a mão para silenciar o Ranta. — Mary, o que você acha?
— O quê? — Ranta esticou o pescoço para olhar. — O que está acontecendo?
— O quê? — Yumi, de joelhos perto do corpo do ancião B, perguntou.
Shihori, agachada perto de Yumi, virou-se para Haruhiro, piscando em confusão. — Hm? O qu-
Moguzo grunhiu e se inclinou um pouco.
Mary colocou um dedo no queixo. — Eu acho que, você diz…
Um longo e penetrante uivo de cachorro foi ouvido. Mas o uivo certamente não era de um cachorro. Um kobold. Um trabalhador ou um ancião? Haruhiro não sabia, mas tinha que ser aquele kobold que os viu há pouco.
— O-oy… — Ranta engoliu em seco e colocou uma mão sobre a boca. — O que… Boa coisa isso não é…
O olhar de Mary era profundo, a expressão de pânico estava evidente. — Isso é mau. Isso é um…
Outro rugido alto, e vários outros rugidos do mesmo tipo responderam. Agora, os uivos formaram um fluxo contínuo.
— C-corra! — A decisão de Haruhiro veio imediatamente.
Yumi agarrou a mão de Shihori e arrastou-a. — Vem Shihori, levante-se!
Correr. Eles precisavam correr. Correr como nunca. Mas para onde? Por uma fração de segundo, Haruhiro ficou sem saber o que fazer. Acalme -se! Então ele se lembrou, não importava. Este caminho no final do túnel era um beco circular e sem saída, independente da direção que escolhessem. Mas depois disso, então, para onde?
O quinto andar era como um labirinto, um emaranhado de passagens. Eles poderiam voltar para o poço de dissipação que leva ao quarto andar sem se perder? Ele não tinha um grande senso de direção, e não era bom nisso também. Isso vai funcionar… Por alguma razão, ele supôs que conseguiria, mas não estava totalmente convencido. Foi um breve momento de hesitação.
— Siga-me! — Mary disse, começando a correr.
Oh. Certo. Mary já esteve aqui antes. Tudo que eles tinham que fazer era segui-la.
— T-todos, vamos! — Haruhiro ordenou, mesmo que não precisasse dizer isso a ninguém.
Ele seguiu perto de Mary, virando-se para olhar para trás enquanto corria para se certificar de que todos estavam bem, devidamente consciente do quão perdedor parecia agora. Embora ele fosse o líder, foi o primeiro a escapar. Naquele momento, esqueceu de seus companheiros. Completamente patético. Vergonhoso. Yumi e Shihori estavam em pânico. Ele tinha que tranquilizá-las.
Tranquilizá-las?! Em um momento como este? Como?!
— Está bem! Então, apenas… — Haruhiro engoliu as palavras. Como está tudo bem? O homem direto, que existe nele, ressurgiu. Ele não estava certo. Se não estava tão preocupado, deveria simplesmente sorrir em vez de tentar acalmar os outros. Ele estava enlouquecendo, com certeza.
Haruhiro não podia correr muito bem com a cabeça virada para trás, então voltou a olhar. Tudo estava tremendo. Seu campo de visão estava balançando. As coisas estavam tremendo e balançando tão bruscamente que ele queria perguntar porque tudo no mundo estava vibrando tanto. Já era possível ouvir seus próprios batimentos. Oh. Talvez seja por isso. Ele imaginou que seu coração fosse sair pela boca.
Eles escaparam do beco sem saída e, um pouco mais abaixo, passaram por um posto de vigia e depois por uma área de descanso. Antes, esses lugares estavam vazios, mas não mais. A área restante encontrava-se abarrotada de trabalhadores kobolds que imediatamente correram na direção deles.
— Merda! Merda! Merda! Merda! — Um palavrão involuntário escapou de sua língua. Merda! O que vamos fazer?! Uma espécie de alerta espancava sua mente.
O ritmo de Mary desacelerou, então Haruhiro seguiu o exemplo. Oh. Então é por isso. Um grupo de kobolds entrou em seu caminho, eles acabariam se encontrando se continuassem. Mas ainda era um beco sem saída pois não podiam voltar. A única opção era continuar, nem que fosse à força. Mas não com Mary na frente.
— M-Moguzo! — Haruhiro virou-se e gritou. — F-frente! Vem aqui! Use o Grito de Guerra!
— Ce-certo! — Moguzo respondeu, havia uma pitada de desespero em sua voz, enquanto sua forma blindada atravessava Mary e Haruhiro até ficar à frente de todos.
Quatorze kobolds, talvez mais, foram atraídos por Moguzo com um ardor ferrenho, tentando assassiná-lo. Moguzo de repente parou quando foi atingido por uma série de varetas em chamas. Implacável, ambos os pés de Moguzo ficaram firmemente plantados e ele gritou; a habilidade de um guerreiro, Grito de Guerra.
Com método especial para lançar sua voz, gritando o ensurdecedor Grito de Guerra, e intimidando os inimigos. Não estar preparado para o Grito de Guerra faria qualquer ser humano estacar, mesmo que por um curto espaço de tempo. Monstros, ou qualquer outra coisa viva em seu caminho também não seriam capazes de resistir. Alguns dos kobolds tomaram a frente desordenadamente, enquanto outros foram incapacitados pelo medo. Houve até uns que recuaram, com as mãos na cabeça.
— Agora! — Moguzo gritou, em um tom mais agudo.
Haruhiro correu gritando, como se sua vida dependesse disso. — Todos juntos!
Ranta também gritou enquanto avançava. Mary estava ao lado de Haruhiro. E quanto a Yumi? Shihori? Haruhiro olhou para trás. Ambos estavam presentes.
— C-corra! Vamos! Vamos, vamos! — Ele gritou.
Esta era a única coisa que ele poderia pensar para dizer? Patético. Haruhiro e Mary alcançaram rapidamente Moguzo. Moguzo não era o melhor dos corredores, especialmente por conta do peso de seus equipamentos. O tilintar das placas de blindagem ecoava pelo túnel. Passar por ele e avançar? Haruhiro se perguntou. Não, não é uma boa ideia. Mais kobolds apareceram no caminho. Muitos mais. Quantos? Impossível saber.
— Eu não posso usá-lo novamente! Não tão cedo! — Disse Moguzo, hesitante, com toda a sua força.
Então o Grito de Guerra não era uma habilidade que poderia ser usada em sucessão. O que fazer então?
— N-nós temos que passar por eles!! — Disse Haruhiro.
Uma pequena voz dentro dele perguntou: Avançar? Fazer o caminho através deles? É isso mesmo? Mas não tinha opção melhor, tinha? O que ele realmente queria era simplesmente se livrar de toda a frustração que o dominava agora, jogar a responsabilidade para outra pessoa, mas essa não era a hora nem o lugar.
— Argh! — Gritou Moguzo.
Os kobolds se empurravam enquanto corriam para ele, emitindo inúmeros gritos de batalha. Três deles, seguidos por um atrasadinho, se empilharam em cima do Moguzo. Moguzo caiu, rodando repetidamente, mas o impulso do giro também o fez ficar em pé de novo. Moguzo estava desconcertado e sem entender o que aconteceu.
— Resista, Moguzo! — Gritou Haruhiro.
Moguzo se recuperou imediatamente e continuou a correr com uma série de saltos. Haruhiro não entendeu o porquê de ele estar gritando, mas não importava.
— Vire à direita! — Disse Mary.
Ranta de repente gritou, acompanhado pelos gritos de Shihori. Haruhiro virou-se e viu que um kobold agarrou-se à borda das túnicas de Shihori. Yumi cortou a mão do kobold com sua kukri impedindo que Shihori fosse arrastada.
Enquanto isso, Moguzo brandia sua espada em traços largos, enquanto corria, forçando os kobolds a sair do caminho. Mary também batia em qualquer Kobold que entrava no alcance de seu cajado. E eu não estou fazendo nada… pensou Haruhiro. Apenas correndo. Não que houvesse muito para fazer além de correr.
Como isso aconteceu? Como as coisas ficaram desse jeito? Tudo estava indo bem. Muito bem. Todos estavam se sentindo bem, a atmosfera era boa e a moral estava nas alturas. Talvez foi… eles estavam confiantes demais porque tudo estava indo tão bem? Não, não tinham chegado a este ponto. Embora estivessem muito perto disso. A um passo de cruzar essa linha.
Eles foram descuidados? Negligentes talvez?
Haruhiro não podia negar. Eles apenas demoraram para perceber o Kobold na surdina. Tarde demais? Sério? Houve alguma coisa que Haruhiro poderia ter feito mas não conseguiu? Ele não sabia.
Eles estavam alegres e felizes com os resultados.
Nada de bom vem quando se deixa levar pelo momento. Eles também perderam Manato, quando todos pensavam ter tudo sob controle. E, agora, lá estavam eles de novo, repetindo o mesmo erro. Haruhiro não havia aprendido a lição que Manato pagara com a vida.
— O que estou fazendo…
Ele era patético. O pior de todos, e sem esperança. Mas culpar a si mesmo não vai mudar nada. Mesmo assim, ele não conseguia pensar em alguma coisa que pudesse mudar a situação a seu favor.
Provavelmente não. Eles podem não ser capazes de escapar. Isso era tudo. Acabou.
Havia muitos inimigos. Se tentassem prosseguir, kobolds. Se voltassem, kobolds. À direita, kobolds. À esquerda, kobolds. Os túneis estavam cheios de kobolds. Onde eles estavam? Haruhiro não fazia ideia, apenas seguia Mary.
Moguzo desacelerou consideravelmente, mas se Haruhiro passasse por ele, ficaria na vanguarda. Ele não podia. Ele não podia estar na frente. Não havia como lutar na linha de frente.
Moguzo ficou ofegante, exageradamente ofegante. Ele deve estar esgotado, mesmo assim, nunca parou de brandir sua espada enquanto corria. Não, estava apenas se forçando, afinal é questão de vida ou morte. Moguzo dava o seu melhor para ajudar o grupo.
Desculpe, Haruhiro pediu desculpas em silêncio, querendo lamentar. — Moguzo… Sinto muito. Eu sou um inútil… — Mesmo sendo um inútil, ainda tinha que fazer algo. Mesmo que fosse apenas por um momento, ele teve que deixar Moguzo repousar ou ele nunca poderia fazer isso. E sem Moguzo, o resto deles não seria capaz de sair.
— Moguzo, volte! Eu fico no seu lugar! — Gritou Haruhiro.
Ele estava preocupado. Com tanto medo que queria chorar. Mas aconteça o que acontecer… e aconteceu. Com um grito furioso, Haruhiro tomou a frente, bem ali, diante de Moguzo, e foi imediatamente agredido pelos kobolds que avançaram nele.
Kobolds, e mais kobolds. Que diabos. Ah, esses kobolds… Moguzo, merda, isso é ridiculamente assustador, merda, merda, merda, DE JEITO NENHUM, merda, eu vou morrer, vou morrer, vou morrer…
Doía, então ele provavelmente tinha sido atingido e cortado em algum lugar, mas não sabia onde. Ele também não tinha ideia de como conseguiu segurar os kobolds o suficiente para que seu grupo pudesse continuar correndo. Ele estava agindo por puro instinto? Ou algo parecido com isso.
Espera. Isso está funcionando? Não sei.
Naquele momento, tudo o que Haruhiro sabia era que um kobold ancião estava de pé bem na frente dele, com a espada levantada e pronta para dividir sua cabeça. Para Haruhiro, tudo parecia ter parado de repente e o silêncio dominou o momento.
Ele não podia ouvir um único som, foi um estranho silêncio.
Haruhiro estava sentado em uma cadeira, numa sala em algum lugar que parecia familiar e estranho ao mesmo tempo. O que estou fazendo aqui, neste lugar? Então ele estava em um lugar diferente, cercado por pessoas que pareciam familiares, mas também desconhecidas. Ele ria. Agora, encontrava-se em algum tipo de veículo. Quem? Acho que conheço eles, ou talvez não. Quem são eles?
Ele estava agachado em frente a uma coisa longa, um enorme quadrado de luz piscante, mas indistintamente iluminada. Sentado ao lado dele, uma menina de cabelos curtos, usando um daqueles cortes na altura dos ombros.
Choco…
Foi como Haruhiro chamou a garota de cabelos curtos. Choco. Quem era ela? Ele não sabia. Mas Choco… por algum motivo, ele sentiu que a conhecia.
Quem era ela?
Onde ele a conheceu? Eles já se encontraram em algum lugar? Ele viu isso agora, esse lugar. Onde fica isso?
Choco. Ei, Choco… Quem é você? Você me conhece? Onde é isso? Quando é isso? E onde… neste lugar, eu te conheci…
Mas Haruhiro não sabia. Ele não conseguia lembrar, era como se o conhecimento desaparecesse quando estava prestes a se lembrar. O rosto de Choco… seu físico… ele não conseguia se lembrar do que eles pareciam. Choco. Mas o nome dela ele lembrou. Essa foi a única coisa que permaneceu.
Não importava, porque ele estava prestes a morrer. Os movimentos dos kobolds pareciam mais lentos do que o habitual, mas já não eram como antes. As coisas estavam se movendo agora, mas Haruhiro não. Ele não podia se esquivar da espada do ancião e também não estava usando um elmo protetor como Moguzo. Não poderia haver salvação para ele se recebesse um golpe, daquela espada, na cabeça.
Ele provavelmente iria morrer. Oh, o que foi isso? Algo como sua vida passar diante de seus olhos? Então ele ia mesmo morrer.
Choco, eu vou morrer. Eu gostaria de poder conhecê-la. Eu não sei nada mais do que seu nome, mas eu gostaria de conhecer você…
Isso não era possível, não agora.
Mas ele queria, pelo menos, tentar. Esquive! Faça algo! Qualquer coisa! Mas Haruhiro concluiu que não tinha a menor chance de realmente evitar o golpe. A espada do kobold estava acelerando. Descendo. Haruhiro levantou o braço. Ele tinha que fazer algo para bloquear esse ataque. Seu braço não ia chegar a tempo.
— Impulso de Raiva!
Haruhiro, com o braço meio levantado, pensou que, se Ranta não tivesse saltado e empurrado sua espada para a base da garganta do kobold, acabaria com a própria cabeça dividida pela metade.
— Haha! Abra o caminho para Lorde Ranta! — Ele proclamou.
Haruhiro não sabia como Ranta conseguiu se mover assim, girando seu corpo enquanto se afastava com sua espada longa e, de repente, voltou a inverter a rotação.
— Salto Impulsionador!
— O que o-! — Haruhiro gritou de volta.
Foi um ataque na parte traseira. Ele tinha usado Salto Impulsionador para saltar, apontando diretamente para as costas do kobold. Mas, ao invés de perfurar o corpo da criatura, Ranta o mandou para longe, voando, com um chute na bunda.
— SIM! Eu sou foda! — Ranta disse calorosamente.
— Obrigado! — O Golpe de Fúria de Moguzo veio mais rápido que um batimento cardíaco, derrubando o kobold. Mary arremessou outro com Esmagar. Yumi jogou um kobold de volta com sua kukri, enquanto o cajado de Shihori golpeou mais um ao mesmo tempo em que recuava.
— Haruhiro! — Ranta gritou enquanto, usando seu capacete, resistiu à pancada de um kobold e depois enfiou a espada no estômago dele. — Você é fraquinho, tenha mais cuidado! A gente vai acabar mal se você morrer!
— Eu sei! — Haruhiro gritou de volta.
Isso não precisava ser dito. Não pelo Ranta… A única pessoa que Haruhiro não queria ouvir. Mas ele merecia isso . Haruhiro desistiu completamente, estava à beira do colapso. Ele era tão inútil assim? Um líder, hein? Tão incompetente. Ele era fraco, assim como Ranta havia dito. Incapaz de tomar decisões de forma racional e com calma.
Mas, mesmo assim, ainda era o líder. E não podia se dar ao luxo de perder a batalha mental. O inimigo não era o kobold. Dificilmente. O verdadeiro inimigo aqui era sua própria fraqueza.
— Mary! Quanto falta até o poço? — Haruhiro a chamou.
— Só mais um pouco! — Veio a resposta.
— Muito bem! Aguentem, estamos quase lá! — Gritou Haruhiro. — Fiquem perto das paredes! Coloque as costas para elas se as coisas ficarem ruins! É melhor estar cercado em apenas três direções em vez das quatro! Ranta, na frente! Contamos com você! Moguzo, proteja nossa parte traseira! Yumi e Mary fiquem nos lados! Shihori, não faça nada precipitado! Vamos sair daqui, um passo de cada vez, avancem!
Todos tinham ferimentos, mas ninguém perdeu a esperança. Haruhiro estava quase abraçando o desespero, mas conseguiu conter-se. Agora que olhou bem, os kobolds em torno deles se espalhavam aleatoriamente. Não era tão ruim quanto ele supunha. Havia muitos inimigos, sim, mas ninguém os comandava.
Seus movimentos eram desorganizados, dispersos, e eles rapidamente se retiravam por qualquer contra-ataque feito pelo grupo de Haruhiro. Talvez isso fosse porque eles tinham a vantagem esmagadora em números, mas lutavam muito a sério. Claro, não era como se estivessem brincando, mas, ao invés de cercar, pressionar e atacar, os kobolds apenas os perseguiam; estavam se divertindo com eles.
Por outro lado, Haruhiro e os outros lutaram desesperadamente, matando qualquer kobold em seu caminho, sem hesitação. Para os kobolds, morrer não era o resultado preferido, então eles eram rápidos na hora de recuar. Logo, Haruhiro e os outros apenas continuaram juntos. Eles ainda podiam se mover e correr.
Não havia como evitar o medo com coisas verdadeiramente aterrorizantes, mas, também, não havia necessidade de ter mais medo do que o necessário. Superestimar uma ameaça e cair em pânico resulta na incapacidade de fazer as coisas que você normalmente faria com facilidade.
— O poço está ali! — Gritou Haruhiro. — Shihori, você vai primeiro. Mary depois! Então Yumi, eu Ranta, e Moguzo!
Com Ranta liderando o caminho, Yumi, Mary e Haruhiro pegaram um atalho até o poço de dissipação. Este poço em particular era pequeno, com apenas uma escada de corda presa na borda. Shihori subiu, mas parou, hesitante. Gritar para que ela se apressasse não adiantaria, Haruhiro sabia. Isso apenas a perturbaria mais.
— Tudo bem! — Ele disse. — Vá devagar! Você não tem que correr!
No momento em que as palavras saíram de sua boca, apareceu a nebulosa linha de luz, conectando-se a um kobold que acabou de dar as costas para ele. O corpo de Haruhiro se moveu e, suave como uma faca na manteiga, seu punhal deslizou facilmente nas costas do inimigo.
Agora, Mary fazia seu caminho até a escada, seguida por Yumi.
— Vamos, Haruhiro! — Ranta tirou o elmo de balde, apontou e, gritando, se atirou em um kobold. — Impulso Rápido! Corte de ódio!
Com Impulso Rápido enviando ele para trás, acertou as costas do kobold e seguiu com Corte de ódio atacando o Kobold pela frente. Outra demonstração de valentia e bravura.
Um bramido alto passou pelo ar. O Grito de Guerra de Moguzo intimidou os kobolds em torno do poço. Era agora ou nunca. Haruhiro começou a subir agilmente a escada de corda, ele era muito bom em coisas desse tipo.
— Ranta, você é o próximo! Vamos lá! — Haruhiro ordenou.
— Não! Moguzo, você primeiro! — Disse Ranta, atingindo Moguzo nas costas, com o cabo da espada. — Você é mais lento!
Moguzo fez como lhe foi dito. Provavelmente não porque ele estava convencido com o argumento e sim que ele foi pego de surpresa. Moguzo estava vindo, então Haruhiro não podia parar. Ele não tinha escolha senão continuar a subir também.
— Ranta! Rápido! — Haruhiro disse novamente.
— Certo!
Haruhiro ouviu a resposta, mas Ranta não veio. No lugar de Ranta, Kobolds começaram a subir a escada de corda. Moguzo chutou-os de volta, mas outros vieram.
— Moguzo, suba primeiro! — Haruhiro ordenou-lhe quando alcançou o quarto andar e tentou ajudar Moguzo puxando-o para cima o resto do caminho. Mas… que pesado. — Argh!
— Estamos chegando! — Mary, Yumi, e Shihori agarraram Moguzo e, de alguma forma, conseguiram levantá-lo.
Moguzo estava bem, mas Ranta… E o Ranta? Ranta foi…
Ranta não estava subindo a escada. Eram apenas kobolds atrás de kobolds. E eles continuaram vindo.
— Ranta! — Haruhiro gritou. Ele não respondeu, mas, em seguida, através dos gritos furiosos dos kobolds, ele pensou ter ouvido a voz abafada de Ranta. — Continue! Estou logo atrás!
—“Logo atrás-” — Haruhiro repetiu, incrédulo. — Moguzo! Cuide dos que estão chegando!
Moguzo gritou, atacando qualquer kobold que chegasse ao topo da escada. Ele esmagou o rosto de um kobold com um balanço de espada, fazendo cair sobre aqueles abaixo. Todos foram derrubados do poço e formaram grande amontoado, os kobolds abaixo latiam e gritavam de dor e raiva. A perspectiva de encontrar o mesmo destino parecia deixá-los hesitantes em escalar.
— … as escadas! — Shihori agarrou a escada de corda.
Certo. Se eles tirarem a escada…
— Tudo bem! — Haruhiro correu para ajudar Shihori e, juntos, começaram a enrolar a corda. Estavam a meio caminho quando ele parou e disse. — M-mas…
Yumi colocou as duas mãos na borda do poço e olhou de relance. — Ranta! — Ela chamou.
— Só dessa vez… — Disse Shihori.
Haruhiro assentiu e puxou o resto da corda para cima. Shihori estava bem. Uma vez que os kobolds abaixo desistissem de subir, eles poderiam descer novamente. Como as coisas estavam agora, mesmo Ranta não seria capaz de ficar perto desse poço em particular.
Ranta… Ele conseguiu fugir? Correu para algum outro lugar? Para ser perfeitamente honesto, Haruhiro duvidou disso. Ranta sempre parecia ter uma sorte do diabo, mas, desta vez, isso não ajudaria.
— Estúpido! — Haruhiro bateu no chão. — Ranta, que diabos! “Você vai primeiro”… tentando parecer legal! Você não é assim! Você não deveria ser…
Ninguém disse uma palavra. Os kobolds ainda faziam um escândalo na parte inferior do poço. Droga… E agora? O que eles fazem?
Haruhiro e os outros estavam bem. Ninguém estava ileso, mas ninguém ficou ferido severamente. Exceto Ranta. Não fosse por Ranta, não haveria dúvidas sobre saírem imediatamente das minas. Se Ranta ainda estivesse com eles…
Mas, mesmo sem Ranta, eles provavelmente seriam capazes de fazer o seu caminho para fora. Deixar Ranta para trás… Eles deveriam ir atrás dele? Descer um poço diferente e procurá-lo? Claro que seria perigoso. Sequer sabiam se ele ainda estava vivo. Talvez ele já estivesse morto. Se ele já estivesse morto, então qualquer esforço que fizessem seria inútil.
O que eu estou pensando? Por que eu estou supondo que Ranta está morto? Mas a realidade era: isso é uma possibilidade. Haruhiro não conseguia acreditar que uma pessoa perseguida por muitos kobolds poderia se esconder por tanto tempo. Se fosse o próprio Haruhiro lá embaixo, ele sabia que não teria conseguido pois acabaria desistindo.
E sobre o Ranta? Talvez Ranta não desistiria…
— Haru… — Mary tinha chamado o nome dele, puxando-o para longe de suas preocupações.
Merda. Ele estava se afogando em seus próprios pensamentos.
— Err… Sim? — Ele disse.
— Kobolds! — Ela gritou.
— Não tem com-!
Mas era verdade. Haruhiro olhou na direção que Mary apontou e viu que mais kobolds corriam diretamente para eles. Anciãos na frente, os trabalhadores logo atrás.
— Há uma tonelada deles! — Gritou Yumi, parecendo estar a ponto de chorar.
Moguzo balbuciou algo incompreensível. Shihori sacudiu a cabeça para trás e para frente, como se dissesse, não, não, não. — N-nós temos que correr!
A mente de Haruhiro ficou em branco por uma fração de segundo. Mas apenas uma fração. Não havia mais tempo para hesitação. Ele se levantou. — Todos, corram!
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