Amin parou na entrada do covil. O espaço à sua frente era vasto, cavado no ventre da terra, iluminado apenas por cristais azulados que pendiam do teto em fiapos de luz pálida. Ali dentro, seus irmãos — os que haviam retornado da ofensiva sem serem destruídos pela luz branca dos humanos — estavam reunidos.

    Não havia o silêncio habitual.

    A caverna, antes soturna e contida, vibrava com sons que ele não escutava há eras: o ruído seco de uma espada arranhando pedra, um punho falhando ao atingir um tronco improvisado. Ecos de risos secos, de palavras trocadas entre ossos vivos que, de alguma forma, estavam… animados.

    Amin observou com estranheza. Um deles golpeava a parede com uma espada torta, mas a arma escapou de suas mãos no impacto e caiu no chão com um tilintar constrangedor. Outro, tentando treinar socos, recuou ao errar o alvo, sacudindo a mão como se ainda tivesse nervos a sentir dor.

    Havia um brilho novo neles. Não nos olhos — pois não tinham — mas no modo como se moviam. A derrota anterior não os havia esmagado. Pelo contrário. Aquela pequena vitória sobre os humanos, ainda que parcial, havia inflado algo antigo: a vontade de seguir, de lutar melhor, de não ser esquecido.

    Mas Amin não se aproximou.

    Ficou onde estava, imóvel como uma sombra. Sabia que não era como eles. Não era como Pokop, nem como Payke, muito menos como Veron. E jamais seria como o Lich. Não tinha os músculos, o domínio, nem a fúria. Era apenas um mensageiro. Um osso com memória, encarregado de carregar palavras que não eram suas.

    Caminhou pelo salão com os ombros recolhidos, atravessando as conversas fragmentadas que os outros trocavam entre si. Comentavam sobre a luz dos humanos, sobre a sensação de fraqueza repentina, sobre as ordens do trono de espinhos. Compartilhavam medos e táticas, lembranças e teorias. Havia entre eles um desejo de aprendizado, ainda que rudimentar.

    Mas para Amin, tudo aquilo soava vazio.

    Nenhum deles podia ensinar o que ele desejava. Nenhum deles entendia o que significava estar diante do verdadeiro poder — aquele que moldava destino com um gesto.

    Sua mão apertou o pergaminho que o Lich havia lhe confiado.

    Ao entrar no próximo cômodo, a temperatura parecia ter caído. O ar era mais denso, carregado por uma energia abafada, sufocante. E lá estava Veron, parado diante de uma bancada improvisada de pedra. Seus dedos ossudos seguravam a espada como se ela ainda sangrasse. Ao redor dele, três outros irmãos o observavam em silêncio — não como iguais, mas como soldados diante de um predador.

    Amin hesitou.

    — Irmão Veron…

    Veron girou devagar, os ombros largos se virando como um animal que escuta o farfalhar da presa. O ar ao redor dele parecia se dobrar levemente, como se a caverna inteira segurasse a respiração.

    Amin sentiu o mesmo que sentira diante do Lich. Mas a sensação era diferente em sua essência.

    Com o Lich, era como se o universo se fechasse. Como se nada existisse além do comando divino. Era o fim. O eterno.

    Com Veron, era como estar diante de um abismo em chamas. Um poder movido por fúria contida, um campo de guerra ambulante que podia explodir a qualquer instante. Havia raiva nele. Dor transformada em força. Uma força que não pedia permissão para destruir.

    — O que é isso, Amin?

    A voz de Veron era grave, seca, como pedra sendo lascada.

    — Nosso rei… nosso Deus, pediu para entregar a você, irmão.

    Amin avançou e estendeu o pergaminho. Veron o pegou sem hesitar, e ao abri-lo, ambos perceberam do que se tratava.

    — É um mapa — murmurou Amin.

    — Sim.

    Veron levou o pergaminho até a bancada e o esticou com firmeza, prendendo cada ponta sob pedras brutas. As linhas traçadas mostravam caminhos, postos avançados, rotas de suprimento, áreas protegidas por magia. No centro, marcado em sangue seco, estava o símbolo da base de Stifer.

    Veron permaneceu calado, os olhos percorrendo o papel.

    — O rei pediu que você encontrasse uma forma de parar aquelas habilidades dos humanos — continuou Amin, a voz vacilando levemente. — Irmão, ele disse que se conseguir…

    — Não preciso de juramentos. Nem de desejo algum.

    Veron o interrompeu sem levantar a voz, mas a firmeza de suas palavras rasgava como aço.

    — Farei o que for necessário para acabar com eles. Mesmo que isso signifique me lançar dentro daquele maldito lugar e matá-los, um por um. E eu não preciso de ajuda. Ou recompensa.

    Ele se virou, o olhar vazio cravado em Amin como um prego.

    — Eu te darei o desejo, Amin. Se você me seguir.

    Amin ficou imóvel. Por um instante, seus dedos se abriram, como se fossem deixar cair algo que nem seguravam. Um passo para trás escapou, involuntário.

    Veron não se moveu.

    — Se você quiser… nada poderá impedi-lo. Quer ser apenas mais um entre os tolos que correm na direção da morte? Eu não serei esse. Por isso — seu dedo desceu até um ponto mais afastado de Stife, uma marcação diferente do que era a base dos humanos — eu irei até lá. Se me acompanhar, descobriremos o que queremos.

    Seria possível que…

    Uma chance pequena de alguém que acabou de… não. Amin podia ser considerado tolo, mas não era ingênuo. A vontade e fúria de Veron não era de um esqueleto, ele conhecia, ele sabia, ele entendia os humanos.

    Não, seria impossível. Nem mesmo nosso Rei…

    Vamos. — Veron apontou novamente para o mapa. — Eu lhe darei o juramento, eu prometo.

    Amin ficou estático novamente. Se Veron realmente fosse um esqueleto, ele nunca falaria esse tipo de coisa. Se ele fosse um inimigo de seus irmãos, nunca estaria lutando ao seu lado. Ser um esqueleto era ser um escravo da morte, era ser um guerreiro que renascia para morrer. Era obedecer as ordens do seu senhor Rei, e nunca desobedecer.

    Naquele momento, entretanto, ele concordou sem hesitar ou pensar duas vezes.

    — Eu o seguirei, irmão Veron. — Seu joelho dobrou-se sem que ele pudesse acompanhar. — Seguirei para obter o meu desejo. Quero confiar em você, quero poder vencer aqueles que querem nossos irmãos e nosso rei mortos. Me mostre.

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