00h32, subsolo, ala leste.

    Três agentes – Samuel, Owen e Susan –, trajando roupas de isolamento cinzentas e máscaras de gás, desciam por uma escada em espiral de ferro enferrujado.

    Envolvidos no aperto asfixiante do plástico preto, os corpos sem vida daqueles que sucumbiram ao toque insidioso dos Mephistos eram transportados nos ombros dos dois homens.

    O ar rarefeito e pesado carregava o cheiro distintivo de decomposição, um odor pungente que impregnava tudo ao seu redor.

    Ao pé da escada, um corredor estreito e mal iluminado se estendia, com paredes de tijolos cobertas por musgo verde-acinzentado. O silêncio predominava, quebrado apenas por gotas ocasionais de água de um cano defeituoso.

    No final do corredor, havia uma porta de metal corroído. Placas com avisos em tinta vermelha desbotada advertiam sobre os perigos ocultos do outro lado: “Zona Contaminada” e “Risco de Morte”. Os batentes da porta rangiam com a ferrugem ao abrir, revelando o Repositório dos Mortais.

    O Repositório era vasto, uma extensão imensa e escurecida, iluminada somente pelo piscar intermitente de luzes. Sacos plásticos formavam pilhas pelo chão, como altares sombrios para os mortos, encapsulando vidas ceifadas pelos horrores que tentaram enfrentar.

    Os agentes colocavam os sacos com uma gravidade solene diante da cena sombria, e o som do plástico tocando a pedra ecoava como um lamento fúnebre.

    — São apenas estes os corpos encontrados até o momento? — indagou Samuel, ao posicionar o saco sobre a crescente pilha de restos mortais na câmara.

    — Sim, somente estes dois desde a operação em Harrisburg. — confirmou a agente Susan, verificando suas anotações em uma prancheta. — Quatro baixas, duas recuperadas, duas ainda estão desaparecidas.

    A missão em Harrisburg tinha sido um fracasso, uma armadilha. A perda de quatro agentes experientes representava um duro revés para a Agência, e a incerteza quanto ao destino deles se estendia como uma nuvem pesada sobre todos.

    — Se existem chances de encontrá-los, essas chances são mínimas. — disse Owen. — Mesmo que a equipe de busca vasculhe de ponta a cabeça a área onde a operação ocorreu, é possível que os corpos dos outros agentes já tenham sido consumidos por algum tipo de ritual esquisito.

    — Não podemos desistir. — Samuel retrucou. — Mesmo que seja uma busca por uma agulha em um palheiro, devemos tentar. Você já viu o que essas coisas fazem com o cadáver de um de nós.

    Owen suspirou, uma expiração pesada carregada com o ônus do estresse.

    — Não dá pra deixar de lado.

    Ambos transportavam os sacos que trouxeram em direção ao centro, onde uma fissura profunda com bordas cortantes rasgava a escuridão como feridas abertas. Uma névoa densa e fria erguia-se do abismo, cercada por um silêncio mortal que congelava a alma.

    Os corpos daqueles que sucumbiam à escuridão eram deixados neste local desolado, conhecido como Precipício pelos agentes da U.E.C.

    Quando os corpos eram lançados, cada impacto surdo ecoava como um disparo na noite.

    — Dizem que dá pra ouvir os gritos deles. — comentou Samuel. — Das vítimas e de qualquer coisa que habita lá embaixo.

    — Que merda você acabou de falar? — Owen virou sua cabeça para ele, estarrecido. — Para com isso, porque é impossível.

    Sam inclinou-se para ele, e com um tom brincalhão ele perguntou:

    — Ficou com medo?

    — Não tô com medo, só não acho que isso faz sentido.

    — Na verdade, ninguém sabe o que faz sentido aqui.

    O Precipício era conhecido como um local amaldiçoado e miserável, onde as leis da natureza pareciam entortar e distorcer-se. E se os boatos fossem reais? E se as almas sofridas dos que caíram estivessem aprisionadas em seu abismo, com sua angústia ecoando eternamente no vazio?

    Samuel lançou outro olhar para a pilha de sacos, como se esperasse encontrar inspiração entre as sombras que os cercavam.

    — Às vezes me pego pensando… E se este lugar fosse como “O Poço”?

    — O Poço? Do que você está falando?

    Samuel balançou a cabeça, como se estivesse mergulhando em memórias distantes.

    — É um filme que vi uma vez. É sobre uma prisão vertical em que os prisioneiros estão em níveis diferentes. Os que estão no topo têm tudo o que precisam, enquanto os que estão na base enfrentam fome e desespero. Quanto mais os níveis descem, a situação fica cada vez pior. E é impossível saber quantos níveis existem.

    Owen contemplou a explicação por um momento, imaginando as implicações sombrias de tal cenário.

    — E o que isso tem a ver com o que estamos fazendo aqui?

    — Talvez estejamos apenas no primeiro nível. Quem sabe o que nos espera abaixo? Ou talvez estejamos caindo ainda mais fundo, sem sequer percebermos.

    A ideia de que o local onde estavam era mais do que apenas um depósito de corpos mortos era perturbadora, mas não totalmente implausível dadas as circunstâncias sobrenaturais com as quais lidavam diariamente.

    — O que você acha, Susan?

    Ela, que estava adicionando e reescrevendo informações na prancheta, deu de ombros, sem saber o que responder.

    Owen estava calado por um momento, absorvendo a ideia que Samuel havia apresentado.

    — Então, o que você está sugerindo? Que esse lugar é como uma prisão, e nós somos os prisioneiros? — Sua voz tinha um tom de ceticismo, mas também uma pitada de inquietação.

    — Não estou dizendo que é exatamente isso. Mas pense comigo. Quantas vezes já nos deparamos com algo que não podemos explicar aqui? Criaturas que desafiam as leis da natureza, eventos inexplicáveis… Quem está no comando?

    — Não sei quem está no comando dessas coisas, mas certamente são nossos chefes que nos obrigam a matá-las.

    Owen se aproximou do próximo corpo embrulhado, sentindo-se envolvido pela dura realidade da situação. Virando-se para Susan, seus olhos buscaram a confirmação do que já temia.

    — Você disse que ainda restam dois desaparecidos, não foi?

    A mulher assentiu solenemente com a cabeça.

    — Também é possível que eles tenham se transformado em Mephistos devido à exposição à energia negativa e nós não tenhamos percebido. Você provavelmente já sabe disso, mas é o que eu acho.

    — É uma possibilidade que gostaríamos de não enfrentar, mas realmente é válida. — confirmou ela. — Por isso, redobraremos nossos esforços para localizá-los o mais rápido possível.

    O agente andou para o Precipício, com o coração palpitante. A intensa escuridão olhava para ele, suas mandíbulas vorazes dispostas a engoli-lo inteiro. Sem hesitar, ele ergueu o saco e o atirou.

    Como um presente grotesco para o que estivesse lá embaixo, o corpo embrulhado desvaneceu-se na bruma espessa em que se escondia a parte inferior da lacuna. Um baque reverberou, semelhante a um uivo de dor.

    — A natureza imprevisível desse trabalho é a que mais me assusta. Nunca se sabe que tipo de inferno você vai enfrentar em seguida.

    Samuel veio depois, jogando outro corpo embalado na penumbra.

    — Nunca fica mais fácil, né? Não importa quantas vezes tenhamos feito isso, sempre dói um pouco mais.

    O homem aquiesceu, com os ombros pesados pelo que testemunhavam diariamente.

    — É como se uma parte de nós se quebrasse cada vez que temos que fazer isso. — continuou. — Mas é o preço que pagamos pelo que fazemos, porque quando nos acostumamos com a morte, perdemos um pouco de nossa humanidade.

    Owen respirou fundo, tentando encontrar forças para continuar diante do impasse escuso que se estendia à sua frente.

    — Vamos acabar logo com isso. Temos mais trabalho a fazer.

    Mesmo cercados por adversidades, um lampejo de esperança ainda persistia em seus corações. Eles mantinham a firme crença de que, apesar das sombras que os envolviam, seria possível vislumbrar um feixe de luz a guiar seus caminhos arriscados.

    Para esses indivíduos, a existência pendia por um fio tênue, atravessando uma paródia de incerteza e perigo. Cada dia trazia consigo o fardo pesado de uma missão árdua: salvaguardar um planeta que muitas vezes escolhiam negligenciar.

    Apesar de sua existência precária e atormentada, eles se negavam a desistir da esperança em um futuro melhor, sustentados por um resquício de otimismo que resistia em se extinguir, uma promessa delicada de que, eventualmente, as trevas seriam dissipadas e a luz da salvação resplandeceria sobre uma existência desolada.

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