Capítulo 58 - Passos Rumo à Coragem
Toc toc
Escutou-se uma batida suave na porta, como se alguém estivesse hesitando em perturbar a tranquilidade.
— Entre.
A porta rangeu levemente quando foi aberta, revelando Emilly entrando no escritório. Darcy, a vice-líder, estava sentada atrás da escrivaninha de carvalho escuro, absorta na leitura de alguns documentos.
O escritório estava mergulhado nas nuances da manhã, com a delicada luz do amanhecer sendo filtrada pelas cortinas abertas. Conforme os primeiros raios de sol filtravam através da janela, sentia-se no ar o frescor de um novo dia.
O relógio sobre a escrivaninha marcava 7h23.
A calma da manhã era quebrada apenas por um fraco som de arquivos sendo navegados e o estranho barulho do teclado no qual Darcy digitava.
— Bom dia, com licença. — disse ela, fechando a porta atrás de si. — Estou interrompendo alguma coisa?
De sua montanha de arquivos, o olhar de Darcy encontrou o de Emilly, a qual tinha uma ponta de cansaço gravada em seu rosto. Rapidamente, porém, ele foi substituído por um sorriso caloroso.
— Bom dia, Emilly. Não está atrapalhando nada, fique à vontade. Apenas dando uma olhada nos relatórios da semana passada. Como você está se sentindo hoje?
— Sinceramente, tô cansada. Essas últimas semanas têm sido mais exigentes. Tantas coisas para resolver, isso me dá dor de cabeça.
— Entendo perfeitamente. Esses tempos turbulentos nos deixaram um pouco exaustos. — disse Darcy, apontando para a cadeira a sua frente. — Sente-se, Emilly.
Ela agradeceu com um aceno de cabeça, aceitando o convite. Deixou escapar um suspiro cansado enquanto se acomodava na cadeira.
— Prefere café ou chá?
— Chá seria ótimo, mas café também serve.
Darcy levantou-se de sua cadeira e se dirigiu a uma pequena cafeteira posicionada discretamente no canto do escritório. No reservatório já tinha água, então ela selecionou um pó de café aromático, já familiarizada com o processo. Com o apertar de um botão, a cafeteira começou a borbulhar, perfumando a sala com o cheiro tentador do café recém-preparado.
Emilly a observou enquanto preparava o café, e por um instante seu olhar se perdeu na profundidade que lhe cabia. Quando Darcy voltou à mesa, ela respirou fundo e pôs a falar:
— Sobre ocorrido na escola de Boston…
— Um acidente que abalou o país. — Darcy completou. — É impossível de esquecer.
— Impossível, sem dúvida. Isso não foi apenas um caso isolado, foi como uma pedra jogada em um lago calmo.
— E como se já não tivéssemos problemas suficientes, a mídia e a opinião pública estão sempre prontas para apontar o dedo e encontrar um bode expiatório para se consolar. Infelizmente, estamos convenientemente à disposição deles para isso.
Emilly assentiu com a cabeça, seus cabelos castanhos caindo em mechas ao redor do seu rosto. O olhar dela, que antes era tão deslumbrante quanto o de uma estrela, tornou-se opaco e quase sem vida. A resignação era uma mortalha que obscurecia sua beleza, bloqueando a luz que a distinguia.
— Desde aquele dia, tenho observado um desequilíbrio.
Darcy arqueou as sobrancelhas, e sua atenção, antes dispersa, concentrou-se inteiramente em Emilly. Um misto de curiosidade e apreensão brotava em seus olhos, que a fitavam com intensidade. Inclinou-se ligeiramente na direção dela, esperando para ouvir o que tinha a dizer.
— O impacto do incidente vai muito além das consequências imediatas, e isso se deve não apenas à perda de vidas, mas também à forma como desencadeou uma onda de medo e paranoia, sendo que foi nesse contexto que o incidente pode ter afetado a dinâmica do Mephistos.
— Acha que o caso foi o gatilho para essas mudanças?
— Não apenas isso, mas tudo o que ele representa. Um rompimento na estrutura dos Mephistos, causando uma reação em cadeia com repercussões imprevisíveis.
Darcy olhou de relance para a cafeteira e percebeu que o café estava pronto. Ela pegou o reservatório e o levou até a mesa, colocando-o ao lado dos documentos e de uma xícara.
— Isso significa que Krynt pode estar envolvido nisso. — deduziu. — Seria de se esperar que ele fosse uma ameaça.
— Não pode ser uma mera coincidência. — disse Emilly, franzindo o cenho. — Se considerarmos a natureza dos Mephistos e sua capacidade de se adaptar e evoluir, é possível que eles tenham identificado essa nova presença como uma ameaça ou oportunidade. O exemplo do Mephisto em Hill City é esclarecedor, já que sua capacidade de raciocinar e comunicar vai além do que é normal para essas criaturas. Essa capacidade é um sinal de que os Mephistos estão procurando maneiras de se adaptar à nova realidade pós-Boston.
— Então isso pressupõe uma adaptação significativa em resposta à presença de Krynt. — Darcy inferiu enquanto colocava o café na xícara. — E se os Mephistos estão se alterando em resposta a ele, o perigo que corremos é muito maior do que imaginávamos.
Emilly assentiu com veemência, ciente de que a luta contra tais ameaças nunca fora leve.
— Também requer uma reconfiguração estratégica essencial das nossas ações. — concluiu.
Ao encher a xícara, Darcy a empurrou em direção à ela.
— Obrigada. — agradeceu, segurando-a pela alça e levando-a à boca para tomar um gole. — Se Krynt realmente estiver desempenhando um papel nesse desequilíbrio, ele precisa ser contido novamente antes que as coisas fiquem ainda mais fora de controle.
— A pena de morte foi suspensa temporariamente, aguardando a autorização final de Arthur. — Ele se acomodou na cadeira, cruzando os braços, e prosseguiu. — Mas como Mikael é responsável por ele, a situação não parece incomodá-lo nem um pouco.
— A suspensão da pena de morte pode ser uma bênção ou uma maldição, dependendo de como você a encara. — opinou Emilly, com os olhos fixos no líquido âmbar na xícara. — Mikael sempre foi um mistério, difícil de entender suas verdadeiras intenções. Às vezes me pergunto se ele é realmente leal a nós ou se tem seus próprios interesses ocultos.
Emilly tomou outro gole, o sabor quente acalmando um pouco a apreensão em seu estômago
— Você já tentou confrontá-lo sobre isso? — perguntou, levantando os olhos para encontrar os dela. — Ou talvez tentar entendê-lo melhor?
Darcy balançou a cabeça de um lado para o outro, contestando categoricamente o que acabara de ouvir. Um aperto no peito fez com que ela respirasse fundo, tentando conter a onda de frustração que a dominava.
— Eu tentei, mas toda vez que eu penso que estou chegando perto de desvendar quem é Mikael de verdade, ele parece escapar por entre meus dedos.
— Talvez ele seja apenas um homem pragmático. — Emilly julgou em voz alta. — Alguém que faz o que é necessário para alcançar seus objetivos, sem se importar com as consequências morais.
— Mesmo que ele seja como é, não podemos negar que ele é o único capaz de lidar com questões tão problemáticas. Não é de se admirar que Arthur deposite toda a sua confiança nele e em sua força. Até mesmo um pragmático, desprovido de qualquer senso de moralidade, reconhece a gravidade da situação.
Mikael sugeriu exercícios de alta performance para hoje, visando aprimorar minhas habilidades físicas e o controle dos meus poderes, que ainda não estavam totalmente sob meu domínio. Ele ressaltou que, diante do crescimento dos perigos que enfrentávamos, era essencial estarmos prontos para qualquer situação, seja ela física ou sobrenatural.
Ao nos aproximarmos da porta da Sala de Treinamento, uma sensação eletrizante de expectativa e nervosismo acelerou meu coração e fez com que minhas mãos ficassem úmidas. Uma energia pulsante parecia brotar do interior da sala, envolvendo-me em um abraço invisível que provocou um tremor incontrolável em mim.
No entanto, havia algo para o qual ele não me preparou.
— Sem nervosismo. — disse Mikael, colocando a mão no meu ombro. — Não vai ser tão ruim.
— Toda vez que cê diz isso, geralmente é algo ruim sim.
— Se acostume, então.
Depois que Mikael abriu a porta, avancei para entrar. Sem que eu notasse, um movimento brusco à minha esquerda me fez perder a concentração. Um saco de pancadas, que até então estava inerte e suspenso no teto, veio em minha direção como se impulsionado por uma fúria desenfreada.
Era um vulto de couro e areia cortando o ar com um assobio ameaçador. O impacto contra a parede oposta foi violento, um estrondo que ecoou pelo ambiente, fazendo o solo vibrar sob meus pés.
— Cacete!
Meus músculos se contraíram em reflexo, impulsionando-me para trás em alguns passos rápidos. Meu coração batia descontroladamente em meu peito, um tambor ecoando o perigo que acabara de se chocar contra mim.
— Vai com calma. Não é assim que se recebe as pessoas, sabia?
Diante de mim, erguia-se um homem de estatura imponente, medindo 1,84 metro, com um físico robusto. Sua musculatura era delineada pela camisa de compressão preta com detalhes brancos, complementada por calças esportivas da mesma cor, que realçavam sua elegância atlética, e ele usava luvas sem dedos.
O suor que percorria sua pele morena cintilava sob a luz do ambiente, como um diamante em bruto refletindo a força interior que possuía, em contraste com os cabelos loiros escuros que tombavam desordenadamente sobre a testa.
Contudo, o que mais capturou minha atenção foram seus olhos. Olhos de um âmbar intenso, semelhantes ao fogo ardente no subsolo, penetrantes e mesmerizantes. Pareciam sondar-me, desvendando os segredos mais profundos, julgando cada parte de minha essência. Um olhar que ia além da mera observação, que me perscrutava como um abismo insondável, em busca de minhas vulnerabilidades, incertezas e temores.
— Considerando que Lewis ainda não se recuperou, você é o único que restou, Nicholas.
— Hã?! — Minha reação foi quase um reflexo, uma expressão de surpresa que escapou antes que eu pudesse contê-la.
Perguntei-me se Mikael havia me colocado nessa situação para ver o quão corajoso ou resistente eu poderia ser, algo que me causou um arrepio na espinha. Talvez ele estivesse apenas gostando da perspectiva de me ver apavorado por aquela maldita máquina.
Independentemente disso, a realidade era inegável: eu estava pronto para treinar com um homem que parecia ter saído diretamente de um campo de batalha, um guerreiro bárbaro esculpido em aço e músculos.

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