4 de fevereiro de 2024 — a data de um dos maiores e mais hediondos crimes cometidos em todo o mundo: o massacre sangrento ocorrido no Colégio Península, em Porto Alegre, Brasil.

    Foi o maior massacre escolar do século, com mais de 900 vítimas, incluindo alunos, professores e funcionários. O impacto desse genocídio foi global.

    Nunca foram descobertos os criminosos por trás de tais atrocidades. Os únicos sobreviventes foram cinco alunos do ensino médio — quatro deles estavam no banheiro no momento do ataque. De acordo com seus relatos, tudo aconteceu de forma completamente repentina: ao saírem do banheiro, localizado no extremo esquerdo do primeiro andar, encontraram apenas corpos sem vida e uma quantidade absurda de sangue espalhado pelas paredes da escola.

    O único sobrevivente que esteve diretamente presente no evento foi um jovem chamado Louie Kaede. Antes do massacre, Louie possuía cabelos pretos e olhos azuis; agora, seus cabelos exibiam mechas brancas, seu olho direito tornara-se vermelho, e sua pele estava anormalmente pálida.

    A explicação dada pelos médicos para o surgimento das mechas brancas foi o estresse e o trauma severo sofrido durante o incidente. Quanto à mudança no olho direito, foi diagnosticado um dano ocular que evoluiu para uma heterocromia.

    Seu testemunho seria o principal ponto de partida para uma possível investigação. Porém, sobreviver a tal tragédia sem sequelas seria pedir um milagre. Louie foi diagnosticado com amnésia pós-traumática, uma condição na qual o cérebro bloqueia memórias relacionadas ao evento traumático.

    Para Louie, isso significava perder… tudo.

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    Silêncio.

    Absoluto, esmagador, sufocante.

    Era tudo o que existia naquela sala branca.

    Nenhum som de máquinas, nenhum passo no corredor, nenhum sussurro humano.

    A ausência de ruído era tão intensa que se tornava quase um som por si só — uma pressão invisível que esmagava o peito e fazia os ouvidos zumbirem, como se o próprio tempo estivesse suspenso.

    A luz fria dos refletores espalhava-se pelas paredes e pelo teto estéril, ampliando a sensação de vazio. Tudo parecia estático, congelado no tempo, como se o mundo lá fora tivesse parado e só restasse aquele quarto branco, aquele corpo deitado… e aquele silêncio.

    Era o tipo de silêncio que não conforta.

    Era o tipo que grita.

    Um grito mudo, ecoando dentro da mente.

    Foi nesse silêncio cortante que senti algo — sutil, mas real.

    As pontas dos meus dedos começaram a se mover, tremendo levemente como se despertassem de um longo sono.

    O sangue fluía em meu corpo, morno e lento, circulando do cérebro até os pés, devolvendo-me, pouco a pouco, a consciência da existência.

    Estava vivo.

    Mas… onde eu estava?

    Que lugar era aquele? Como fui parar ali?

    E, talvez a pergunta mais aterradora de todas:

    Quem… eu sou?

    Foi então que ouvi — baixo, quase tímido — o som de dedos batendo contra a porta entreaberta.

    Toc. Toc. Toc.

    A quebra do silêncio soou como um trovão.

    Uma enfermeira surgiu na fresta. Sua pele era tão pálida quanto o uniforme branco que vestia, e uma máscara cobria boa parte do rosto. Tudo o que eu conseguia ver eram seus olhos cor de mel, que pareciam reluzir sob a luz fria da sala.

    — Oi, paciente Louie… — disse ela, num tom hesitante — é bom lhe ver acordado. Como está se sentindo?

    Me virei em sua direção, movendo o pescoço com um estalo involuntário.

    O que vi em seu rosto não foi alívio, tampouco empatia.

    Foi choque.

    Ela recuou meio passo, como se tivesse visto algo errado. Os olhos arregalados, a respiração presa, as sobrancelhas erguidas como se lutassem para esconder o espanto.

    Fiquei paralisado por um instante.

    O que houve? Por que ela reagiu assim ao me olhar?

    Toquei meu próprio rosto, buscando alguma explicação. Estava frio… estranho. Passei a mão pelos fios brancos que pendiam da minha cabeça, e então, sem saber por quê, um calafrio percorreu minha espinha.

    — Olá… sim, estou bem. Mas… ainda me sinto tonto — respondi com voz rouca, quase metálica, tentando ignorar a inquietação que crescia em mim.

    A enfermeira demorou a responder. Engoliu em seco, disfarçando o desconforto com um sorriso mecânico. Seus olhos, porém, ainda estavam presos no meu rosto — ou talvez… em algo específico dele.

    — Compreensível… após aquilo — disse, num sussurro quase culpado. — Foi uma sorte você possuir tão poucas sequelas…

    Sequelas?

    Ela parecia querer dizer algo mais… mas se calou.

    Por um breve instante, seu olhar vacilou. Como se lutasse contra palavras presas na garganta.

    Algo estava errado. Eu sentia isso no fundo do estômago — uma inquietação que não sabia nomear.

    Mas o quê?

    E então, como se uma porta entreaberta dentro da minha mente tivesse se escancarado de repente, uma imagem fragmentada emergiu.

    Aquilo…

    Sim.

    Lembro, ainda que em pedaços.

    Eu estava no meio de um lugar estranho. Um cenário desolador, despedaçado. Corpos sem vida espalhados pelo chão… sangue cobrindo as paredes como tinta num quadro grotesco.

    O ar era pesado. O cheiro, insuportável. O silêncio — semelhante ao desta sala — era preenchido apenas pelo vazio da morte.

    E em meio a tudo aquilo, ali estava eu.

    Parado. Confuso.

    Sem saber quem era.

    Sem entender por que estava ali.

    Não… que eu saiba agora.

    Essa ausência me engolia. Eu era um corpo acordado… mas uma identidade vazia.

    E por mais que eu me esforçasse, nada naquele momento preenchia o buraco onde deveria estar minha memória.

    Uma lágrima escorreu suavemente do meu olho, deslizando pela bochecha até cair sobre o lençol branco da maca.

    Sim, eu estava em um hospital. Fui resgatado daquele inferno logo após ter despertado. Os médicos disseram que, impressionantemente, estou bem — exceto por um pequeno dano ocular, que mudou a cor do meu olho direito, mesmo sem afetar a visão.

    A médica me questionou novamente:

    — Tem certeza de que está bem? Vou chamar seus familiares rapidamente, só um instante!

    Familiares?

    Ah, sim… minha família.

    Quem são eles? Como são?

    Essa sensação de vazio me corroía por dentro.

    Eu realmente não lembrava de nada.

    Me levantei da maca com passos vacilantes e fui até um espelho circular preso à parede acima de uma escrivaninha.

    Por algum motivo, meu coração acelerava. Parte de mim queria ver. Parte de mim… temia.

    E então, ali estava eu.

    Ou… algo que diziam ser eu.

    Minha boca se abriu sozinha, como se palavras saíssem de algum canto escondido da consciência:

    — Agora entendo a reação dela…

    O reflexo me encarava como um estranho.

    Cabelos desbotados com mechas brancas despencavam sobre uma pele pálida demais, quase sem cor.

    Mas foi o olho direito… aquele olho…

    Aquele tom vermelho intenso que me fez recuar um passo, como se tivesse encarado uma criatura deformada.

    Senti o estômago revirar.

    O rosto diante de mim parecia humano, mas não meu.

    Como se eu fosse uma pintura inacabada, borrada por mãos apressadas.

    Frio, distorcido, morto por dentro.

    Nojo.

    Não um nojo comum.

    Era visceral. Profundo. Como se meu próprio corpo fosse uma carcaça errada que eu não havia pedido para vestir.

    Aquele reflexo me dava asco.

    Meu peito apertou. Meus punhos cerraram. O instinto era virar o espelho para a parede, destruir aquele vidro mentiroso — ou verdadeiro demais.

    Eu não queria ser aquilo.

    Mas, ao que tudo indicava…

    Eu já era.

    Foi então que um grito agudo ecoou pelo corredor:

    — Irmão!

    A porta se abriu com tudo, sem que a maçaneta fosse girada. Uma menina entrou correndo e se lançou sobre mim em um abraço quente — como se o sol da manhã me envolvesse em luz.

    Naquele instante, o vazio sumiu. As perguntas cessaram.

    Eu só conseguia focar naquele abraço apertado e amoroso vindo daquela garotinha, que devia ter por volta de oito anos. Tinha olhos azuis claros como o céu, pele parda e longos cabelos castanhos. Vestia roupas azul-escuras… familiares, por algum motivo.

    De forma inexplicável, me senti completo. Mesmo sem lembranças, eu sabia… conhecia essa menina.

    Não apenas conhecia: eu a amava. Um amor puro.

    Logo em seguida, a porta se abriu novamente. Uma mulher de cabelos ondulados, num tom amarelo queimado, entrou com o rosto banhado em lágrimas. Tinha pele parda e vestia um vestido verde com samambaias desenhadas num tecido verde-azulado.

    Ela veio em minha direção com passos apressados e me envolveu num abraço forte e protetor. E disse, entre soluços:

    — Meu filho! Como está se sentindo? Está bem? Dói em algum lugar?

    Acho que naquele momento compreendi.

    Aqueles dois seres presentes na sala… eram minha família.

    Por isso aquele sentimento. Por isso aquele calor.

    Provavelmente, são as pessoas que o meu “eu” — mesmo sem memória — mais amou neste mundo.

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