Capítulo 031 — Kalamera Wynrae.
Kalamera trabalhava com uma concentração intensa, os sons das marteladas ecoando pelo galpão enquanto faíscas dançavam ao seu redor. Marco parou a uma distância segura, observando com curiosidade a maneira como ela moldava o metal com precisão quase sobre-humana.
Foi então que ele percebeu.
A elfa tinha quatro braços.
Os dois superiores seguravam ferramentas comuns, ajustando peças e alinhando engrenagens, enquanto os inferiores eram… diferentes. O movimento deles era fluido, quase natural, mas o brilho metálico não deixava dúvidas: eles não eram de carne e osso. Eram próteses.
Marco franziu a testa, intrigado. Ele já tinha visto algumas armas canalizando essência, mas nunca próteses em funcionamento. Como exatamente ela as movia? Como elas estavam conectadas ao seu corpo? Elas respondiam à essência ou aos impulsos do cérebro?
A curiosidade só cresceu.
Jenff, impaciente, pigarreou alto.
— Kalamera?
Sem desviar os olhos do que fazia, ela respondeu com um tom despreocupado:
— Se for sobre o trem, ainda não terminei. Se for pra dizer que eu preciso apressar, pode dar meia-volta.
— Não é sobre o trem — Jenff cruzou os braços. — Este aqui precisa da sua ajuda com um projeto.
Ela finalmente levantou a cabeça, fitando Marco com um olhar avaliador.
— Um projeto? — perguntou, arqueando uma sobrancelha.
Marco abriu um dos pergaminhos e o estendeu para ela.
— Algo novo.
Kalamera estendeu um dos braços inferiores, pegou o papel e começou a analisá-lo, os olhos percorrendo as anotações e desenhos com atenção. Por um momento, Marco quase esqueceu do projeto, mais interessado em perguntar sobre os braços metálicos.
Então, o canto dos lábios da elfa se curvou em um pequeno sorriso.
— Interessante… — murmurou. — O que exatamente é isso?
Marco se inclinou um pouco sobre a mesa, apontando para um dos esquemas que havia desenhado.
— Um telescópio.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Tá, mas o que ele faz?
— Ele permite ver coisas muito distantes, ampliando a luz que vem delas. — Marco traçou o formato do tubo com o dedo sobre o pergaminho. — A luz entra por aqui, passa por um conjunto de espelhos ou lentes e cria uma imagem mais nítida do que a gente conseguiria enxergar a olho nu.
Kalamera inclinou a cabeça.
— Como uma luneta… só que gigante?
Marco sorriu.
— Exato. Mas o que eu quero construir vai além disso.
Ela estreitou os olhos, intrigada.
— Como assim?
Marco se endireitou e apontou para uma lamparina próxima.
— A gente vê essa chama por causa da luz que ela emite, certo? Mas além dessa luz visível, ela também emite calor. Esse calor é como um outro tipo de luz que nossos olhos não conseguem ver.
Kalamera cruzou os braços. Os quatro.
— Você tá dizendo que tem “luz” que a gente não vê?
— Exatamente. E eu quero construir algo que me permita enxergar isso.
Os dedos metálicos dela tamborilaram na mesa.
— Tá… e como pretende fazer isso?
Marco pegou outro pedaço de pergaminho e começou a rabiscar uma nova ideia.
— Em vez de usar lentes normais, podemos usar espelhos para captar esse calor e direcioná-lo para um sensor. Um metal muito fino, como ouro ou prata, poderia reagir ao calor e registrar essas mudanças.
Ela franziu a testa, analisando o desenho.
— Você quer fazer um telescópio que sente calor em vez de enxergar luz?
Marco assentiu, animado.
— Exatamente.
Kalamera ficou em silêncio por um momento, depois soltou um pequeno riso.
— Isso é maluco.
Marco deu de ombros.
— Mas funciona.
Ela girou o pergaminho na mesa, olhando cada detalhe.
— Ok, você vai captar essas temperaturas… — ela gesticulou para os esquemas do telescópio. — Mas como exatamente você vai “ver” essa luz que não dá pra enxergar?
Marco sorriu e puxou outro pergaminho, desenrolando-o sobre a mesa.
— É aí que entra isso. — Ele apontou para um novo conjunto de desenhos. — Eu quero transformar os sinais captados pelo telescópio em um registro visual. Algo que possamos guardar e estudar depois.
Kalamera se inclinou sobre o pergaminho, os olhos percorrendo os rabiscos.
— Como assim “registrar”?
— Como se fosse uma pintura, mas feita automaticamente — Marco explicou. — Esse mecanismo vai marcar uma superfície com os padrões da luz invisível que o telescópio captar.
Kalamera franziu o cenho, tentando imaginar.
— Você quer que a máquina desenhe sozinha?
— De certa forma, sim. — Ele apontou para um símbolo no desenho. — Vou usar selenita para isso.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Selenita?
— Sim. Se aplicarmos essência da maneira certa, ela reage e pode deixar marcas na superfície de um determinado material. Se criarmos um sistema que controle isso, conseguimos formar símbolos, como palavras ou imagens.
Kalamera tamborilou os dedos metálicos na mesa, pensativa.
— Então… a máquina faria as marcas diretamente, sem precisar de uma mão copiando?
Marco assentiu.
— Exato. Assim, tudo que o telescópio captar pode ser registrado sem erro, e sem precisar de alguém desenhando à mão.
Ela ficou em silêncio por um momento, absorvendo a ideia.
— Isso nunca foi feito antes… — um pequeno sorriso começou a se formar. — Mas acho que entendi.
Marco cruzou os braços, animado.
— Então, acha que dá pra construir?
Kalamera pegou o pergaminho e estudou mais uma vez.
— Vai ser um desafio… mas se funcionar, vai ser algo completamente novo.
Marco sorriu.
— Então vamos fazer acontecer.
Ela riu, já traçando ideias em sua mente.
— Mas se essa coisa explodir, você limpa a bagunça.
Kalamera ainda analisava o pergaminho quando Marco acrescentou:
— Ah, e pra isso funcionar, vou precisar de ouro e berílio.
Ela ergueu os olhos para ele, franzindo a testa.
— Ouro? E aquele metal raro? Tá brincando, né?
— Não. — Marco balançou a cabeça. — O ouro é maleável e, pelo que sei, costuma ser usado em equipamentos de precisão. O berílio é leve e resistente. Na Terra, esses metais são usados na construção de telescópios e outros instrumentos. Se funcionam lá, vão funcionar aqui também.
Kalamera cruzou os braços.
— E como acha que vai conseguir isso? São metais valiosos.
Marco sorriu e ergueu o pergaminho com a autorização de Grithin.
— Já pensei nisso.
Ela piscou ao ver o selo oficial.
— Você realmente planejou tudo, hein?
— Sempre. — Marco apoiou as mãos na mesa. — E além dos materiais, tem mais um detalhe: vamos precisar resfriar o mecanismo.
Kalamera fez uma careta.
— Ah, claro. Por que não tornar isso ainda mais difícil?
Ele riu.
— Isso é um problema?
Ela bufou, pegando um pedaço de carvão e rabiscando um novo esboço no pergaminho.
— Problema? Não. Mas já tô vendo que vou ter que ser tão maluca quanto você pra fazer isso dar certo.
***
O depósito era um enorme salão de pedra e metal, iluminado por lamparinas suspensas e algumas poucas runas brilhantes nas paredes. Fileiras de prateleiras de madeira reforçada guardavam materiais valiosos, desde lingotes de ferro e cobre até peças delicadas envoltas em panos grossos e selos metálicos.
Kalamera guiava Marco pelo lugar com passos rápidos, empolgada com o projeto. Ela entregou a autorização ao responsável pelo depósito, que, após uma breve análise, os levou até uma prateleira nos fundos, onde alguns blocos de metal estavam guardados em compartimentos reforçados.
Com um brilho no olhar, Kalamera pegou um pedaço bruto de berílio. Era um bloco esverdeado, irregular, com cerca de 12 kg, e, pelo visto, tudo o que o Império tinha de berílio em Ayas-kin.
Ao erguer o bloco, seus quatro braços trabalharam em sincronia. Mas por um instante, um breve instante, sua postura vacilou. O metal refletia a luz da lamparina, e ela franziu a testa, apertando os dedos metálicos em torno do bloco. A textura fria contra suas próteses trouxe um calafrio involuntário.
Marco percebeu a hesitação.
— Tudo certo? — perguntou, observando-a com curiosidade.
Kalamera piscou, a expressão se fechando por um momento. Então, ela forçou um sorriso, girando o bloco nas mãos com mais firmeza.
— Doze quilos… e eu posso usar quanto quiser? — Ela riu, balançando a cabeça. — Deve ser meu aniversário e ninguém me avisou.
Marco devolveu o sorriso, sentindo a empolgação dela contagiar o ambiente, mas a imagem da hesitação dela permaneceu em sua mente. Algo naquele metal parecia tê-la atingido de um jeito diferente.
— Melhor aproveitar antes que mudem de ideia.
Enquanto caminhavam de volta, discutiam os detalhes do projeto. Kalamera falava sobre como moldaria o berílio e o ouro para os componentes, enquanto Marco detalhava os desafios da impressão dos dados.
Nova, que até então havia mantido sua opinião reservada sobre a elfa, soltou um comentário mental para Marco:
“Ok, admito… Ela é eficiente. Estou reconsiderando minha avaliação inicial.”
Marco arqueou uma sobrancelha, divertido.
— Nova tá começando a gostar de você.
Kalamera piscou, confusa.
— Quem?
Marco hesitou um segundo e apontou para a lateral da própria cabeça.
— Uh… minha consciência superior.
Ela riu, mas dessa vez seu olhar demorou um pouco mais sobre ele, como se o estudasse.
— Então parece que até sua consciência acha que eu sou um gênio.
— Não exagera — retrucou Marco,
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