Capítulo 043 — Vem, general.
Grithin parecia um rato parado diante de um gato, tão grande era o Yaguareté.
A primeira patada veio em diagonal, do alto. Ele cruzou os antebraços e recebeu o golpe no osso; as botas deslizaram um palmo no chão da floresta. A segunda veio varrendo, na altura da cintura; Grithin saltou para trás, as garras riscando o couro do cinto. A terceira desceu reta, como martelo e ele torceu o tronco no fim do impacto e deixou as patas passarem a um dedo da têmpora. Sorriu e, sem sacar a espada, entrou no espaço e acertou um gancho seco no maxilar do bicho.
— Sempre soube que eu era mais forte. Só me faltava um motivo — disse, já cedendo um passo.
O felino rosnou e veio com tudo. Grithin recuou até encostar as costas em uma árvore e, no último instante, escorregou para o lado. A patada entrou na madeira. O tronco colossal abriu no meio com um estalo seco; a copa inclinou e tombou inteira, galhos varrendo o chão, raízes levantando terra, o baque chacoalhando a mata.
O Yaguareté girou e saltou. Grithin subiu pra encontrar a massa no ar; uma garra pegou de raspão e o jogou contra outra árvore. Ele bateu de costas, caiu em pé, soltou o ar e avançou de novo. Encaixou o ombro no pescoço da fera, travou as patas dianteiras com os antebraços e empurrou.
Por um fôlego, o tempo de uma folha cair, ficaram travados. As garras rasparam nos antebraços dele, abrindo sulcos no couro; as patas da fera cavaram valas no chão. Grithin baixou a base, girou o quadril e puxou no corpo inteiro. O Yaguareté perdeu o chão, subiu meio metro e voou de costas.
A queda varreu arbustos, arrancou cascas e levantou terra. O animal rolou, levantou num estalo, cabeça sacudida, olhos fixos nele. Grithin estalou o pescoço, sentiu o sangue quente no antebraço e não sacou a espada.
O felino partiu outra vez. Grithin virou a palma para o tronco ao lado e empurrou essência pelos veios.
O chão da mata reagiu. A cama de folhas abriu em linhas e raízes grossas brotaram como cordas lançadas. De cima, galhos cederam em arco e cruzaram na frente. As patas dianteiras do Yaguareté bateram nessas travas; as garras morderam madeira, a massa puxou, a árvore gemeu, farpas voaram.
Grithin afundou mais a mão na casca e apertou. As raízes se enroscaram mais alto, fechando no peito e nos ombros, torcendo a base. O animal sacudiu o corpo, a cauda varreu terra, mas ficou preso no meio do salto; músculo contra madeira viva, e a madeira não cedeu sob o comando do general.
Grithin manteve a mão cravada na casca até sentir a fera desistir de se mexer. Caminhou até ela, devagar, e passou os dedos no pelo grosso ao lado do olho. O rosnado baixou um meio tom, mais raiva que medo.
— Você pertence a Loryndel. Não deveria ser a arma de ninguém.
Ele ergueu o rosto na direção do clarão onde Lou-reen e Maryse ainda se chocavam em fogo e escamas.
***
Maryse sorriu torto; dava pra sentir o colar arrastando a força da floresta direto para ela.
— Vem, general. Tenta me queimar. A floresta sempre vai sobreviver e engolir vocês, humanos.
Lou-reen não respondeu. Prendeu a respiração, fixou o olhar no colar e avançou num traço só. A lâmina entrou limpa e atravessou Maryse de lado a lado; ficaram frente a frente, o ferro saindo nas costas. Lou-reen acendeu o fogo por dentro. O brilho correu pelo gume enterrado, o calor encheu a caixa torácica da elfa.
Maryse riu no rosto dela.
Lou-reen sentiu a essência subir das copas para o colar e dali para o corpo de Maryse como vento batendo de frente, uma corrente invisível engrossando a força por baixo das escamas e apagando a dor.
Os braços transformados em cobras engrossaram num tranco. A pele rachou e caiu em tiras brilhantes; por baixo vinha uma escama nova já buscando espaço.
Não eram só os braços: a pele inteira de Maryse estava trocando. Do pescoço às costelas, a casca antiga abria em linhas e caía em lâminas úmidas; por baixo, escama nova, cerrada, fazendo o corpo brilhar como lâmina recém-afiada.
As cobras fecharam em Lou-reen. Uma prendeu a cintura, outra o antebraço da lâmina, uma terceira subiu buscando a garganta. Lou-reen torceu a base, quebrou a pega do punho num giro curto de pomo, mas o aperto voltou dobrado. Mais cabeças vieram, entrelaçando-se, e o emaranhado virou casulo, fechando nela como punho.
Foi no instante da teia se completar que Lou-reen enfiou a mão esquerda entre o colar e a pele. Ela travou o pulso ali e acendeu o calor direto na palma. O casulo apertou.
Nas plataformas, os soldados prenderam a respiração de uma vez. Ninguém ousou dar um passo. O casulo fechou sobre Lou-reen e o silêncio ficou tão tenso que até o ranger do couro pareceu alto demais.
Ouviram um grito de dor, que cortou as plataformas. O casulo de cobras tremeu ao redor da general e começou a afrouxar devagar: volta após volta perdendo força, cabeças pendendo, escamas apagando. Entre as espiras, um brilho dourado pulsou: a mão de Lou-reen cravada no colar.
Veio um silêncio pesado. O cheiro de carne queimada subiu seco e o brilho nos olhos de Maryse apagou. O último anel abriu e deixou ver o pescoço, ou o que restara dele: um círculo carbonizado, grosso, ainda fumegando sob o aro. A cabeça ficou um sopro suspensa, como se hesitasse, e então cedeu. Caiu, rolou até o batente e parou. O corpo seguiu, pesado, escamas raspando a madeira.
No centro, de pé, Lou-reen ergueu o colar incandescente entre os dedos; nas bordas, lanças baixaram sem que seus donos percebessem.
Grithin parou ao lado dela, olhos no aro vermelho-vivo entre os dedos de Lou-reen. Pesou o objeto por um segundo, como quem mede um inimigo invisível.
— Agora imagina uma armadura inteira disso.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.