Capítulo 051 — Dez e sete da manhã.
A sala de reuniões imperial era ampla e limpa, pedra polida e madeira escura. Mapas de Ga-el e toda Taeris ocupavam a parede do fundo.
Todos estavam sentados.
À esquerda do Imperador, Lou-reen ocupava o primeiro assento. Marco ficou ao lado dela. Venia, com a ata e a pena pronta, veio em seguida. Depois, Grithin Kazo e seu secretário. Do outro lado, Aamerta Londolfo, sua secretária, Hamita Granlyn e o secretário de Hamita. Duas cadeiras permaneciam vazias, nomeadas com pequenas placas: Luminor Mandilyn e Koopus Trinique.
Marco registrou o conjunto num relance. Conhecia Grithin, Hamita, Aamerta e o próprio Imperador da reunião em Sadra.
Ivoney Olaraeth tamborilou um dedo na borda da mesa, uma única vez.
— Onde estão Luminor e Koopus?
Aamerta não precisou olhar papéis.
— Luminor deve estar de ressaca — falou, direta. — Ele nunca chega no horário.
— E Koopus?
— Koopus nunca chegou cedo às reuniões ao amanhecer.
Ivoney tamborilou de novo, desta vez mais longo.
— Falta de compromisso — disse, sem levantar a voz. — Reunião começa no combinado. Quem não honra a mesa atrasa o Império.
A porta abriu-se com atraso controlado e Luminor entrou ajeitando o manto. Sentou-se como se sempre tivesse estado ali.
— Perdoem a demora — falou, leve. — As festividades pré-Olimpíadas deixam a cidade com outro passo.
— Não é a cidade que te atrasa — Ivoney falou, a voz dura. — É a tua régua.
Luminor apoiou os dedos na borda da mesa.
— Quando dizem “depois do nascer do sol”, dizem o dia inteiro. Sem uma marca comum, como saber o momento certo?
O Imperador resmungou algo baixo, um som que morreu na madeira.
Marco inclinou-se um pouco, como se reunisse coragem.
— Majestade… eu tenho uma solução.
— Solução de quê? — Ivoney ergueu o olhar.
— De medida do dia — Marco respondeu. — Na Terra, dividimos dia e noite em vinte e quatro partes iguais. Aqui, o vosso dia tem trinta e seis. Podemos dividir em trinta e seis unidades fixas.
— Por que trinta e seis? Como você sabe que não é dez?
— Porque o Império se organiza em seis regiões. No chão, eu marco o círculo e corto em seis partes iguais, uma pra cada região, e cada parte ganha seis marquinhas. Seis vezes seis: trinta e seis.
— E quem marcaria isso? — o Imperador parecia em dúvida. — Como manter igual em todo lugar?
— Começa simples — Marco disse. — Uma estaca no chão, a sombra mais curta do dia marca o meio-dia. Riscamos a linha norte-sul no chão, traçamos um aro e o dividimos em trinta e seis marcas iguais. A partir daí, todo posto lê o mesmo ciclo: “agora” é a marca em que a sombra encosta; H18 fica no meio-dia, e o resto se conta pra frente. Primitivo, sim, mas objetivo, repetível e igual em qualquer praça aberta.
Aamerta inclinou-se, pragmática.
— Para o Exército, divisões regulares seriam perfeitas. Turnos, deslocamentos, ordens.
Grithin ajeitou a luva.
— Em Ayas-Kin isso não funcionaria. Estamos dentro da Floresta de Loryndel, como você bem lembra. Sombra o tempo todo.
Marco sorriu de leve.
— Já estamos trabalhando nisso.
***
A caixa alta de madeira ocupava um canto como um convidado novo. No mostrador, um círculo com trinta e seis riscos nítidos gravados; dois ponteiros de metal; lá dentro, o pêndulo ia e vinha, num tic… tac… ainda fora do passo.
Kalamera estava agachada atrás, uma chave entre os dedos. Marco segurava a tampa aberta.
— Achei que seu plano era mandar isso pra Yhe-For, pra sua assistente — sussurrou Kalamera, sem erguer a cabeça.
— Era — Marco devolveu, no mesmo fio de voz. — Mas talvez seja melhor se o Império todo tiver um desses.
Ele ergueu o rosto, mediu a luz que entrava pela janela alta.
— Pelo céu… deve ser dez da manhã.
A resposta veio de dentro, com a nitidez da Nova cortando o pensamento: “dez e sete”.
Marco assentiu e girou a porca do pêndulo um quarto de volta. O tic encontrou o tac; a batida ficou cheia, certa. Com cuidado, levou os dois ponteiros até a marca certa.
Se virou para a mesa, onde todos aguardavam com olhos curiosos.
— É mecânico — Marco passou a palma na lateral da caixa, como quem apresenta um animal manso. — Sem essência. O peso balança, a peça de dentro segura e solta o movimento, e os ponteiros andam iguais. O grande dá uma volta no nosso dia, trinta e seis divisões. O menor marca o intervalo entre cada divisão. Agora, são dez e sete da manhã.
Aamerta não perdeu tempo:
— E se sair do passo?
— Quando o sol estiver no alto ao meio dia, a sombra da estaca no pátio encolherá ao menor ponto. Marcamos esse instante e acertamos o pêndulo por ele, marcando as 18 horas. Daí em diante, o ponteiro fala por nós: quem olhar o mostrador, em qualquer posto, lê a mesma divisão e sabe a hora exata.
Alguns se inclinaram, como se o som do pêndulo puxasse a sala para perto. O Imperador ficou quieto, olhos no mostrador.
— Todo meio-dia. Se adiantar, baixo um fio o bojo; se atrasar, subo. Dois toques e volta. Corda uma vez por dia e segue.
Kalamera fechou a tampa com um giro curto.
Grithin foi o primeiro a soltar o ar, quase um riso.
— Então é esse o progresso que você me prometeu.
Hamita não respondeu; só inclinou a cabeça, satisfeita.
Ivoney recostou os dedos na mesa.
— Quantos desses vocês têm? E quanto tempo demora para construir um?
Kalamera endireitou-se.
— Este levou algumas semanas. Precisamos medir cada peça, descobrir o encaixe certo. Agora que eu sei montar, é questão de dias para replicar.
Marco completou, ainda com a mão na madeira:
— Contar as horas é só o primeiro passo do que pretendo trazer ao Império. O próximo é criar um calendário com meses e—
A porta abriu-se com um arrasto de ferragens. Koopus entrou como quem encontrou a reunião por acaso.
— Oh. Vocês já estão aqui.
Ivoney nem mudou o tom:
— Espero que tenha aproveitado seu último dia de atraso, Koopus. A partir de hoje, nossas reuniões têm hora marcada.

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