O grupo estava em volta da mesa onde o corpo coberto descansava. Aamerta conferiu sob o pano, fechou o rosto e virou para os outros.

    — O corpo é de Gorthen.

    Kalamera travou. Esqueceu de respirar; os quatro braços ficaram soltos, pendendo ao lado do corpo.

    Marco tocou o antebraço dela de cima.

    — Kal. — falou baixo. — Respira.

    Ela puxou o ar, ainda dura. Olhou para o pano, depois para os generais, a voz saindo áspera:

    — O que levaram… pra matar um mestre ferreiro?

    Ivoney respondeu sem rodeio:

    — Levaram a Espada da Chama Eterna. Gorthen era o único com a chave da Forja Imperial central.

    Os ferreiros se entreolharam e deram um passo à frente. Oficiais se aproximaram mais. Os generais ficaram onde estavam.

    Aamerta cortou:

    — Isso não é assunto para público.

    Ivoney nem piscou.

    — Sou o Imperador. — Olhou para Kalamera. — E ela é uma ferreira do império. Tem o direito. Todos aqui têm.

    Silêncio.

    Ivoney continuou:

    — A Espada da Chama Eterna foi forjada por Solun Odrin para matar o demônio ao lado de Ga-el.

    Kalamera virou na hora.

    — Não era o Bracelete? — rebateu.

    Aamerta entrou na conversa, direta:

    — Ele forjou duas relíquias: o Bracelete, que vocês já viram, e a Espada. A Espada não apaga; consome essência sem pausa. As Forjas foram erguidas em volta dela pra usar esse fogo e, ao mesmo tempo, esconder a arma.

    Koopus cruzou os braços.

    — Até ontem, isso era segredo entre oito pessoas: Imperador, seis generais e o Mestre das Forjas.

    Olhares cruzaram pela sala.

    Hamita cerrava o punho na lateral da perna.

    — Fomos traídos? — perguntou. — Alguém que sabia disso entregou a chave.

    Lou-reen nem hesitou.

    — Nenhum soldado do Império faria isso.

    Aamerta manteve o tom frio:

    — Ou o ferreiro confiou em alguém… e foi traído.

    Kalamera avançou meio passo e explodiu, quatro braços tensos de novo:

    — Gorthen não “confiou em alguém”. — A voz dela cortou a sala. — Ele trancava essa Forja até pra mim. Eu perguntei, como todo ferreiro deste Império já perguntou, como as Forjas funcionam, quem tem chave, quem pode mexer aqui dentro. Ele sempre deu a mesma resposta: não era assunto nosso.

    Ela respirou fundo, varrendo o lugar destruído com os olhos.

    — Basta olhar o estado disso aqui. Ele não entregou chave nenhuma pra qualquer um. Não sem lutar.

    A sala virou inteira para ela. Kalamera sentiu o peso dos olhares, puxou ar de novo e baixou o tom:

    — General. Com respeito. Ele sabia exatamente o que guardava.

    Aamerta sustentou o olhar, mas não respondeu.

    Ivoney retomou o comando:

    — Traição ou não, temos um inimigo forte, que conhece nossos segredos e age dentro da nossa maior fortaleza. Pela segunda vez — A mão dele fechou. — Inadmissível.

    Ele virou levemente a cabeça para Lou-reen:

    — Ontem, você nos deu um nome. Não imagino outro grupo tão ousado.

    Todos olharam para ela.

    Marco sentiu o estômago apertar. Lembrou da reunião em que os generais mandaram todos os outros saírem da sala.

    Grithin quebrou o silêncio:

    — O que planejam fazer com as relíquias?

    Hamita bateu o punho na própria palma, o som seco ecoando.

    — Seja lá quem for, espero que estejam a fim de uma boa luta.

    Lou-reen manteve os olhos na mesa com o corpo.

    — Se pegaram as relíquias — disse — sabemos o que querem agora.

    — Pra isso, teriam que matar todos nós.

    Aamerta concluiu, olhando direto para Ivoney e depois para os outros:

    Ninguém respondeu.

    A ausência de Luminor pesou entre os generais mais do que qualquer coisa que estivesse no chão da Forja.

    Koopus quebrou o peso do silêncio:

    — E as Olimpíadas? Vamos parar tudo?

    Alguns oficiais se mexeram, inquietos. Venia olhou rápido para Lou-reen. Os ferreiros prenderam o ar. Ivoney virou para Koopus, devagar.

    — É isso que eles querem — respondeu. — Desestabilizar. Obrigar o Império a recuar. Isso nunca foi o nosso estilo.

    Ninguém ousou cortar.

    — Quando Taeris é atacado, Taeris não recua. Se mantém firme e anda pra frente — ele concluiu. — As Olimpíadas continuam.

    Hogge anotou sem levantar a cabeça. Hamita descruzou os braços, como se aceitasse a ordem ali mesmo. Kalamera manteve os olhos no corpo coberto de Gorthen, a mandíbula travada.

    ***

    O céu de Ga-el estava limpo e a Arena Imperial lotada, mas o clima de festa batia só nas arquibancadas. Lá em cima, no camarote imperial, ninguém parecia estar ali para se divertir.

    Marco estava de novo entre os poderosos, atrás da fileira do Imperador e dos generais. Os tambores sacudiam o peito, o povo gritava, bandeiras rodavam.

    Na frente, Ivoney mantinha o corpo ereto, punhos apoiados no parapeito. Lou-reen, Grithin, Hamita, Koopus e Aamerta ocupavam seus lugares, todos em silêncio. Pareciam estátuas cercadas por um estádio em festa.

    Ao lado, o Primeiro-Ministro Hogge Bakalyn cochichava com o Representante Geral do Povo, Kaertien Dorbeos. Hogge falava baixo, rápido; Kaertien respondia com um meio sorriso cansado, olhar perdido no campo como quem fingia interesse.

    — Onde está Luminor? — o Imperador perguntou, impaciente, sem desviar os olhos da arena.

    Lou-reen respondeu, seca, braços cruzados:

    — Já enviei uma tropa atrás dele. Deve estar de ressaca em algum canto de Ga-el. Como sempre.

    Marco sentiu o peso do “como sempre” depois de ter visto o corpo de Gorthen e ouvido sobre a Espada. Ninguém ali engoliu a desculpa como piada.

    Ivoney só bufou, curto, e fez um gesto para o cerimonialista.

    Os sinos soaram, e o arauto ergueu a voz, ampliada pela magia sonora, chamando o início do segundo dia das Olimpíadas Militares de Taeris. A Arena explodiu em gritos; no camarote, ninguém se mexeu.

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