Capítulo 09 - Mestre Maluco (9)
Paula não teve escolha a não ser usar novamente a escada central, já que a pilha de livros que carregava era tão alta que cobria sua visão. O normal seria usar a escada nos fundos da mansão, mas, se alguém a visse, seria punida. Então, ela apressou o passo.
“Mestre, vou ler de novo.”
“Faz tempo que você só vai à biblioteca.”
“Escolhi com cuidado. Espero que goste dessa vez.”
Ela abriu o livro que trouxera.
“Era uma vez um porquinho feliz. O porquinho feliz adorava passar os dias–”
“O que você está fazendo?”
“O quê? Do que está falando?”
Ao ser questionada, fingiu não entender e fez uma expressão inocente.
“É um livro de contos de fadas.”
“Sim. Um livro de contos de fadas.”
“Tem certeza de que quer ler isso?”
“Acho que um conto de fadas seria perfeito para você agora.”
“O quê?”
“Decidi que o mais importante era contar uma história que aquecesse o coração, sobre como cuidar de um dono rabugento para que ele encontre um pouco de paz.”
Vincent fez uma expressão de puro absurdo. Paula, sem se abalar, olhou para o livro de histórias.
“Se quiser outro, é só me dizer. Tenho desde a história do porquinho feliz até a da menina que sai em uma missão, a amizade entre um garoto e uma fada que realiza qualquer desejo, a aventura misteriosa de dois irmãos ou o amor e a paz do pássaro-azul. Qualquer uma dessas histórias está à disposição. Escolhi vários livros, já que você não lê o mesmo livro duas vezes. Por favor, escolha de acordo com seu gosto.”
Ela tinha certeza de que ele nunca havia lido nenhum desses. Depois de ouvir isso, ele ficou calado. Os músculos da mão que segurava o livro se contraíram, como se estivesse prestes a rasgar a página.
“Se não quiser nenhum, continuarei lendo a história do porquinho feliz. Será que você não conseguiria ouvir nem um trecho? Não acho que seja tão impaciente, mas, se ainda assim for difícil, me avise.”
Ela falou rápido para evitar que ele a interrompesse e começou a ler o livro infantil sem demora. Talvez sua estratégia tenha funcionado, pois, dessa vez, ele ficou em silêncio. Ela quase prendeu a respiração e se sentiu um pouco tensa, mas, felizmente, conseguiu ler o livro até o fim.
Claro, o próximo livro infantil foi jogado longe.
Desde então, Paula continuou lendo para ele. Sempre contos de fadas. Ele dizia que não queria, mas ela lia mesmo assim. Aproveitava isso como desculpa para ler vários livros.
Fazia muito tempo que não lia nada. Quando era criança, trabalhava em uma livraria, mas o estabelecimento foi fechado por causa da doença do dono, que, ao se despedir, pediu desculpas e lhe deu alguns livros de presente. A maioria era de contos de fadas.
No entanto, os livros acabaram nas mãos de Alicia. E, como Alicia sempre cobiçava tudo o que Paula tinha, mas não se interessava por leitura, os livros voltaram para Paula completamente rasgados, sem forma reconhecível. No fim, acabaram sendo usados como lenha para o fogo.
Depois disso, ficou difícil ter acesso a livros. Algumas vezes, Paula economizou dinheiro para comprar, mas, quando seu pai descobria, a fazia parar. Comprar livros era um luxo para a filha de um camponês pobre. Ela percebeu que aquele dinheiro compraria comida para um dia inteiro e desistiu da leitura.
Talvez por tanto tempo sem ler, agora se sentia feliz em poder segurar um livro novamente, ignorando, é claro, as circunstâncias.
“É só isso que você sabe ler?”
“O que tem de errado?”
“Tudo. Não gosto de nada disso.”
De novo. De novo.
Talvez fosse culpa dos contos de fadas, mas Paula estava começando a se irritar. Na verdade, queria ler outro tipo de livro, mas ele nem prestava atenção e, no fim, ler para alguém era mais cansativo do que imaginava. Então, sabendo que ele não gostava, mas sem alternativa, pegou outro livro infantil.
Quando suspirou, ele se irritou, perguntando o motivo. Descobriu que ela era muito boa em suspirar.
“Se for ler, aprenda a respirar direito antes.”
“Desculpe.”
“Saia. Não quero ouvir mais.”
No fim, Paula foi expulsa com um livro do qual não conseguiu ler nem três páginas. Ainda assim, o esforço não foi em vão.
Graças a isso, sempre que terminava seu trabalho e voltava para o quarto, desmaiava de sono. O cansaço do dia a derrubava. Mas, com tantas preocupações, não conseguia dormir profundamente. Seu sono leve ficava ainda mais frágil.
Naquele momento, ouviu um barulho alto vindo do quarto ao lado.
O som foi bem forte. Vinha do quarto do mestre.
Assustada, correu até lá.
Abriu a porta e entrou no cômodo escuro. Olhou direto para a cama e viu uma silhueta encolhida contra a parede.
“Mestre?”
Ao se aproximar, o corpo tremeu, mas não houve resposta.
“Onde está?”
“…”
“Mestre.”
“…”
“Mestre?”
“… quem é?”
A voz abafada soou fraca.
“Sou eu. O que está fazendo?”
“Tive um sonho.”
“Um sonho? Que sonho?”
“Um sonho horrível.”
Ah, então foi um pesadelo. Eu também tenho pesadelos com frequência, sei como é.
Mas Paula olhou ao redor, tentando entender o barulho alto de antes, e não viu nada que pudesse ter causado aquele som. Achou que ele poderia ter jogado algo, como de costume, mas não havia sinal de nada.
O quarto estava escuro demais para ver detalhes. Vincent também estava com um lençol cobrindo o rosto, então ela não conseguia verificar sua expressão. Apenas sua mão, segurando o tecido, tremia levemente.
“Que sonho foi esse?”
“Não sei. Não lembro.”
A voz parecia calma, mas o medo contido nela era profundo. Paula já sabia, por Isabella, que ele não dormia direito. Que os gemidos dolorosos que se ouviam à noite vinham dele. Mas ele nunca havia demonstrado isso.
Que tipo de pesadelos ele teria?
Ela sabia disso sem nem precisar pensar. Só podia ser um sonho horrível, assustador.
“É só um sonho. Boa noite.”
“Não consigo dormir porque acho que vou sonhar de novo.”
“Posso segurar sua mão?”
“Tire isso daqui.”
Dessa vez, ele estremeceu como se tivesse ouvido um som terrível, mas de uma forma diferente. Paula franziu um pouco a testa e suspirou, discretamente.
‘Se você consegue reagir assim, então está bem.’
“Posso ficar aqui até você se acalmar?”
“…”
Não houve resposta. Depois de pensar um pouco, ela se sentou na beirada da cama. A figura encolhida tremeu com o barulho que ela fez ao se acomodar, mas não gritou para que fosse embora.
Agora que Paula estava ali, não sabia o que dizer. Dobrou os joelhos e os abraçou, mexendo os dedos sem motivo. Ele também ficou em silêncio. Apenas o som da respiração irregular preenchia o ambiente. Aos poucos, ela percebeu que o ritmo da respiração ia se acalmando e entendeu que ele estava melhorando.
Seus dedos continuaram se mexendo, e de repente a luz estreitou sobre sua mão. Quando levantou a cabeça, viu que o luar, passando pela fresta da cortina, se espalhava pelo chão. Seus olhos seguiram a luz até pousarem na lua amarelada, visível pela janela.
A única luz que iluminava a escuridão era bonita o suficiente para prender seu olhar.
Bonita.
Se estendesse a mão, poderia senti-la.
O calor.
Mas, por mais que tentasse, era impossível segurar a lua.
Sabendo disso, ela estendeu a mão para a luz.
Era silêncio.
Era calma.
Era paz.
Ela nunca se sentiu tão em paz antes.
“Quando eu era pequena, meu irmão costumava ter pesadelos.”
Sem perceber, ela mordeu os lábios. Talvez o silêncio tivesse se tornado pesado demais.
De repente, o som da respiração parou. Mas ele não a interrompeu.
“Foi na segunda vez que aconteceu… depois de um pesadelo, acordei com meu irmão chorando.”
O segundo filho era só uma criança inocente. Diferente dela, tinha um rosto bonito, sempre sorria e vivia correndo atrás dela, chamando seu nome.
Ao mesmo tempo em que tinha carinho por ele, também sentia pena. Era um bom menino, mas a pobreza era um veneno. O pai olhava para o segundo filho, jovem e bonito, e pensava em como poderia usá-lo.
E, mesmo sendo pequeno, seu irmão sabia disso. Por isso, não conseguia dormir direito. Sempre se revirava, tendo pesadelos, e a acordava chorando. Então, mesmo sonolenta, ela o abraçava e afagava suas costas. E ele segurava sua mão.
Exatamente como agora.
Paula pousou a mão sobre a única que saía debaixo do cobertor. Sentiu um leve arrepio ao tocar a pele fria. Então, apertou sua mão com firmeza.
“Sempre que isso acontecia, eu segurava a mão do meu irmão assim. Aí ele se acalmava e voltava a dormir.”
Seu irmão apertava sua mão e fechava os olhos. Com lágrimas no rosto, adormecia, confiando apenas no calor do seu toque. Ela costumava acariciar o dorso da sua mão, como se quisesse afastar o medo dele.
“E eu dizia: sonho é só um sonho, não precisa ter medo. Eu estou aqui. Esse momento comigo é real.”
Mas agora, pensando bem, talvez não fosse algo tão bom de se dizer. Porque a realidade era ainda pior do que os sonhos. Mesmo assim, seu irmão sempre assentia e se aninhava em seus braços.
Até o dia antes de ser vendido para um bordel.
“Costumam dizer para deixar os sonhos para trás. Seja algo que já aconteceu ou algo que você teme que aconteça, dizem para ignorar, como se não tivesse significado. Mas se não der para ignorar, o jeito é superar o que passou e tentar impedir que o que você teme aconteça.”
Então, ela fechou a boca. Aquilo parecia mais um sonho do que qualquer outra coisa.
A realidade não era um conto de fadas. Não era bonita, nem cheia de aventuras mágicas. Pelo menos, não para ela.
Ela nunca teve coragem de fazer escolhas como os protagonistas das histórias. Nem mesmo no momento em que seu irmão estava prestes a ser vendido. Não conseguiu ajudá-lo. Não conseguiu fazer um milagre, segurar sua mão trêmula e fugir com ele.
Mesmo sabendo que seu irmão, aquele menino doce e bonito, seria vendido para um bordel… ela desviou o olhar do sorriso dele.
“Está tudo bem, irmã. Eu ficarei bem.”
Seu irmão, gentil e lindo, foi quem a consolou. Ela só pôde desejar, com toda a força, que ele fosse feliz.
No ano seguinte, ele morreu. Disseram que foi um acidente. Mas, na verdade, ele foi assassinado. Quando ela o viu pela última vez, estava irreconhecível. Seu corpo inchado, principalmente entre as pernas… era horrível de ver.
Ela enterrou o segundo filho sem que o pai soubesse. Se aquilo podia ser chamado de funeral… depois de enterrá-lo ao lado do mais novo, colheu uma flor bonita e a colocou ali. E não demorou muito para que o quarto também estivesse lá.
Paula sobreviveu fechando os olhos para a morte de seus irmãos.
Que tipo de pessoa faz isso?
“Como você pôde?”
A voz repentina a despertou. Sua mão ainda tremia, mas dessa vez era diferente.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.