Capítulo 20 - Hora do Chá com o Conde (2)
Começando pelo retrato do casal Bellunita, três pessoas em harmonia estavam emolduradas. No meio, um jovem Vincent também podia ser visto.
Paula estalou a língua ao olhar para a criança fofa com um sorriso brilhante.
“Como isso aconteceu? Que pena…”
Dizem que leva apenas um momento para tudo mudar. Ela não poderia imaginar que o pequeno Vincent, ali naquele quadro, perderia a visão e acabaria confinado ao seu quarto.
Paula deu uma olhada rápida ao redor do prédio, então saiu pela porta dos fundos e fez uma caminhada tranquila pelo jardim. Era um anexo escondido atrás da maior e mais esplêndida mansão, mas também havia um jardim ali. Se você saísse pela porta dos fundos, poderia ver um jardim pequeno, e se fosse para a frente, um jardim maior se espalhava.
Ela estava vendo o jardim pela primeira vez. As árvores bem cuidadas e as flores eram refrescantes de se olhar. Era bonito, como se até as ervas daninhas, pisoteadas, fossem cuidadas. Paula sentia o trabalho sincero dos jardineiros.
O tempo estava muito bom hoje.
Quase bom demais.
[O tempo está bom esses dias, que tal tomarmos chá no jardim?]
Depois de voltar da caminhada pelo jardim, Paula sorriu amplamente ao ler a carta em letras douradas que chegou hoje. Isso sim!
“Que tal tomarmos chá no jardim hoje?”
Foi então que Paula propôs a ele durante o almoço. No entanto, Vincent franziu a testa imediatamente.
“Que bobagem.”
Ela achava que era uma boa sugestão, mas ele não parecia gostar. Mas o tempo estava realmente ótimo hoje. Raramente o sol aparecia entre as nuvens, e o ar quente pairava ao redor. Ficar preso dentro de casa num dia como hoje era um veneno.
“Às vezes dizem que é bom sair um pouco.”
“Ninguém deve me ver.”
“Não seria tão ruim se fosse só por um tempo?”
Além disso, Paula não via nenhum empregado além dela mesma no jardim, nem naquele anexo. Não havia pessoas ao redor ali. Parecia que os anexos e o jardim estavam de propósito bloqueando o acesso dos empregados. Então, não haveria risco de alguém observar.
“Como eu chego lá?”
“Eu te levo!”
Quando Paula gritou com ânimo, o rosto de Vincent se contorceu de desagrado. Mesmo assim, ela o ajudou a se arrumar para sair. Foi fácil achar suas roupas para o passeio, pois ela já havia preparado as roupas para sair no outro dia. Claro, Vincent recusou, mas ela queria muito o levar ao jardim hoje.
Era muito difícil dar cada passo. Ele cerrou os dentes e colocou força nas pernas.
“Vou cair no caminho.”
“Nesse caso, eu te levo direitinho.”
Até sua voz tremia quando ele falava. Segurando os dois braços com firmeza, ela deu outro passo. Um suspiro veio de trás.
“Não consegui te servir direito. Suas pernas estão arrastando.”
Paula o carregava com a coluna meio inclinada. Era natural que as pernas longas dele arrastassem no chão, já que ele era mais alto que ela. O corpo dele transbordava, mesmo ocupando todo o espaço nas costas dela. E, além disso, ele era bem pesado. Então, isso era uma situação inevitável.
Foi difícil para ela caminhar com o peso dele nas costas. Ela era magra e não estava preparada para isso.
“Volta para o meu quarto agora.”
“Mestre, eu não quero. Ah, por favor, mexa as pernas um pouco. Ah, por favor, tenha paciência. Por favor.”
Paula insistiu contra a dissuasão dele. Ela realmente queria levá-lo para fora. Poderia ter apoiado a decisão dele e carregado ele de volta, mas escolheu carregá-lo, pois tinha medo que ele não fosse. Ela agarrou seus braços caídos com firmeza e deu um passo à frente com toda a força.
Ela conseguiu chegar ao jardim, apesar de ter caminhado com dificuldades, apoiando o peso acima. Nesse meio tempo, seu corpo inteiro estava coberto de suor, mas ela se sentiu orgulhosa por tê-lo feito sentar-se na cadeira do jardim. Ela sorriu amplamente e enxugou o suor do rosto.
Uma brisa suave passou pelo cabelo dourado dele. O rosto dele se movia com o vento.
“Onde estamos?”
“Este é o jardim atrás do anexo. Não está tão longe, mas eu nos trouxe aqui porque tem uma mesa, e seria bom sentarmos e tomar o chá aqui. Acho que é um lugar que nem os trabalhadores passam.”
Então estava mal cuidado e bagunçado, mas ela arrumou tudo de qualquer forma. Era uma mesa que ela frequentemente notava sempre que olhava pela janela. Ela achava muito estranho que estivesse colocada no jardim atrás do anexo, mas nunca pensou que poderia ser usada assim. Não havia ninguém passando pelo fundo do anexo, então, claro, também não havia ninguém ao redor.
Vincent não pediu mais nada. Ele apenas sentia o vento. Ao ver o rosto dele um pouco mais relaxado, Paula concluiu que ele não parecia odiar a ideia. Paula achava que ele diria para voltar, mas ele não disse, felizmente.
Paula sorriu e colocou os itens preparados na mesa, na ordem. Então pegou sua mão e fez ele segurar a alça da xícara. Em seguida, ela serviu o chá quente. Era o chá que ele havia bebido outro dia.
Ele realmente devia ter gostado muito do chá-preto da Nobelle, porque as folhas de chá que ela recebeu de presente acabaram rapidinho. Então, ela perguntou às letras douradas onde poderia comprá-los e eles enviaram mais três pacotes.
[Me avise se precisar de mais.]
Paula estava se sentindo bem ultimamente, as letras douradas pareciam ser de uma pessoa realmente boa.
‘Não se esqueça de escrever uma resposta agradecendo.’
“Está delicioso.”
“Você já tomou da última vez.”
“Eu sei. Mas está diferente.”
Ele parecia relaxado enquanto tomava o chá. Ele realmente gostava. Graças a isso, Paula o servia com chá com mais frequência ultimamente. Era especialmente bom para acalmá-lo quando ele dava sinais de que estava prestes a se irritar.
“Gostaria de ler um livro aqui hoje.”
“Outro livro chato.”
“Não. É um romance de aventura. O senhor Chris… não, ouvi dizer que o senhor gosta.”
Paula estava prestes a mencionar Ethan, mas se interrompeu rapidamente. Esse nome era tabu para ele agora. De algum jeito, era assim. Ela pegou o livro que estava escondido ao lado e se sentou na cadeira oposta.
Ela abriu o livro, limpou a garganta e começou a ler devagar.
O ritmo estava lento, dando tempo suficiente para ele imaginar, a pronúncia estava clara, e ela não se esqueceu de respirar entre as frases. Paula leu o livro, lembrando as partes que Vincent havia apontado.
Sua voz ao ler o livro estava mais suave do que antes. Mesmo pensando sobre isso, ela estava bastante satisfeita. Além disso, dessa vez não houve críticas por parte de Vincent. Foi um momento em que ela percebeu isso e se alegrou por dentro.
“Como você é?”
Uma pergunta inesperada saiu da boca dele. Paula parou de ler e olhou para ele. Ele colocou a xícara na mesa e estava olhando para ela. Assim que ela encontrou aqueles olhos esmeralda, sua mente ficou em branco. Então ela não conseguiu falar imediatamente.
Ela nunca imaginou que ele faria essa pergunta.
“Uh, por que tem interesse nisso?”
“Porque eu estou curioso. Quero saber como é a sua cara sem vergonha.”
“Vou ler a próxima frase.”
Ignorando as palavras dele, Paula abaixou a cabeça de volta para o livro. Ela estava tentando desviar a conversa.
Mas, de repente, a ponta de um dedo longo tocou sua franja. Foi um toque suave. Foi tão insignificante que mal poderia ser chamado de contato. Mas Paula saltou da cadeira de surpresa, como se ele tivesse acabado de tocar seu rosto.
O som de uma cadeira caindo ecoou atrás dela. Paula conseguiu se segurar na mesa que estava tremendo devido ao impacto repentino. O livro rolou pelo chão. Com as mãos no ar, Vincent arregalou os olhos. Era uma expressão de surpresa.
O vento continuava a soprar.
“Ah, lá… ah, você tentou tocar meu rosto de repente… desculpe.”
Paula ajeitou a mesa e colocou a cadeira de volta no lugar. Pegou o livro que havia caído no chão e colocou na mesa.
Ele falou com um rosto calmo.
“O que te surpreende tanto? Eu disse que queria saber como você é.”
“Então, por que está tentando tocar meu rosto?”
“Eu não posso ver, então tenho que tocar para saber.”
Paula se sentou em uma cadeira e olhou para ele de relance. Ele não podia vê-la. Então, a menos que alguém lhe dissesse como era seu rosto, ele nunca saberia. E agora que ele estava perguntando assim, parecia que ninguém havia contado a ele.
“Como você parece?”
“Eu sou normal.”
“Como?”
Paula não conseguiu dizer que era um rosto que as pessoas apontavam. Mordeu o lábio e ficou pensando em como desviar a atenção dele.
“Como é?”
“Eu te conto depois. Vou ler o livro primeiro.”
“Esconder assim só me deixa mais curioso.”
“…”
Mas não deu certo. Ele mexeu os dedos como se fosse estender a mão novamente. Paula olhou ansiosamente para a ponta dos dedos dele.
“Eu sou um pouco baixa.”
“Eu sei disso. Algo mais.”
“… meu cabelo vai até o peito.”
“Por cima?”
“Não, não por cima… eu cortei um tempo atrás.”
Paula não sabia, porque não se olhava no espelho, mas antes que percebesse, seu cabelo tinha crescido a ponto de começar a incomodar. Então, há alguns dias, ela o cortou até o topo do peito com tesoura.
Na verdade, cabelo longo era um peso. O cabelo sem cuidados ficava armado, e a parte de trás do cabelo não tinha utilidade mesmo sendo longo. Além disso, atrapalhava quando ela estava trabalhando, então ela tinha que prender. Mesmo assim, não o cortar curto era seu último pedaço de orgulho. Se até o cabelo fosse curto, não haveria mais nada feminino no seu corpo.
“Seu cabelo é cacheado? Eu tenho cabelo liso e cacheado.”
“Eu também… um pouco.”
“Hmm…”
Ele resmungou brevemente, pensou um momento e estendeu a mão novamente. Por um instante, o corpo dela se tensionou, pensando que os dedos dele iriam apontar para o rosto dela outra vez.
Mas, dessa vez, ele não foi para o rosto dela. Era o cabelo dela que a mão estendida tocou com cuidado, como se estivesse procurando algo, mexendo no ar.
Ele pegou a ponta do cabelo dela e tocou.
“Realmente. As pontas são enroladas.”
“…”
Tocando a ponta do cabelo encaracolado com o polegar, ele sorriu suavemente. Paula observou a mão dele brincando com o topo da sua cabeça.
“E?”
“E… e… o que você tem mais curiosidade de saber?”
“Tudo. Me conte em detalhes.”
Dava-lhe qualquer pedaço para imaginar, ele estava pedindo por isso.
Paula murmurou, mas não conseguiu dizer as palavras com facilidade. Nunca usou a boca para descrever como era. Não gostava disso, e não achava que valesse a pena.
“Você é magra?”
‘Sim, sou tão magra que chego a ser feia.’
Ela havia engordado um pouco agora, mas sempre foi considerada magra demais até chegar ali, e cresceu ouvindo que parecia um cadáver quando se movia.
“Sou normal.”
“Seus olhos são grandes?”
“São grandes. Quando eu era pequena, sempre ouvi que eu só podia ser vista pelos meus olhos.”
“E o seu nariz?”
“Isso…”
Enquanto tentava responder às perguntas rápidas dele, só mentiras saíam de sua boca. A não ser pelo comprimento do cabelo e pelo tamanho dos olhos, nada do que ela dizia estava certo. E essas mentiras se juntavam para formar uma pessoa. Curiosamente, era Alicia quem completava a descrição dela.
‘Ao contrário de mim, minha irmã é tão bonita.’
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