Capítulo 31 - As circunstâncias do conde (1)
Como Paula havia conhecido recentemente as pessoas ao redor de Vincent, percebeu que a vida dele não era tão tranquila quanto imaginava. O que se vê à frente nem sempre é tudo. Pelo menos a vida de Vincent era assim. Mesmo sendo capaz de ver, o caminho à frente dele não estava necessariamente livre de obstáculos.
Violet vinha visitando a mansão com frequência desde então. Às vezes, Ethan a acompanhava. Talvez fosse porque tinham criado um vínculo de segredos compartilhados. As visitas já não eram hesitantes como antes. No começo, elas pareciam um fardo, mas com o tempo, à medida que a familiaridade aumentava, se tornaram uma fonte de alegria para Paula também.
E o homem, Lucas? Ela não conseguia entender as intenções dele ao lhe dizer que foi ele quem “deixou Vincent cego”. Depois disso, sempre que ele a olhava, sorria como se nada tivesse acontecido. Até o momento em que foi embora, suas palavras continuaram sendo um mistério.
E a atitude de Vincent em relação a Lucas era a mesma de sempre, tranquila. Então, não era Lucas. O que Vincent sabia? E Ethan? Até onde ele sabia? Com sua mente inexperiente, Paula não conseguia entender logo a relação deles.
‘Bem, o que uma simples empregada como eu saberia? Como poderia julgar a vida deles?’
‘Eu só consigo entender um pouco mais sobre a atitude do Mestre, que desconfia, se resguarda e se afasta das pessoas, e não acho que possa fazer nada. Só porque senti uma estranha sensação de crise na relação deles, não significa que eu possa interferir. Eu só preciso fazer bem o meu trabalho.’
A curiosidade desnecessária só traz raiva.
Paula foi lembrada mais uma vez do motivo pelo qual fora contratada.
[Eu estou enviando isso porque é tão bonito.]
Uma carta com escrita dourada, contendo uma flor seca. Era uma pétala de flor branca que se tornava transparente quando tocada pela luz do sol. Paula balançou-a suavemente antes de colocá-la entre as páginas de seu livro favorito. Então, olhou para o céu claro.
A mansão estava silenciosa pela primeira vez em muito tempo. Os dias barulhentos já pareciam um sonho.
“Está quieto.”
“Sim.”
Hoje ela decidiu ler um livro que ainda não havia lido. O lugar era em frente à janela do quarto dele. No dia em que os dois tomaram chá, juntos, Vincent ficou preso em seu quarto, como se o incidente ainda fosse um pesadelo. Ao invés de arrastar Vincent para fora, Paula preparou um assento diante da janela bem aberta.
“Está quieto, então é um pouco solitário.”
“De jeito nenhum. Eu fico confortável sozinho.”
“Você é tão chato.”
“Eu vejo isso como um elogio.”
Havia espaço para as palavras serem aceitas. Havia uma sensação de serenidade no rosto dele, que se virou para a janela em resposta às palavras dela. Paula olhou para Vincent nesse estado.
‘O que será que você está pensando agora?’
Ultimamente, Paula era atormentada por perguntas inesperadas. Ela costumava pensar nele apenas como um homem cego e de mau temperamento, mas recentemente percebeu que sabia muito pouco sobre o que se passava dentro dele.
Ela fingia não estar curiosa, mas estava curiosa.
‘O que você está pensando?’
“Você tem um cheiro doce de antes.”
“Doce? Ah, eu trouxe um bolo de pão para a sobremesa hoje.”
Paula lembrou-se da existência do bolo, que havia esquecido por um momento. Depois da refeição, ela entregou uma tigela vazia, e o chef ofereceu-lhe o bolo de pão como sobremesa.
[“Desde pequeno, ele gostava de coisas doces.”]
O rosto enrugado do velho estava manchado de alegria. Paula inclinou a cabeça ao olhar para o pão amarelo dentro da tampa transparente.
“Bolo de pão?”
Vincent raramente demonstrava interesse. Paula ficou um pouco surpresa com a resposta rápida.
“Você gosta de doces?”
“Um pouco.”
Então ele rapidamente começou a procurar com a mão. Graças à prática recente, o movimento era bem natural, mas ele não conseguiu enganar os olhos dela.
‘Você realmente gosta de doces.’
Era surpreendente que ele tivesse um rosto salgado e um apetite por açúcar.
Retirando a tampa transparente, ela colocou um pedaço de bolo que já estava cortado em um pequeno prato e ofereceu-lhe. Quando ela lhe deu um garfo, ele sentiu o fim do prato com a mão e mergulhou o bolo com o garfo.
No entanto, o pedaço de bolo, que estava vagamente preso, escorregou do garfo. Vincent, que colocou o garfo vazio na boca sem perceber, ficou curioso e passou os lábios. Então, ele abaixou o garfo novamente e o usou do lado oposto do prato, não no prato. Paula pensou que ele levaria mais um dia para comer desse jeito, então ela simplesmente segurou o bolo na mão.
Vincent parecia fazer uma leve careta, mas logo colocou o pedaço na boca. Mastigou muito bem. Rapidamente comeu um pedaço e estendeu a mão novamente. Quando ela lhe ofereceu outro pedaço recém-cortado, ele aceitou obedientemente e comeu.
Assistindo-o comer, Paula ficou curiosa sobre o sabor. Então, ela pegou um pedaço e colocou na boca. O doce fez cócegas em sua língua. Estava realmente doce. Não, estava doce demais. Mas estava bom. Era a primeira vez que ela comia algo tão delicioso.
‘Existe um pão assim no mundo.’
Silenciosamente admirando as habilidades excepcionais do chef, Paula secretamente pegou outro pedaço de bolo de pão e colocou na boca, sem que Vincent percebesse. À medida que os dois se entregavam, o prato, que estava cheio de pequenos pedaços de bolo de pão, rapidamente ficou vazio.
“Vire-se.”
“Sim?”
Ele pegou o último pedaço restante, colocou na boca e bateu no batente da janela.
Oh.
Paula tocou a parte de trás da cabeça. O longo fio foi soprando pelo vento, batendo no batente da janela. Foi um som fraco, mas deve ter sido claro para ele.
“O laço que prendeu meu cabelo estava um pouco longo, então deve ter batido no batente da janela.”
“Não é o que você normalmente usa, certo?”
“Sim. É diferente. A senhorita Violet me deu como presente.”
Há alguns dias, Violet deu a Paula uma caixa com um laço como presente. Quando ela abriu a tampa, havia um prendedor de cabelo branco puro, com bordados de flores nas extremidades. A textura era suave, mas era um item caro. Então, quando Paula recusou, dizendo que não poderia aceitar algo assim, Violet segurou o prendedor firmemente e disse para ela não hesitar.
[“Fiquei incomodada com o fato de que, quando Paula fez o buquê outro dia, ela usou um prendedor de cabelo. O conselho de Paula me deu coragem. É um presente pelo qual sou muito grata, então sinta-se à vontade para aceitar.”]
Mesmo naquela época, Paula recebeu um pequeno buquê de flores como presente. Infelizmente, o buquê na jarra do quarto murchou em poucos dias, mas esse era um presente que poderia ser guardado por muito tempo. Além disso, havia uma sensação peculiar de pressão escondida por trás daquele rosto gentil. Eventualmente, depois de expressar gratidão e aceitar o presente, Violet pessoalmente amarrou o cabelo de Paula com o laço. Parecia que ela entendia a intenção de Paula de guardá-lo na caixa para protegê-lo.
“Isso seria bom.”
“É bom, mas também é um pouco pesado. Ela me deu algo tão bonito que não sei se posso retribuir.”
Foi a primeira vez que Paula viu um item tão caro e feminino, então ficou cautelosa até ao tocá-lo.
‘Isso não combina nada comigo.’
De vergonha, Paula mexeu no prendedor de cabelo sem razão, e rapidamente largou-o, com medo de que até isso se desgastasse.
Então, Vincent envolveu seus braços ao redor do laço que estava soprando no vento. Era como se ele estivesse tentando entender como seria mexer no laço com a mão estendida.
Enquanto tocava o laço, ele disse o que sentia.
“Isso vai ficar bem em você.”
“Não…”
Paula parou quando tentou sacudir as mãos, dizendo que estava tão bonito que não combinava com ela. Lembrando do rosto de uma empregada insolente em sua cabeça, engoliu a réplica.
“A sua beleza vai brilhar.”
“Onde você ouviu isso?”
“A Violet costumava dizer isso com frequência.”
Ele disse isso como se estivesse brincando. Paula riu brevemente e limpou as mãos no avental. Seu coração bateu mais rápido. Ela não queria prolongar esse assunto por muito tempo.
Ele passou a mão pelo prato do bolo e olhou confuso.
“Por que já está vazio?”
“Vou terminar de ler o livro.”
Paula fingiu não saber e continuou a ler o livro. Vincent inclinou a cabeça e tomou um gole de chá. Ela o observou rapidamente e seguiu lendo. A voz dela soava bem natural.
“Você lê muito bem agora.”
“Obrigada.”
‘Elogios sempre fazem bem.’ Paula sorriu e continuou a leitura.
“Parece que você realmente gosta de livros.”
“Ah, parece assim?”
“Porque você lê com tanto prazer toda vez. Eu não sei o que fazer, porque fico até me divertindo.”
“Sim, eu gosto. Eu já te contei que trabalhei em uma livraria quando era criança?”
“Contou. No dia em que você me ofereceu a primeira vez ler um livro para mim.”
“Isso, é verdade. Naquela época, o Mestre me disse que o dono da livraria fez eu acreditar que eu era uma paciente delirante quando era mais nova. Lembra disso?”
“Lembro. Eu lembro que você começou a fazer isso, fingindo ser para me servir e, na verdade, servindo aos seus próprios interesses.”
“Você tem uma memória excelente.”
“Lembra quando você jogou as coisas em mim e gritou para eu sair?” Paula retrucou, de forma sarcástica.
“E depois você forçou a comida na minha boca. Lembra de me acusar de mau cheiro porque eu não tinha tomado banho, só para me jogar na banheira dizendo que ia me lavar? Lembro de tudo isso.”
Paula riu alto.
“É uma honra lembrar de todas as memórias com você assim.”
Vincent sorriu de volta.
“Eu também.”
Um momento de risada constrangida ecoou.
“Naquela época, o Mestre disse que eu não deveria ler mais livros. Então, o que acha? Ler é agradável, não é?”
“Bem, acho que seria ainda melhor se você lesse com mais entusiasmo.”
“É uma pena que eu só tenha uma voz.”
“Continue praticando. Nunca se sabe se uma outra personalidade escondida dentro de você pode surgir.”
“Obrigada pelo conselho.”
Uma risada mais alta do que antes soou.
“Seria ainda melhor se você não comesse o bolo escondido como um ratinho. Só estou dizendo.”
“…”
O sorriso de Paula foi diminuindo.
‘Como ele soube disso?’
“Quanto eu comi…? Poderíamos ter compartilhado… era só um pedacinho…”
Paula murmurou baixinho, pressionando o rosto contra as últimas páginas do livro. Vincent continuou olhando pela janela, fingindo não ouvir suas palavras. A brisa soprava suavemente. Sua mão ainda tocava levemente a fita do cabelo dela, que balançava ao vento.
“Você realmente gosta dessa vida?”
“O que você quer dizer?”
Paula olhou para ele por cima do livro. Vincent ainda estava olhando pela janela.
“Estou perguntando se você está satisfeita com essa vida isolada na mansão, dependente da generosidade?”
“Por que você está fazendo essa pergunta?”
“Porque eu nunca ouvi você falar sobre sua família. Normalmente, quando as pessoas vêm para um lugar assim, sentem falta de casa. É como uma saudade.”
‘Família.’
Sentimentos esquecidos vieram à tona.
Paula tentou controlar para que não transbordassem.
Ela olhou para baixo, fazendo um movimento brincalhão, depois abaixou os olhos.
‘Não precisa disso. Ainda bem que ele não pode ver. Não preciso esconder.’
Fingir indiferença era fácil. Ela fazia isso toda vez.
“Sim, estou satisfeita.”
“Você não quer voltar para casa?”
“Não, não muito.”
“Por quê?”
Por que, de fato?
Só porque são família, não significa que seja necessário sentir saudade. A imagem da criatura diabólica que assombrava Paula em seus sonhos todas as noites passou diante de seus olhos.
“Não há razão para eu voltar.”
“…”
Vincent virou a cabeça em direção a Paula. Ela desviou o olhar, tocando o prato vazio com apenas algumas migalhas restantes. Limpou a mente de memórias desnecessárias, pensando que deveria pedir mais na próxima vez.
“Você mencionou ter irmãos.”
“Sim.”
“Quantos?”
“Quatro. Cinco, incluindo eu.”
Paula deu uma resposta vaga enquanto girava o prato vazio. Era um assunto desconfortável, e ela não queria se aprofundar. Queria concluir a conversa rapidamente, então respondeu apenas as perguntas diretas, evitando explicações desnecessárias.
“Eu lembro que você mencionou sua irmã mais nova antes. Disse que ela era a segunda, não foi?”
“Sim, é isso mesmo. Mas por que você está perguntando isso?”
“Só curiosidade. Desculpe se for desconfortável.”
Paula forçou um sorriso enquanto ele acrescentava a última parte.
Vincent levantou o queixo e a olhou.
Sua outra mão ainda tocava levemente a fita do cabelo dela.
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