Capítulo 32 - As circunstâncias do conde (2)
“Agora que penso nisso, não ouvi muito sobre você.”
“Não tenho nada para dizer.”
“Você costumava resmungar sobre tudo.”
“Minha memória é ruim, então não consigo lembrar de muito.”
O prato vazio girava. O som preencheu o espaço entre eles.
“A segunda irmã deve sentir sua falta.”
“…”
O prato parou abruptamente, fazendo barulho. O silêncio os envolveu por um momento. Paula não conseguia retirar a mão do prato. As migalhas espalhadas sobre a mesa sujaram tudo, assim como seu coração.
“Não, ela não vai sentir minha falta.”
“Por que não?”
“Porque ela foi para um lugar melhor. Não moramos mais juntas.”
Ao dizer isso, Paula olhou para o céu lá fora. O céu estava claro e bonito.
‘Meus irmãos estão todos lá. Devem estar vivendo felizes, longe do inferno onde a criatura diabólica os atormentava.’
‘E eles devem me odiar por isso…’
“Ela parece ter se casado e ido para um lugar melhor.”
Ah, isso soava assim.
Mas Paula não fez questão de corrigir.
“Sim, é um lugar melhor.”
“Até os outros irmãos?”
“Sim, exceto a terceira. Pai achava que ela era bonita demais.”
Bonita demais, causando problemas. Ao dizer isso, Paula pensou na casa em Pilton. Desde que saiu de lá, não soubera de nada sobre eles. Não tinha ido visitá-los.
‘Como será que eles estão morando naquela casa sem mim?’ Paula pensou brevemente sobre isso antes de afastar o pensamento. Não era uma preocupação necessária.
“E sua mãe?”
“Ela não está mais aqui.”
Se ela estava viva ou morta, não importava. Tê-la era como não tê-la. Depois de responder isso, Paula não queria mais falar sobre a família. Se ele perguntasse de novo, ela planejava arrumar as coisas e sair, mas ele não fez mais perguntas e voltou a olhar para a janela.
“Bem, não há necessidade de sentir falta dela.”
A fala casual parecia que ele sabia de algo. Foi como uma agulhada no coração dela.
‘Chega. Não me incomode mais.’ Paula queria gritar.
“… e você, mestre? Sente falta de alguém?”
Paula retrucou com uma intenção travessa. Mesmo sabendo que os pais dele tinham morrido em um acidente, ela queria cutucar suas feridas. Esperava que Vincent ficasse irritado, mas a resposta dele foi inesperada.
“Não.”
“Por que não?”
“Porque não há necessidade. Vamos nos encontrar quando morrermos, então qual é o sentido de sentir falta de alguém? A tristeza deve ser breve. Eu não quero ter arrependimentos. É melhor descartá-los do que ser consumido por essas emoções e não conseguir ver o que está à frente. Elas são inúteis.”
“…”
As palavras dele eram frias, mas Paula entendeu. Ela sentia o mesmo.
A morte de seus irmãos. A tristeza, a saudade, o arrependimento, a culpa, tudo isso transbordando. Mas ela não tinha o luxo de se afundar nessas emoções. Tinha que viver dia após dia, e essas emoções não a ajudavam em nada. O valor da vida dela estava em ser útil ou não. E essas emoções a faziam sentir-se inútil. Então, em vez de manter isso, ela escolheu cortar tudo. Depois disso, sentiu que poderia viver novamente.
Será que a vida dele era assim também?
Uma sensação inesperada de familiaridade surgiu.
“Eu te disse. Esse não é um lugar para sonhar.”
[“Então pense sobre isso. Não é o lugar certo para sonhar.”]
Sim, ele disse essas palavras. Na época, ela achou que ele estava apenas reclamando por frustração, então não deu muita importância. Mas agora, olhando para trás, parecia que o conselho dele vinha da experiência.
“Mas você não tem algo que queira sonhar, mesmo que seja um sonho fútil?”
Paula ficou curiosa sobre os desejos desse homem que dava respostas tão secas. Depois de um momento em silêncio, ele deu uma resposta cansada.
“Quero poder ver.”
A resposta dele a intrigou.
“E você? Tem algum sonho fútil que queira sonhar?”
“Bem, quero viver por muito, muito tempo. Seria bom se tivesse menos dificuldades, mas nesta vida onde eu me arrasto por onde vou, sonhar com coisas extravagantes não é algo que eu faça.”
“Então, você vai continuar aqui. Pelo menos assim não vai enfrentar dificuldades do lado de fora.”
“Você quer que eu fique aqui por muito tempo?”
Em resposta à declaração resoluta dele, Paula retrucou brincando. Quando ela chegou ali, Vincent costumava gritar para ela sair e atirar coisas nela. E agora ele estava dizendo essas coisas. Era até comovente.
“Eu permito.”
“Sério? Não vai mudar de ideia depois?”
“Não. Fique por muito tempo.”
Ele deu mais um gole de chá. Paula ficou pensando se devia pedir uma promessa por escrito.
“Eu vou te proteger.”
A xícara de chá fez barulho. O vento soprou. A fita do cabelo dela flutuou e tentou escapar da mão dele. Ele enrolou a fita no dedo indicador, levantou um pouco e a pressionou contra os lábios.
Como um beijo.
“Porque você é minha, eu vou te proteger.”
“…”
“Me prometa.”
Os olhos esmeralda dele se curvaram. A fita escorregou suavemente da mão dele e girou, tocando sua bochecha, passando pela mão dela, e então se enrolando em seu pescoço.
Paula não conseguiu desviar o olhar de Vincent.
Seu coração bateu forte. A sensação desconhecida se projetou, quase o suficiente para que seus dedos se curvassem ao redor dela.
“Então fique ao meu lado. Por muito tempo.”
A voz firme dele a envolveu. A fita branca que carregava a temperatura do corpo dele roçou sua pele, deixando uma marca quente. O homem que estava sentado ereto à sua frente roubou seu olhar.
“Você está em silêncio. Não sou confiável o suficiente?”
“Não… não, não é isso. De jeito nenhum.”
“Negando três vezes, parece que você pensou isso.”
“De jeito nenhum.”
“Quatro vezes. Tem certeza.”
“…”
“Mas ainda assim, acredite em mim. Eu acredito em você também.”
Paula abriu a boca, a fechou, abriu novamente, e a fechou outra vez. Quando encontrou as emoções refletidas nos olhos dele, seus sentimentos a fizeram sentir uma dor no peito. Algo dentro dele bateu repetidamente. Correu na direção da pessoa à sua frente.
“Desde que perdi minha visão, meus outros sentidos se tornaram mais sensíveis. Então, quando interajo com as pessoas, toco e sinto coisas como respiração, vozes trêmulas, gestos, movimentos das mãos, barulhos e cheiros para tirar conclusões. É como cobrir os olhos a cada momento e jogar um jogo de adivinhação. Agora, estou focado em você.”
O dedo dele apontou para ela.
Paula arregalou os olhos, surpresa.
“Se você fica com vergonha, fica sem palavras. Deve estar com a boca aberta agora. Talvez tocada pelo que eu disse.”
“… você está errado. Não é nada disso.”
Paula fechou a boca, mesmo sabendo que ele não podia ver, ela ainda abaixou a cabeça. Ao ouvir a resposta dela, ele soltou uma risadinha suave.
“É mesmo? Então estou curioso. Quero saber que expressão você está fazendo agora. Se eu pudesse te ver, seria bom. Assim eu saberia exatamente o que você está pensando.”
“Você se arrependeria se visse.”
“Porque você é bonita demais?”
“A ponto de te cegar.”
Ele riu ao ouvir aquilo.
“Muito bem.”
Mesmo enquanto falava, ele não parava de rir. O som de sua risada era agradável, quase como uma música. Graças às refeições regulares, ele havia ganhado um pouco de peso, e muito de sua aparência esquelética de antes tinha desaparecido.
Ele estava definitivamente mudando.
Era, ao mesmo tempo, gratificante e triste. Paula precisava ficar, e ele precisava mudar. Cada vez que ela o via mudar, ela percebia a relação deles novamente. Por isso, às vezes, não pensava nas emoções desconhecidas que surgiam em seu coração.
Instintivamente, ela sabia.
Certamente, não era uma boa emoção para ela.
Ao meio-dia, Isabella apareceu na ala de Paula. Ela pegou seu braço com uma expressão urgente e a puxou para uma sala.
“Paula, saia com o Mestre agora.”
“O quê?”
“Se prepare imediatamente. Eu vou falar com o Mestre separadamente.”
Dizendo isso, Isabella entregou um casaco para Paula.
Paula o aceitou, ainda confusa.
“P-para onde vamos?”
“Qualquer lugar. Apenas vá o mais longe possível. Mas não muito longe. Vá para um lugar seguro, se possível. Vou te deixar voltar tarde.”
Com essas palavras, Isabella foi direto para o quarto de Vincent. Paula ia segui-la, mas primeiro tirou o avental. Como só tinha o vestido que usava quando chegou ali como roupa para sair, Paula trocou de roupa, colocou o casaco e saiu do quarto.
Coincidentemente, Vincent, também com roupa de sair, saiu do quarto ao lado. Ele parecia ter se vestido às pressas, pois sua aparência estava um pouco desarrumada. Atrás dele, Isabella parecia nervosa.
Paula queria perguntar sobre a situação, mas ele bateu sua bengala no chão e falou com ela.
“Vamos dar uma volta?”
As palavras dele foram tão casuais que Paula se viu assentindo sem perceber.
Vincent segurou sua mão, e eles seguiram para a floresta que haviam visitado antes. Chamar aquilo de caminhada seria exagero, já que não havia um destino específico. Isabella lhe disse para ir para um lugar seguro; o único lugar seguro que Paula conhecia era a propriedade de Bellunita. E Vincent não poderia ir a lugares movimentados.
A floresta estava silenciosa. O canto dos pássaros ao longe aliviava um pouco a tensão.
“O que será que motivou essa saída repentina?”
“Não sei.”
Paula olhou para trás, Vincent permanecia calmo, enquanto ela estava perplexa. Ele olhava ao redor da floresta com a mesma expressão, embora não houvesse nada para ver. Mas a mão dele, tremendo enquanto segurava a dela, denunciava seus verdadeiros sentimentos. Ele estava fingindo estar calmo.
Vincent parecia saber o motivo dessa saída repentina.
‘O que será?’
Paula apertou os olhos e o observou, mas recentemente Vincent se havia se tornado bom em esconder seus pensamentos internos. Ele havia mudado muito desde a época em que se mostrava sensível e irritado.
Embora estivesse curiosa, decidiu não perguntar. Achava que devia haver uma razão para ele não falar sobre isso.
“Não sei para onde ir. Ela disse para irmos longe.”
“Simplesmente vá.”
“Você não estava relutante em sair depois de encontrar a senhorita Violet da última vez? Além disso, como podemos ir tão longe? Teríamos que ir em direção à mansão principal.”
“Podemos ir.”
“Como?”
Então, de repente, ele segurou a mão de Paula e começou a andar à frente. Ela o seguiu. Em vez de seguir pelo caminho, ele foi em direção aos arbustos. Paula teve dificuldade para dar os passos, pois a vegetação ficava mais densa quanto mais fundo iam. Devido à falta de manutenção, os galhos das árvores se projetavam perigosamente, quase a machucando. No meio do caminho, ela assumiu a liderança e ajudou a limpar os arbustos enquanto Vincent continuava caminhando, tocando cada árvore com cuidado. Como se estivesse procurando algo nas árvores, ele examinava as árvores ao redor com atenção.
Depois de um tempo, chegaram a uma clareira enquanto empurravam os arbustos. Era um espaço circular, cercado por árvores. Havia um portão de ferro ali. Como os arbustos cresciam sobre ele, o portão não era visível, a menos que se olhasse com atenção. Além do portão de ferro, havia um caminho.
Paula não esperava que tal espaço existisse. Ela olhou ao redor, admirada.
“Uau, há um portão em um lugar assim. Eu não sabia.”
“Se sairmos por aqui, chegaremos à vila.”
Era como uma aventura. Era realmente fascinante. Paula olhou ao redor do espaço estreito e viu o caminho do outro lado do portão. Então, ela empurrou suavemente o portão, que rangeu ao abrir. Havia uma corrente presa à maçaneta, então ela achou que estava trancado, mas aparentemente não estava.
“Para que serve isso?”
“Dizem que é uma rota de emergência.”
“O portão está enferrujado.”
“Não usamos ele há muito tempo.”
Paula estava tão fascinada que não parava de olhar para o caminho do lado de fora do portão. Era um caminho longo, mas a grama crescida dificultava a visão. Parecia mais que estavam sendo sugados pelos arbustos do que caminhando pelo caminho.
“Parece uma trilha secreta. Se sairmos por aqui, um novo mundo vai surgir. Vai ter criaturas fascinantes e fadas, e podemos fazer amigos e viver grandes aventuras.”
“Eu já estava pensando nisso desde a última vez, mas você lê livros demais.”
Vincent levantou a cabeça.
Paula deu de ombros.
“Bem, e daí? Imaginação é de graça.”
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