Capítulo 38 - As circunstâncias do conde (8)
Quando voltaram para a mansão depois de correrem por um tempo, todos estavam em péssimas condições. Seus corpos estavam completamente sujos, com coisas como terra, folhas e pétalas de flores. Paula não percebeu isso enquanto se divertia, mas quando se deu conta, ficou tão envergonhada que as bochechas coraram. Como deveria ter sido estranho ver dois homens e uma mulher correndo por um campo de flores, rindo? Ainda bem que eram os únicos ali.
Enquanto Paula sacudia o cabelo molhado depois de se lavar, seus olhos se fixaram no casaco fino deixado sobre a cama. Era de Lucas. Quando ele a viu correndo com um vestido sem mangas, a envolveu com o casaco em volta da cintura.
Ela lembrou da imagem dele se abaixando pessoalmente para mostrar gentileza para com ela, uma subordinada. Depois de sacudir o casaco e dobrá-lo cuidadosamente, ela foi até o quarto de Lucas. O quarto dele ficava um andar abaixo.
Paula bateu na porta, mas não obteve resposta.
‘Não está no quarto dele?’
‘Talvez ele esteja no quarto de Vincent.’
No momento em que estava prestes a se virar com esse pensamento, a porta se abriu.
A primeira coisa que ouviu foi um som estranho. Imediatamente, seus olhos se arregalaram ao ver uma figura se inclinando do lado.
Lucas estava olhando para Paula, metade nu, usando apenas as calças.
Água escorria de seus cabelos castanhos molhados, como se tivesse acabado de sair do chuveiro. Um fio de água descia de seu cabelo molhado, passando pela nuca e escorrendo pelo peito. O olhar de Paula seguiu o fio d’água que percorria o corpo dele.
Não era a primeira vez que ela via um homem adulto nu. Quando estava quente enquanto trabalhava, os homens costumavam tirar a roupa, e era normal estar nu ao se lavar. Ela também já tinha visto homens e mulheres se enroscando nus.
Mesmo quando Paula chegou ali, muitas vezes viu Vincent nu enquanto o atendia. Mas tudo o que pensava era o quão magro e frágil ele parecia, o que a fazia sentir pena. Ele tinha ganhado peso recentemente, mas ela não conseguia olhar de perto, já que ele decidiu trocar de roupa sozinho agora.
Porém, o corpo nu bem visível à sua frente tinha uma estrutura óssea grande e músculos adequados…
“Paula.”
“Sim?”
“É um pouco embaraçoso olhar para mim assim…”
Foi só quando Paula ouviu ele chamá-la que percebeu que estava olhando para o torso nu dele.
“Oh.”
Só então ela cobriu os olhos com as mãos. Porém, ela conseguiu manter uma brecha entre os dedos. Ele, também constrangido, sorriu e cobriu o peito com um braço.
“O que aconteceu?”
“Vim te entregar isso.”
Paula estendeu uma mão e entregou o casaco que estava segurando. Lucas o pegou e pediu para ela entrar. Paula entrou primeiro e não conseguiu recusar. Ela olhou para as manchas de água no chão por um momento, e quando entrou no quarto, ele já estava usando um roupão. Ela se sentiu um pouco culpada e ficou olhando para as costas dele.
Enquanto ajustava as faixas do roupão, Lucas olhou para a mesa ao lado.
“Venha, sente-se.”
“Vim só te entregar um casaco.”
“Vamos tomar um chá juntos.”
“Está tudo bem.”
Paula já tinha bebido muito chá durante o dia, e se alguém visse uma jovem mulher no quarto de um jovem homem no meio da noite, poderia haver um grande mal-entendido. Claro, seu status não era suficiente para causar esse tipo de problema, mas, no fim das contas, ela também era uma mulher. Além disso, era surpreendentemente comum que isso fosse mal interpretado. Então, ela tinha que ter cuidado.
Quando ela recusou de forma firme, Lucas riu. Então, ele se aproximou dela, e o peito estava ligeiramente exposto através do roupão mal fechado. Os olhos de Paula rapidamente percorreram o corpo dele.
“Me diverti muito hoje. Eu adorei.”
“Foi graças ao senhor Lucas.”
“Foi graças a Paula.”
Enquanto trocavam elogios calorosos, ele sorriu novamente. Paula também levantou os cantos da boca e sorriu. Era verdade que foi por causa dele que se divertiram tanto naquele dia, então ela expressou sua gratidão sincera. E era verdade que ela estava agradecida.
“Deve ser incômodo porque os lugares que você pode ir são limitados.”
“Um pouco.”
“Como é a vida aqui? Não é difícil servir meu irmão mais velho?”
“Isso é um pouco…”
… enquanto falava, Paula piscou. Então, em voz baixa, ela acrescentou, “muito?”
Lucas, que estava derramando água em uma xícara, riu.
“Agora entendo por que a condição do meu irmão melhorou. Com uma pessoa tão alegre ao lado dele, não tem como ele não melhorar.”
“É tudo graças ao esforço do mestre.”
“Não precisa ser humilde. Não posso dizer que tudo isso aconteceu sem os seus esforços.”
‘Ele provavelmente sabe também. Ele sempre diz coisas agradáveis. Se ele diz isso, não quero discutir.’
“Seu cabelo.”
Quando Paula apontou para o cabelo molhado dele, ele mexeu nos fios. Como ele estava com uma expressão confusa, Paula fez um gesto pedindo para ele se inclinar. Lucas hesitou e se curvou. Ela enxugou o cabelo molhado com a toalha que estava em seu pescoço.
“Se ficar assim, você vai pegar um resfriado.”
“…”
“O melhor é secar o cabelo logo após lavar.”
A água escorrendo de seu cabelo a incomodava antes. Bem, ela era bem boa em limpar e sair seca. Se houvesse manchas de água no chão, seria difícil limpar. Para evitar que isso acontecesse, ela secou o cabelo dele. Parecia que ele estava sendo considerado para facilitar para ela limpar. Bem, ela só tinha pensado em secar a água levemente.
Depois de refletir sobre isso, Paula apenas enxugou o suficiente para parar a água de escorrer e então se afastou. Lucas se endireitou.
“Agora você pode limpar isso sozinho. Eu vou.”
Depois de terminar o que tinha que fazer, ela fez uma reverência e estava prestes a sair. Virou-se, e algo estranho a fez sentir um arrepio nas costas.
Ela estava prestes a pegar a maçaneta da porta.
“Paula. Você sabe disso? Dizem que há uma floresta dentro do castelo.”
Castelo? Floresta?
Quando se virou com essas palavras estranhas, Lucas estava parado em frente à janela. Ele falava olhando para ela, bebendo água de uma xícara.
“O rei anterior amava a natureza, então criou isso de forma artificial, mas quando você vai e vê pessoalmente, dizem que não é diferente de uma floresta natural. É profunda, majestosa e bonita. Só há uma porta para entrar na floresta.”
“Eu nunca ouvi falar disso antes. Não sabia que havia uma floresta dentro do castelo. Na verdade, nunca estive lá,” ela respondeu de forma indiferente, mas o assunto era interessante.
“Dizem que só os membros da realeza podem entrar lá. Ocasionalmente, alguns nobres com permissão podem entrar, mas isso é bem raro. Uma vez lá dentro, a porta precisa ser sempre fechada, e enquanto alguém estiver lá, você nunca pode abrir a porta. Essa é a regra. Sabe o que todos fazem lá dentro?”
Paula balançou a cabeça. Ele colocou a xícara na beirada da janela.
“Contam segredos.”
“Segredos?”
“Sim. Estou falando de segredos que jamais devem ser revelados.”
‘Não, por que ir lá e contar um segredo?’ Paula inclinou a cabeça confusa, e ele respondeu à sua pergunta.
“Dizem que as paredes têm olhos e ouvidos. Por isso, é preciso tomar cuidado com o que se fala, especialmente dentro de um castelo. Mas como você consegue guardar tudo para si? Se ficar guardando as coisas, não vai aguentar. Então, o Rei criou o único lugar onde você pode contar um segredo — e ele fica na floresta. Mesmo que você grite um segredo lá, as paredes e portas ao redor da floresta são tão grossas que as palavras não conseguem escapar, nem por um pequeno buraco. E os guardas estão vigiando a porta, então ninguém consegue entrar sem ser visto. As pessoas chamam aquilo de Floresta Secreta.”
“…”
“Bem, é só um boato.”
Ele deu de ombros, já que nunca tinha visto aquilo pessoalmente. Quando Paula ouviu essas palavras a mais, a sensação de interesse em ouvir esfriou. O que mais ela pensava? Ela achava que aquilo fosse real. Ele riu ao ver o rosto dela, que demonstrava decepção.
“Para mim, Paula, você é a Floresta Secreta.”
Ele girou a xícara que estava sobre o peitoril da janela. Os olhos dela seguiram aquele movimento. A xícara que girava parou de repente. Então ele girou a xícara novamente. Embora fosse um gesto sem significado, ele parecia bem concentrado.
“As pessoas, como nós, têm segredos. Mas eu não posso contar meus segredos em qualquer lugar, então preciso enterrá-los no meu coração, e isso me faz sofrer. Às vezes, quero contar tudo e ser consolado, mas não posso simplesmente me jogar nos outros, certo? Então, preciso liberar essa frustração secretamente. Como se fosse para uma floresta secreta e gritar. Você seria esse tipo de pessoa para o meu irmão.”
“…”
“E para mim, meu irmão era assim.”
Ele girou a xícara novamente, mas dessa vez olhou para Paula, sem prestar atenção se a xícara parava ou não. Depois de trocar olhares por um momento, ele se inclinou contra a janela e se aproximou dela novamente.
“Você ainda acha que o que eu disse da última vez foi mentira?”
“…”
“Por favor, não pense assim. É verdade. A culpa é minha de ele ter ficado assim.”
Lucas parou na frente de Paula, mas suas palavras continuaram. Mesmo sabendo que ela estava confusa, ele não parou de falar.
“Eu era tão fraco, não tinha nada que eu pudesse fazer. Não fui ousado o suficiente para usar o poder da minha família e não fui forte o suficiente para me proteger. Então, eu trouxe o Vincent. Acho que é assim que vou viver. O resultado é esse. Meu irmão foi ferido e eu fui salvo. Portanto… agora é a minha vez.”
“Eu… não entendo o que você está dizendo.”
“Eu planejo dar meus olhos para o meu irmão.”
Confusão se misturou com espanto. Paula não conseguia acreditar nos ouvidos com as palavras que ele falou tão calmamente. Lucas estava tão calmo que ela queria concluir que tinha ouvido errado.
Paula respirou fundo e falou rapidamente.
“O mestre perdeu a visão completamente.”
“Não é que o olho tenha perdido a função. O exterior está danificado. Vai ser visível após a cirurgia. Porém, é uma cirurgia muito delicada e difícil, e nunca houve um médico capaz de realizá-la corretamente. Meu irmão provavelmente sabia disso e desistiu. No entanto, recentemente ouvi que há um médico em um país distante que fez uma cirurgia semelhante com sucesso. Eu pretendo trazer essa pessoa. Claro, mesmo que eu a traga aqui, não poderei fazer um transplante de olhos, já que ele é um nobre, mas se fosse comigo… vai dar certo.”
“Você não pode tirar os olhos de uma pessoa viva!”
“Eu vou morrer em breve.”
Paula não conseguia entender a voz calma nem o sorriso dele. Ele parecia tão feliz falando sobre sua própria morte. Mesmo achando que não poderia ser verdade, ele parecia realmente gostar disso e até ansiar por isso.
“Não diga isso.”
Paula balançou a cabeça com força.
“Isso é a única coisa que eu posso fazer.”
“Senhor Lucas!”
“Eu vou dar para o meu irmão. O meu mundo.”
“…”
Paula percebeu a identidade da intimidação que sentia do homem que sorria brilhantemente. Ele estava resoluto. Já havia tomado sua decisão. Era assustador ver ele expressando sua sinceridade com o corpo todo.
Paula apertou os lábios várias vezes. Não sabia o que dizer. Sua mente estava confusa e seu coração acelerado.
Ele deve ter visto os olhos confusos dela, que estavam visíveis através da franja bagunçada. Lucas se inclinou. O rosto dele ficou tão perto dela que quase se tocou. Por um momento, ele olhou em seus olhos. Então, ele desviou o olhar novamente e sorriu.
“Era uma brincadeira.”
“… o quê?”
“Estou só brincando.”
O sorriso dele ficou travesso.
‘O quê?’
Paula olhou para ele, ainda confusa. Ele puxou a maçaneta da porta atrás dela, ainda com uma expressão travessa no rosto. A porta se abriu com um rangido.
Paula olhou rapidamente para a porta aberta e depois de volta para Lucas. Ele cobriu a boca com uma mão. Seus olhos, bem abertos, estavam apertados, como se estivesse segurando uma risada.
“Seu rosto surpreso é fofo também.”
“O quê?”
“Boa noite.”
A porta atrás dela se abriu mais. Lucas a empurrou pelos ombros e a tirou do quarto. Então, como se não aguentasse mais, ele riu enquanto olhava para o rosto vazio dela. O som da risada passou pela fresta da porta enquanto ela se fechava, parando assim que a porta se fechou.
Depois de ficar ali, parada por um tempo, as palavras dele, “Estou só brincando”, vieram à sua mente.
A raiva subiu repentinamente. Com o rosto quente, ela resmungou e puxou a maçaneta da porta. Mas a porta estava trancada. Ela a sacudiu mais algumas vezes, mas a porta nunca se abriu. O som da maçaneta ecoava pelo corredor.
Não demorou muito até que seus gritos começassem.
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