Capítulo 53 - A empregada secreta do conde (6)
Paula tinha ouvido os rumores, sussurros circulando entre os empregados, mas nunca tinha prestado muita atenção até agora. Os olhos de Renica, cheios de medo e tristeza, se fixaram nos dela, e Paula sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
“Eu ouvi dizer que você vai embora em breve. Isso é verdade?” A voz de Renica tremia ligeiramente, mas seu olhar permaneceu firme.
“Sim. Só por um curto período,” Paula respondeu calmamente, embora não conseguisse afastar a sensação de que aquela conversa era mais séria do que parecia.
“É realmente só por um curto período?”
Paula encarou o olhar intenso de Renica, confusa com a gravidade repentina da conversa. Renica fungou, tentando se recompor.
“Paula, eu não te conheço há muito tempo, mas sei que você é uma boa pessoa, diligente e que não se queixa.”
Paula piscou, sem saber para onde aquilo estava indo. “Por que você está dizendo isso?”
“O que estou tentando te dizer é, não confie em ninguém aqui.”
O peso das palavras de Renica ficou pairando no ar. O coração de Paula começou a disparar enquanto sua mente girava, tentando entender o aviso. Instintivamente, ela se envolveu em seus próprios braços, como se quisesse se proteger do frio medo que estava entrando.
“Como você sabe, esta é a mansão do Conde, e a administração dos empregados é rigorosa. Empregados homens e mulheres não podem interagir pessoalmente. Essa é uma das regras que todos devemos seguir,” Renica explicou, sua voz firme, mas tingida de um silêncio aterrador.
“Contato frequente pode levar a sentimentos impróprios, e… isso aconteceu com frequência. Desta vez, não é diferente.”
Paula permaneceu em silêncio, seus pensamentos correndo. Ela entendia as regras e tinha presenciado sua aplicação, mas o tom de Renica e a gravidade de suas palavras a deixaram com um arrepio na espinha.
O que ela realmente estava tentando dizer?
“Você entende?” Renica insistiu.
Paula abriu a boca para responder, mas nenhuma palavra saiu. Sua confusão devia ser evidente, porque a expressão de Renica se desfez, como se ela estivesse à beira das lágrimas.
“Tudo o que fazemos está sob uma supervisão estrita,” Renica continuou, sua voz agora mais suave, mas ainda carregada de intensidade.
“Se quebrarmos as regras e não mostramos sinais de mudança durante o período de graça, acabou.”
Paula olhou para ela, os olhos arregalados, com o coração batendo forte no peito.
“Aqueles dois não desapareceram por vontade própria,” Renica sussurrou, sua voz carregada de uma verdade sombria.
“Eles se encontraram secretamente de novo durante o período de folga. E alguém do quarto deles os denunciou.”
O fôlego de Paula parou na garganta. A traição era dolorosa, mesmo que não tivesse nada a ver com ela. Uma sensação estranha de pavor se instalou no fundo de seu estômago.
“Os dois desapareceram de repente,” a voz de Renica vacilou um pouco, mas ela continuou.
“E ontem, um dos empregados viu algo. No caminho de volta de uma tarefa para o mordomo, ele viu um grupo de indivíduos suspeitos perto da mansão. Eles estavam com os rostos cobertos, mas ele pôde perceber que eram homens fortes. Eles estavam carregando algo que parecia… uma pessoa.”
O fôlego de Paula se prendeu. Seu corpo ficou gelado. Ela não precisou perguntar o que aconteceu em seguida. O silêncio que se seguiu foi preenchido pelos soluços de Renica.
“A empregada desaparecida… ela era gentil comigo. Ela disse que veio aqui para pagar a dívida da família dela. Ela sempre usava uma pulseira que sua mãe fez. Era única, todos conheciam. Mas essa pulseira foi encontrada no local onde aqueles homens estavam.”
Paula permaneceu imóvel, sua mente correndo com perguntas e medos.
Quem teria feito algo assim?
Ela não queria acreditar, mas a verdade nos olhos de Renica era inegável.
“Paula,” Renica disse urgentemente, sua voz trêmula.
“Você precisa ter cuidado. Não se destaque. Não se torne especial. Siga as regras, viva quieta como os outros. É a única maneira de sobreviver aqui. Estamos sozinhas, ninguém vai notar se sumirmos.”
Lágrimas escorriam pelo rosto de Renica enquanto ela as limpava com seu avental, mas elas não paravam, sua dor fluindo incontrolavelmente.
“Não se esqueça,” ela avisou, seu rosto manchado de lágrimas, distorcido de desespero.
“Se caímos em desgraça com aqueles que estão no poder, não há paz para nós. Não estou falando do mestre da casa, ele não se importa conosco. Quero dizer aqueles abaixo dele, aqueles que têm tanto poder quanto ele.”
Paula ficou ali, sem palavras, absorvendo as palavras de Renica. Ela queria confortá-la, dizer algo para aliviar sua dor, mas nenhuma palavra saiu.
No dia seguinte, Paula deixou a Mansão Bellunita mais cedo do que o planejado. Houve um arrombamento na noite anterior; um estranho havia conseguido passar pela segurança reforçada. Os empregados estavam tensos, e Paula podia sentir a tensão no ar.
Naquela noite, o sono fugiu dela. Ela se mexia na cama, incapaz de se livrar da sensação persistente de desconforto pela conversa com Renica. Quando ficou claro que não conseguiria dormir, Paula decidiu levantar-se e pegar um pouco de água.
Ao se levantar, algo chamou sua atenção, uma sombra balançando atrás da cortina fina e transparente.
A princípio, ela pensou que fosse uma ilusão, talvez um truque de sua mente inquieta. Mas quando se concentrou, seu sangue gelou. A janela havia sido deixada aberta para deixar o ar da noite entrar, mas ela não esperava que alguém fosse passar pela varanda.
No momento em que viu a figura escura, sua mão, ainda se esticando para o copo de água, derrubou-o. O estrondo quebrou o silêncio, ecoando pelo quarto.
Em pânico, Paula saltou da cama e tentou correr para a porta. Mas antes que conseguisse ir muito longe, uma mão forte agarrou seu ombro. Ela se debatia contra o aperto, mas não adiantava.
Ela foi pressionada contra a parede, sua respiração escapando em um suspiro agudo. A mão do intruso se fechou em torno de seu pescoço, e enquanto ela lutava para respirar, algo brilhou na escuridão.
Uma faca.
Mesmo na luz fraca, ela conseguiu ver o reflexo da lâmina.
O coração de Paula disparou em seu peito, o medo inundando suas veias. Lágrimas se formaram em seus olhos enquanto a lâmina fria pairava perto de sua pele, seu corpo paralisado de terror.
Então é assim que eu irei morrer.
O desespero tomou conta de Paula, e as lágrimas ameaçaram cair de seus olhos. Mas, antes que pudessem cair, a porta se abriu com um estrondo. Tanto ela quanto o agressor se viraram para o barulho. Vincent entrou tropeçando no quarto, sua mão se arrastando pelas paredes para se guiar, com uma arma apertada em sua mão.
No instante em que Paula viu a arma, ela não parou para considerar como um homem cego poderia apontar ou se conseguiria acertar o alvo com precisão. Tudo o que ela sabia era que precisava escapar. Ela agarrou os dedos que envolviam seu pescoço e os torceu com toda a sua força. O agressor gemeu, afrouxando o aperto o suficiente para que ela conseguisse se soltar e se enrolar no chão.
Bang!
Os disparos ecoaram, cada um ressoando pelo quarto com um estalo ensurdecedor, seguido de outro. Paula cobriu a cabeça com as mãos, tremendo incontrolavelmente. O som agudo do tiro se misturou ao caos de corpos colidindo, preenchendo o quarto com o tumulto. Então, tão abruptamente quanto começara, o silêncio caiu.
Paula não ousou olhar para cima. Ela permaneceu encolhida no chão, tremendo de medo. Após um momento, ouviu passos se aproximando e parando bem na sua frente. Algo tocou levemente sua cabeça, fazendo-a se sobressaltar.
“Está tudo bem,” disse a voz de Vincent, suavemente.
Um soluço escapou de Paula. Ao ouvir sua voz, ela não conseguiu segurar mais as lágrimas. O medo e o alívio se misturaram, e ela ficou ali, encolhida no chão, chorando. Vincent acariciou sua cabeça gentilmente, tentando acalmá-la.
Momentos depois, os guardas, alertados pelos disparos, correram para o quarto. Suas perguntas cortaram os soluços de Paula, e ela lentamente levantou a cabeça. O pânico se acendeu dentro dela; eles não podiam descobrir a condição de Vincent. Felizmente, o quarto estava mal iluminado, e Vincent explicou calmamente que um intruso havia invadido o quarto.
Mais empregados poderiam aparecer para investigar após ouvirem os disparos, e Paula sabia que precisavam se mover rápido. Ela respirou fundo, se recompôs e seguiu Vincent até seu quarto.
Assim que entraram, Paula desabou na cama. Sua mente parecia em branco, o caos de antes se desfazendo em um borrão distante. Tudo o que havia acontecido parecia um sonho febril. Mas a dor latejante em sua garganta machucada a lembrava de que tudo havia sido real.
Ela esfregou distraidamente o pescoço, perdida em seus pensamentos, quando percebeu um movimento ao seu lado. Olhou para o lado e viu Vincent derramando água, embora sua mão tivesse errando a ação, derramando o líquido em seu braço. A cena a despertou de volta à realidade.
“Eu faço isso,” ela disse.
“Está tudo bem,” Vincent respondeu.
Determinado, Vincent finalmente conseguiu encher o copo e o entregou a ela enquanto se sentava ao seu lado. Paula pegou o copo, agora cheio até a borda, e o bebeu, sua garganta seca agradecendo pelo líquido fresco. Isso trouxe um pouco de alívio, acalmando seus pensamentos acelerados.
Enquanto bebia o resto da água, ela olhou para Vincent, que agora tateava em busca de sua arma. Era um objeto familiar, aquele que ele havia apontado para ela antes, quando estavam lutando pelo controle. Ao pensar nos eventos anteriores, ela percebeu o quão perigosas haviam sido suas ações.
Um homem cego disparando uma arma, poderia ter dado muito errado.
E se ele tivesse acertado nela?
Embora ela tivesse gritado para revelar sua posição, ainda assim era um risco demais.
No entanto, Vincent não hesitou. O tiro dele tinha sido preciso. Ele havia se vangloriado das suas habilidades de tiro, e Paula agora percebeu que aquilo não era uma presunção vazia.
Ela fungou, olhando para ele.
“Como você soube que ele viria?”
“Eu ouvi o barulho.”
“Você não disse que estava sem balas?”
“Eu nunca disse isso.”
“Então por que não atirou antes?”
“Atirar só porque eu estava de mau-humor faria parecer que eu sou um lunático.”
Seu tom direto a pegou de surpresa, surpreendendo-a de uma forma totalmente nova.
Alguns momentos depois, Isabella entrou no quarto, com o rosto marcado pela preocupação enquanto verificava Vincent.
“Você está bem?”
“Estou bem. Pelo vento, acho que o intruso entrou pela varanda. Era para ter guardas por perto.”
“Os guardas estão revistando o quarto agora,” Isabella informou. “Eu também vou verificar com os outros que estavam de plantão por aqui.”
No entanto, logo ficou claro que os guardas já haviam sido mortos. Os guardas designados para proteger o anexo de Vincent eram conhecidos por serem os mais habilidosos de toda a propriedade. O fato de o assassino ter conseguido eliminar tais guardas antes de entrar sugeria que ele não era um simples criminoso.
Mais tarde, o assassino, ferido pelos disparos de Vincent, foi encontrado nas proximidades da floresta. Parecia que, após falhar no assassinato, ele havia se envenenado e posto fim à própria vida. No final, não houve como descobrir quem havia encomendado o ataque. Mas Paula não precisava de investigação para saber quem poderia ir tão longe a ponto de contratar um assassino para matar uma simples empregada como ela.
Quando o amanhecer chegou naquela manhã, Vincent ordenou que Paula deixasse a propriedade imediatamente. Ela passou a manhã como de costume, arrumando seu quarto e atendendo às suas necessidades, antes de se preparar para a partida. Então, se despediu dos poucos funcionários que havia conhecido. Quando a carruagem chegou, já passava do meio-dia.
Vincent não foi se despedir. Ele mencionou que não queria fazer a despedida parecer permanente, já que se veriam novamente em breve. Paula concordou com ele.
Em vez disso, Isabella a acompanhou. Depois que Paula entrou na carruagem, Isabella a seguiu e se sentou à sua frente. Ver Isabella a fez lembrar do aviso que Renica lhe havia dado alguns dias antes.
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