Capítulo 56 - A empregada secreta do conde (9)
“Você pode dizer que isso é insensível, mas é a verdade. Não era a intenção original, mas o fato de o Vincent ter se confiado a você pode ter sido porque ele pensou que poderia simplesmente te eliminar se você falasse. Os outros provavelmente pensaram o mesmo. A Violet, sendo ingênua, provavelmente não pensou muito sobre isso, mas pelo menos eu pensei.”
“…”
“Está desapontada?”
“Não.”
A repentina revelação não foi particularmente surpreendente. Talvez fosse algo que ela já tivesse percebido de alguma forma. Desde o começo, ela havia sido apenas uma peça, seu valor medido em ouro. Tendo vivido uma vida constantemente sob ameaça, nunca esperou segurança apenas porque estava morando em uma mansão luxuosa.
Segredos devem permanecer segredos.
Deve-se fingir não ver, fingir não ouvir e nunca revelar nada.
Curiosidade desnecessária só chama problemas.
Ela se lembrava disso repetidamente. Manter a boca fechada lhe dava uma chance de viver mais um dia. Muitos desapareceram por falar demais. Então, o silêncio se mantinha, e às vezes riscos mortais eram tomados para demonstrar lealdade. Tudo o que se dizia e fazia era feito sob risco de vida.
E isso ainda era verdade agora.
“Você vai me matar?”
“Como acha que vou agir?”
“Eu acho que vai.”
A voz de Paula estava calma, mas resoluta. Ethan apenas sorriu em resposta, sua expressão imperturbável.
Um silêncio desconfortável preencheu o carro. Eles mantiveram contato visual, mas nenhum parecia disposto a falar. A atmosfera estava pesada, carregada com o peso da honestidade desarmada de Ethan. Eles se estudavam, cada um perdido em seus próprios pensamentos.
Eventualmente, Ethan desviou o olhar, inclinando um pouco a cabeça como se estivesse em profunda contemplação. Suspirou e começou a falar novamente, quebrando o silêncio tenso.
“Eu debati se devia te contar ou não, mas como essa pode ser a última vez que conversamos, acho justo que você saiba. Seria uma pena se isso não fosse dito. Ele era um pouco ingênuo e faltava-lhe astúcia, o que me frustrava.”
“Sério?”
A mudança repentina de assunto de Ethan parecia aliviar a tensão, mas a confusão de Paula era evidente. Ethan balançou a cabeça, oferecendo um sorriso nostálgico.
“O Lucas teve problemas de saúde desde pequeno. Ele frequentemente tinha convulsões e não podia sair. Passava a maior parte do tempo confinado ao seu quarto, e as pessoas lhe enviavam cartas por pena. Para aliviar o tédio, ele começou a responder essas cartas.”
“…”
“Um dia, ele começou a adicionar cor à tinta nas suas respostas. A Violet recebeu tinta roxa, eu recebi tinta vermelha, e o Vincent recebeu tinta dourada.”
Os olhos de Paula se arregalaram enquanto as palavras de Ethan pintavam uma imagem vívida da vida de Lucas. A curiosidade que se acumulava há tanto tempo parecia se desfazer com as revelações de Ethan. Seu olhar vacilou, e o sorriso de Ethan assumiu um tom travesso enquanto observava sua reação.
“No dia em que o Vincent, que estava desaparecido, finalmente voltou para a mansão, Lucas perguntou sobre você,” continuou Ethan. “Você se lembra de quando me perguntou sobre a tinta que eu usava? Isso despertou minha curiosidade, então perguntei ao Lucas sobre isso. Ele estava enviando cartas para você. Quando perguntei por que ele não mencionou, ele disse que alguém mais estava respondendo.”
“…”
“Era claro quem era essa pessoa.”
A mente de Paula corria enquanto ela se lembrava das frequentes cartas para a mansão Bellunita. Entre elas, uma carta com escrita dourada se destacou, uma que tinha sido respondida sob as ordens de Isabella.
“Lucas perguntava muito sobre você. Até os menores detalhes pareciam trazê-lo alegria. Agora faz sentido… o Vincent estava se escondendo na mansão, e Lucas, deixado sozinho e ansioso, deve ter encontrado um imenso consolo nessas respostas.”
A escrita dourada sempre a intrigou, mas as cartas em si pareciam irrelevantes, respostas formais ao conteúdo que ele enviara: “Estou bem, o tempo está bom, obrigado.” Essas notas breves lhe traziam prazer.
A revelação de Ethan tocou Paula profundamente. Ele soubera desde o começo.
“Lucas gostava de você.”
“Eu sei.”
“…”
“Eu sei bem.”
Seu rosto enterrado nas mãos, os lábios de Paula tremiam incontrolavelmente.
Tudo de repente fez sentido. Desde o momento em que Lucas havia mostrado gentileza e afeto, seu comportamento havia sido claro. O significado de suas tentativas de conversar com ela, sua ansiedade, e seu pedido sincero para deixar tudo para trás agora se cristalizavam em uma dolorosa compreensão.
“Eu não quero. Vamos fugir juntos.”
Agora ela compreendia a coragem por trás daquela oferta desesperada.
Lágrimas corriam de seu rosto sem parar. Sua dor era esmagadora, impedindo-a de recordar um único pensamento coerente. As memórias daquele dia estavam envoltas em medo e arrependimento, tornando impossível discuti-las com Vincent. A verdade só havia surgido neste momento devastador com Ethan.
“Lucas… como o Lucas…”
“Ele disse que precisava se preparar mentalmente,” respondeu Ethan suavemente.
Com essas palavras, as lágrimas de Paula fluíram ainda mais livremente.
Se ao menos ela tivesse tentado escapar com Lucas naquele momento, as coisas poderiam ter sido diferentes? Se ela tivesse segurado sua mão trêmula e fugido com ele, poderiam ter evitado o desastre atual? Teriam sido capazes de impedir de deixá-lo para trás, sangrando e em dor? Essas perguntas permaneciam sem resposta, acrescentando peso ao seu lamento.
O silêncio que se seguiu foi excruciante. A dor de Paula era tão profunda que até Ethan, apesar de seu próprio sofrimento, não conseguiu derramar uma lágrima.
Depois de um tempo, o carro finalmente parou. Ethan abriu a porta e deu um leve tapinha no ombro dela. Paula enxugou as lágrimas, reuniu suas coisas e saiu do veículo.
Mas então, surgiu uma nova pergunta.
“Onde estamos?”
Não era uma mansão. Embora ainda cercados por bosques, havia uma vila abaixo. Não era a vila sob a mansão Bellunita que ela havia visitado com Lucas; era um lugar desconhecido.
Paula se virou para Ethan. “Você não estava planejando me matar?”
Sua voz estava áspera, seu rosto ainda vermelho das lágrimas. O riso de Ethan foi suave, seus olhos redondos com uma bondade inesperada.
“Claro que não. Eu estava a caminho de encontrar o Vincent.”
“…”
“Então, você está realmente tentando fugir.”
“Se o culpado descobrir que estive no local, a situação se torna perigosa. O mestre pretendia me enviar para a vila de Novelle. Só ontem, quase fui morta por um intruso. Estava fugindo para essa vila com pressa, mas ouvi dizer que o mordomo havia enviado alguém atrás de mim. Parece que o mestre se preocupou em ter que se mover por causa de uma simples empregada. Então, eu estava escapando. Eu quero viver.”
Ela explicou a situação calmamente. Era confuso porque Ethan, que a havia ameaçado momentos antes, agora demonstrava tamanha bondade. Havia algum outro motivo por trás de suas ações? Ela o observava com cautela, mas Ethan ouvia sem perder seu sorriso gentil ou esconder o calor em seu olhar.
“Senhorita, você é apenas uma página nesta história antiga. Não há razão para você se envolver. Não há necessidade de sacrifícios. Esqueça esse assunto e siga seu próprio caminho.”
“…”
“Não se preocupe com este lugar,” disse Ethan, tentando acalmá-la. “Eu senti que isso estava por vir há muito tempo. Tanto o Vincent quanto eu nos preparamos bem, então agora é só uma questão de finalizar as coisas.”
Seu comportamento estava calmo, em nítido contraste com a expressão perturbada que ele mostrara dias antes. Ele parecia de alguma forma mais leve, mais à vontade, apesar da gravidade da situação.
“Tem certeza de que está bem? Eu sei de muita coisa.”
Ethan levantou uma sobrancelha. “Hmm. Onde você estava planejando ir?”
Paula balançou a cabeça imediatamente, um gesto que Ethan parecia ter antecipado. Ele se aproximou dela com um sorriso tranquilizador e estendeu a mão.
“Senhorita, você foi a pessoa que salvou meu amigo. Você confortou meu irmão, que havia se retraído em seu próprio desespero, e nos ajudou a nos reunirmos. Eu não vou esquecer essa bondade. Nunca.”
Paula hesitou por um momento, mas Ethan pegou sua mão e a segurou firmemente.
“Eu nunca te chamei de forma adequada,” continuou ele. “Mesmo sabendo o que você fez, eu não consegui me permitir reconhecer isso.”
“…”
“Paula,” disse ele, seus olhos castanhos encontrando os dela com uma sinceridade calorosa. “Eu desejo que você seja feliz.”
Ela olhou para as mãos unidas. Ethan as sacudiu gentilmente, e quando ela olhou para cima, viu um sorriso amável em seu rosto. Apesar dos desafios que ele e seu povo teriam de enfrentar, ele estava a confortando, incentivando-a a seguir em frente e esquecer o turbilhão.
“Senhor Christopher…”
“Agora, por favor, me chame de Ethan.”
Seu sorriso travesso fez Paula engolir as lágrimas e responder com um sorriso brilhante de sua parte.
“Ethan.”
“Sim?”
“Eu desejo isso também.”
“…”
“Eu desejo que todos sejam felizes.”
O sorriso de Ethan se ampliou com suas palavras. As mãos, que antes estavam firmemente entrelaçadas, lentamente se separaram. Paula virou-se, segurando sua bolsa com ambas as mãos. Respirando fundo, ela correu o mais rápido que pôde, empurrando-se ao limite.
Seu mundo nunca havia sido bonito. Era uma vida marcada pela pobreza, exploração e uma perda de dignidade humana básica. Em meio à escuridão, a tristeza floresceu. Tudo parecia imerso em miséria.
Mas pela primeira vez desde sua chegada, ela percebeu algo profundo.
A vida podia ser bonita.
Momentos compartilhados com os outros podiam trazer uma alegria genuína.
Até ela tinha alguém desejando-lhe o bem.
Ela tinha permissão para viver.
O fim estava se aproximando. Quando ela deixasse aquele lugar, não faria mais parte daquele mundo. Nunca mais os veria.
Ela pensou no final de seu livro favorito, o momento final do protagonista, que deixa tudo para trás para partir sozinho.
“Ah, acabou agora.”
Nesse momento, Vincent veio à sua mente. O homem que acreditaria que ela tinha partido bem, o homem que ficaria sozinho, esperando o dia em que poderiam se reencontrar.
‘Eu vou te trazer para o meu lado. Eu prometo.’
Sua visão embaçou. Ela não conseguia impedir as lágrimas de caírem. Nunca mais o veria. Não haveria encontros casuais na estrada.
Será que ele a procuraria?
Será que ele iria atrás dela?
Ela nem teve chance de se despedir.
Mas estava tudo bem.
Ela não queria se despedir de qualquer maneira.
Ela desejava a felicidade de todos. Mas entre todos, ela desejava com mais sinceridade a felicidade dele. Que a vida de Vincent fosse cheia apenas de alegria, que ele não voltasse para o seu quarto novamente, que ele seguisse em frente, ficasse seguro e encontrasse uma maneira de amar o mundo novamente.
E, que algum dia, mesmo de longe, eles pudessem se ver mais uma vez.
Ela desejou com todo o seu coração.
A escuridão envolveu sua pequena forma.
Segredos permaneceram segredos.
E assim, a empregada secreta do Conde foi engolida pela escuridão e desapareceu para sempre.
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