Capítulo 48 - Sonho
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
— Então esse é o Grand Canyon… o que acha, Gabriel?
— Parece ridículo.
— Espera só um pouco, logo vai ficar mais interessante — retrucou Ana, deixando escapar uma risada desconcertantemente alta.
Diante deles, as nuvens se espalhavam preguiçosamente pelo horizonte, formando algo parecido com uma gigantesca cúpula feita de algodão barato. Logo abaixo dessa beleza meteorológica exagerada, milhões de anos de história geológica eram resumidos em uma coleção decepcionante de rochas avermelhadas — cada camada um entediante lembrete do lento desgaste do planeta.
Pairando no céu, Gabriel não se parecia exatamente com a típica imagem angelical. Com roupas soltas que balançavam dramaticamente ao sabor do vento, ele parecia estar preso em um eterno comercial de sabão em pó. Não voava realmente; apenas pairava com um tédio infinito. Ao seu lado, caindo com uma lentidão calculada, Ana estava firmemente presa a um paraquedas militar visivelmente gasto. Alguém mais sensato poderia questionar a segurança disso, mas ela já não se importava com esse tipo de detalhe há muito tempo.
Os dois observavam o avião seguir em direção ao chão, esperando o resultado final como se fosse dar um novo significado às suas vidas. Este era um dos últimos exemplares funcionando de um Antonov An-124 Ruslan, um dos monstros dos ares da época pré-apocalipse, e agora encontraria seu triste fim como entretenimento de uma garota entediada.
Suspirando, Ana levantou o rosto, deixando o sol forte acariciar suas feições endurecidas enquanto Gabriel continuava seu papel de espectador desinteressado.
— Ei, eu tô morta?
— Eu não sei, sou só uma lembrança mal feita.
— Ah, entendo…
A jovem milenar, deixou de perguntar, permitindo-se aproveitar a calma estranha daquele momento.
— Eu senti sua falta.
— Idiota, vale de algo pensar nisso? — Gabriel pareceu rir baixinho. — eventualmente nos encontraremos novamente. Sou o destino de todos, afinal. Ah, acho que chegou a hora.
Ana seguiu o dedo estendido do anjo com expectativa, e lá estava o avião, cumprindo seu papel com uma falta impressionante de entusiasmo ao se chocar secamente contra as pedras. A fuselagem amassou-se sobre si mesma, produzindo inicialmente uma cena bastante insatisfatória. A dupla se encarou, decepcionada com a pouca criatividade da física naquela ocasião.
Felizmente, antes que a situação se tornasse ainda mais constrangedora, uma explosão repentina surgiu, formando uma clássica nuvem de cogumelo que engoliu rapidamente o terreno ao redor.
— Estranho… não lembro dessa explosão ter sido tão pequena. Devíamos ter colocado mais algumas bombas lá dentro — comentou Ana com um suspiro descontente, torcendo o nariz.
— Sim, economizamos à toa.
Quando parecia que a explosão terminaria seu espetáculo medíocre, ela decidiu surpreendentemente expandir-se outra vez, aumentando até parecer que os alcançaria. Ana não conseguiu deixar de sorrir com uma satisfação irônica.
— Sonhos são coisas tão aleatórias, Gabriel… Bem, acho que este é um “até logo” — disse ela, dando um aceno leve e um sorriso brilhante, antes de soltar o paraquedas e se jogar diretamente em direção às chamas crescentes.
— Até logo, minha amiga.
A voz de Gabriel misturou-se ao suave farfalhar das folhas enquanto a realidade insistia em se fazer presente novamente. Ana abriu lentamente os olhos, sentindo imediatamente o peso irritante da consciência pressionar contra suas pálpebras. Despertar era, quase sempre, algo bem desagradável.
Sua visão clareou lentamente, e a primeira imagem a surgir diante de seus olhos foi Marina — imóvel, silenciosa, tão absurdamente frágil que parecia um erro cruel do universo.
Naquele instante, toda a leveza da explosão teatral e das piadas malfeitas desapareceu, substituída por uma realidade que, Ana percebia com uma clareza amarga, era muito menos divertida.
Por um instante, permitiu-se acreditar que ela estava apenas dormindo. Uma hipótese reconfortante, mas que durou exatamente o tempo necessário para confirmar que inconvenientemente estava deitada sobre uma poça morna e pegajosa.
Sangue, claro, não tinha como ser outra coisa. Havia também a falta de respiração e a mão fria que acariciava sua cabeça, mas essa parte fingiu que não via.
— Mas que merda…
Com esforço, ergueu-se, os músculos protestando como trabalhadores mal pagos em dia de greve. Algo estava errado, e não era apenas o cadáver estendido no chão.
Percebeu, com certa apreensão, que apesar de toda lógica e decência humana sugerirem que ela deveria estar se sentindo terrivelmente triste, o sentimento era superficial demais, quase forçado.
Não era exatamente frieza, mas uma espécie de anestesia emocional, uma coceira incômoda na alma, e nada além. Ana franziu o cenho.
“Talvez eu seja mesmo uma pessoa horrível“, pensou com uma honestidade que não chegava a ser reconfortante.
Ainda assim, tomou uma decisão, mesmo que fosse por mera obrigação social ou por algum tipo obscuro de respeito aprendido nos livros.
— Vou te dar um enterro digno, garota. Só peço que espere um pouco, certo?
Não que a morta estivesse com pressa. Deixou-a ali, imóvel e silenciosa, enquanto começava a avaliar a situação ao seu redor. Os demais companheiros estavam mais ou menos alinhados no chão como uma coleção disfuncional de bonecos quebrados, mas ao menos todos respiravam — o que já era uma vitória diante das circunstâncias.
Era um alívio e, simultaneamente, um novo dilema. Precisava tomar uma decisão rapidamente, e as opções disponíveis pareciam particularmente terríveis.
Fugir seria obviamente o mais racional; afinal, ninguém costuma criticar sobreviventes por escolherem a autopreservação.
Mas aquelas quatro pessoas…
— Na verdade, cinco. Tem minha mãe na caverna.
E a considera uma companheira?
— Não deveria? Ela pode estar viva.
É uma chance remota.
— É… mas, na verdade, não importa tanto, não conseguiria carregar tanta gente de volta pra cidade.
A garota deu de ombros, mas seus lábios estavam torcidos. Pensar em abandonar tudo ali deixava sua boca com um gosto ruim. Tiraria sua paz de espírito.
Realmente, decisões assim eram uma droga monumental.
Começou a brincar distraidamente com a faca, girando-a entre os dedos enquanto ponderava, muito tentada a resolver tudo na sorte. Bastaria jogar o maldito pedaço de metal para cima e deixar o fio da lâmina apontar seu destino; era simples, dramático e suficientemente irresponsável para agradá-la.
Mas antes que cedesse a essa decisão impulsiva, Ana ouviu algo.
Inicialmente fraco, quase imaginado, mas logo claramente perceptível: aquele som metálico, aquele tintilar ritmado… eram golpes? Sua atenção voltou automaticamente para os companheiros caídos.
Um mono-mão, uma ruiva com ferimentos que fariam até o mais resistente empalidecer, um sujeito cujos braços agora se assemelhavam a obras cubistas e, claro, uma maga — não, manipuladora — claramente incapaz de produzir qualquer ruído.
Quatro corpos jovens, exatamente como deveriam ser — nenhum deles em condições de empunhar qualquer coisa remotamente parecida com uma espada naquele momento.
— Hmm…
A curiosidade nunca tinha sido sua melhor amiga. Na verdade, era mais como uma conhecida inconveniente que insistia em aparecer nos piores momentos possíveis. Mas aquele som ritmado… não eram gritos desesperados ou sons desordenados de combate, mas algo harmonioso, elegante. Aquela pausa rítmica entre os golpes denunciava um duelo entre pessoas que claramente sabiam como dançar com armas.
— Ah… eu definitivamente vou me arrepender disso — resmungou para ninguém em particular.
Com um suspiro profundo, Ana aumentou o aperto na faca e estalou metodicamente o corpo dolorido, certificando-se de que não estava em uma quase morte sem sequer saber, mas, felizmente, nenhum osso parecia quebrado além do aceitável. Estava relativamente inteira, pelo menos enquanto a adrenalina continuasse a impedir seu cérebro de registrar o quanto tudo aquilo doía.
Finalmente, com passos decididos, começou a caminhar em direção à caverna.
Se fosse uma pessoa religiosa, talvez rezasse. Como não era, contentou-se em xingar mentalmente a própria falta de bom senso enquanto avançava para mais um encontro com o desconhecido.
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REESCRITA – TEMPORARIAMENTE SEM IMAGEM
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