Capítulo 32 - Madame
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
— Aquela ali é a Natalya. Se eu fosse você, nem chegava perto. — murmurou Maria, no mesmo tom de quem avisa que vai chover mais tarde, não que acabou de vender a alma — ou o CPF alheio — pra alguém perigosa.
— É fascinante. Acha que ela deixaria eu estudá-la?
— Cê não tá me ouvindo, não? — Maria se virou com os olhos arregalados, a voz subindo meio-tom além do necessário. — Fica longe, mulher! Essa aí é dor de cabeça na certa!
Ana apenas sorriu, deitando-se com tranquilidade no banco.
— Vamos ao que interessa. Vai realmente comprá-los?
Sem cerimônia, despejou o saco de ossos restantes sobre a mesa com um gesto casual.
— Então… sobre isso… — Maria coçou a nuca, já prevendo o incômodo. — Tinha combinado com ela, ué. Jurei que ia me pagar na hora. Juro mesmo, viu? Eu… eu não sabia que era só promessa. Foi mal.
— Ah… sem problema. Fico com isso pela caminhada, então.
Se esticando, pegou a caneca de cerveja recém-colocada na frente de Maria por uma atendente que havia passado. A comerciante a observou tomar um gole e tentou processar a sequência de perdas que estavam se acumulando naquela conversa.
— E aí, o que realmente é esse lugar? — perguntou Ana, apoiando o braço na mesa, sem parecer ter pressa por respostas.
— Ué… é uma taverna.
O silêncio prolongado fez ela perceber que a pergunta não era sobre a fachada, mas sobre o funcionamento interno.
— Ah, tá… é tipo… sei lá, uma “guilda de mercenários”. O povo vem, pede um serviço, e se paga direito e a dona aprova, pronto, vai pra mural. A maioria é coisa simples: vigiar, buscar algum item, caçar uns bichos. Não é aprovado pelas guildas, então, tecnicamente, é tudo ilegal… mas né, ninguém aqui liga pra isso, não.
— Parecem muito expostos pra trabalhadores ilegais.
— E quem é que decide isso, hein? — deu de ombros, pegando um guardanapo largado só pra ter o que amassar. — É mais fácil fazer vista grossa do que arrumar encrenca com gente que tem poder. Um não interfere com o outro, e vida que segue.
Ana desviou o olhar e passou a observar melhor o ambiente. As paredes eram mais ocupadas do que lembrava à primeira vista. Murais cobertos de anotações em papéis rústicos, alguns manchados, outros novinhos. Havia de tudo: “achar um gato preto fujão”; “trazer ervas de regiões contaminadas”; “vigiar um depósito por duas novas noites”; “eliminar criatura com muitos dentes (sem perguntas)”. A mistura de absurdos e pedidos cotidianos formava um retrato bastante fiel da humanidade pós-colapso.
Ao passar por uma mesa, algo chamou sua atenção. Um homem — grande o suficiente para parecer deslocado até ali dentro — desmontava cuidadosamente uma arma de aparência robusta. Era um revólver, ou pelo menos uma tentativa moderna de recriar um. Parecia uma Colt Python, mas com acréscimos metálicos que denunciavam alguma estranha modificação rúnica.
— Armas de fogo? — murmurou, mais como pensamento do que como pergunta. Ainda assim, Maria ouviu.
— Ah, os mercenários adoram essa bobagem.
Ana franziu o cenho, mas não com desaprovação — com curiosidade genuína. As engrenagens da mente giravam em silêncio.
— Consegue algumas pra mim?
— Conseguir, consigo. Mas se quer meu conselho… são bem inúteis. — Falava sem pressa, sem filtro. — Fracas demais pra monstros decentes. Nem com runa enfiada no cano. E munição? Pólvora tá cada vez mais rara. Quem ainda usa, geralmente é mais pra meter medo nos outros do que pra matar alguma coisa de verdade.
Havia ali um aviso não verbal. Algo entre “faça o que quiser” e “só não me envolva se der errado”.
— São pra estudo. — disse Ana, sem piscar. — Não precisa esquentar com isso.
— Tá bom então… — Maria deu um leve suspiro. — Com o resto dos ossos, te arranjo uma ou duas. São meio caras… serve?
Ana apenas assentiu, satisfeita. Era um começo. E como tudo desde que chegou na cidade — ou talvez nesse novo mundo —, um começo já era luxo suficiente.
— Serve sim. Conhece o Coroa de Ouro?
— A mulher das plantas?
— Essa mesma — Ana riu. — Pode entregar lá.
— Combinado! — respondeu Maria, já puxando o pagamento para si com a leveza de quem tira um peso literal e financeiro das costas. O rosto suavizou, e pela primeira vez naquela conversa, ela parecia confortável.
— Você também é uma mercenária?
— Nem a pau. — respondeu, rindo pelo nariz e dando um gole na bebida, como se só de ouvir a ideia já tivesse tido azia. — Já falei: meu lance é conhecimento. Informação, sabe? Crua, filtrada, disfarçada… do jeito que o cliente quiser. E ó, vale mais que espada, viu? Ter olho e ouvido no lugar certo resolve muito mais treta que músculo. E esse lugar aqui — bateu na borda da mesa — é onde as fofocas nascem.
Havia um orgulho velado em suas palavras, mas não um orgulho exibido. Ana preparava outra pergunta, impregnada por sua curiosidade a respeito do tema. A fala anterior já tinha deixado claro o bastante sobre o que Maria realmente era, mesmo sem colocar rótulos. Mas antes que pudesse aprofundar, dois guardas surgiram ao lado da mesa.
Não surgiram como quem invade — mas também não pediram licença. Apenas apareceram, cobrindo parte da iluminação da sala com seus corpos volumosos, criando o tipo de sombra que sugere que a conversa acabou.
— A Madame está te chamando. — disse o primeiro, em tom neutro demais para ser educado.
— Me chamando? — Ana arqueou a sobrancelha, o tom leve, mas alerta. — Não lembro de ter pendências com alguém que não conheço.
— Não foi dada uma escolha.
Ana pensou em correr, mas logo percebeu que havia guardas discretamente postados em frente a cada porta. Nenhum deles se movia, mas suas mãos descansavam casualmente sobre as empunhaduras de suas armas.
Ao fundo de um dos corredores, meio mergulhada nas sombras, estava a mulher que Ana tinha notado ao entrar: a figura que franzira a sobrancelha ao cruzar olhares com ela. Agora, observava com olhos firmes e postura imóvel, apoiada em uma espada embainhada com naturalidade assustadora.
Mas foram os olhos que realmente a prenderam. Eles brilhavam — sutilmente, sim, mas com intensidade controlada, como algo que vê mais do que deveria.
“São iguais aos da minha mãe… Uma leitora? Aqui? Achei que eram raras…“
Relutância e curiosidade duelaram por um momento, mas Ana sabia reconhecer quando estava cercada demais para discutir lógica. Fugir? Possível. Viável? Provavelmente não sem um pequeno massacre.
— Bom… vamos acabar logo com isso.
O guarda à esquerda — o mais robusto, com braços como pequenos troncos — assentiu com um aceno profissional e a guiou por entre as mesas, levando-a até uma porta de carvalho escuro, diferente de todas as outras. Os entalhes na madeira eram refinados, discretos, mas bem executados — formas que sugeriam poder sem a necessidade de gritá-lo. Claramente, ali começava outro mundo.
Ao se aproximar, ouviu uma voz de dentro. Firme, sem pressa.
— Entre e sente-se.
Ana empurrou a porta, sentindo o leve rangido das dobradiças — não um rangido incômodo, parecia proposital. Como se a porta quisesse lembrar que cada entrada ali deixava marca.
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