Capítulo 47 - Refração
*Essa é uma prévia da reescrita! Ainda está crua, sem o polimento final, mas logo ganha forma. Se notar algo fora do lugar, toda ajuda é bem-vinda!
Em geral, flechas não tinham grande utilidade quando o alvo decidia gentilmente reduzir a distância entre vocês em menos de três segundos. Júlia compreendia perfeitamente esse conceito e, após soltar sua última flecha numa tentativa desesperada de atrasar o inevitável, arremessou o arco de lado. Sua mão encontrou o cabo do martelo no exato instante em que percebeu a Sombra cravando os pés no chão, preparando-se para um golpe que seria, ao mesmo tempo, bruto e elegantemente simples.
A espada veio num arco horizontal quase preguiçoso, embora infinitamente mais rápido do que qualquer um gostaria. O martelo foi a primeira vítima, despedaçando-se em estilhaços metálicos como se não passasse de um acessório teatral feito para encenação dramática ao invés de uma sólida arma reforçada com mana de um fortalecedor rank F — Não que tal energia mirabolante fosse suficiente para compensar a diferença absurda entre os materiais.
Júlia observou o inevitável se aproximar com uma estranha clareza, até que uma cortina de sangue — seu sangue, para ser exato — começou a se espalhar no ar. Todos podiam ver o triste destino que esperava a garota, mas ainda não era motivo para desistir.
Um clarão repentino, cortesia da manipuladora do grupo, rompeu o cenário, atingindo a visão da Sombra com precisão surpreendente. Não era exatamente o tipo de coisa que derrotava uma inimiga aparentemente invencível, mas quando Alex avançou com sua lança, talvez mais por reflexo do que por confiança real, algo inesperado aconteceu: o golpe atingiu a mulher. Ele arregalou os olhos pela surpresa feliz e aumentou a força da estocada, fazendo a inimiga girar, interrompendo a trajetória fatal da lâmina que já trincara algumas costelas da arqueira.
Aproveitando o momento caótico, Ana puxou Júlia com força bruta, jogando-a para longe da ameaça imediata. Se sobrevivesse, a ruiva teria uma cicatriz impressionante — do tipo que rendia boas histórias em bares ou em momentos desconfortáveis de silêncio. “Marcas de batalha”, diriam alguns. Ana concordava plenamente com essa ideia. Cicatrizes eram, no mínimo, uma estética interessante.
Mas não havia tempo para filosofar sobre tal banalidade naquele momento. Com a visão também parcialmente prejudicada pelos flashes intensos — os quais fizeram Ana suspeitar seriamente que Marina estava aproveitando para testar técnicas de iluminação para alguma uma balada barata —, se lançou contra a inimiga. Sua faca traçou um caminho sinuoso e aleatório, como se tentasse confundir até mesmo a lógica, dirigindo-se diretamente ao plexo solar da mulher. Ana não podia negar, estava curiosa para saber se aquela figura imponente sangrava como qualquer mortal ou se o líquido que corria em suas veias era alguma substância mais apropriada a uma criatura daquela natureza irritantemente forte.
Só então, no ápice do movimento, viu aquele sorriso novamente. Antes que pudesse reagir, a mulher ergueu sua espada com uma só mão, bloqueando o golpe com uma facilidade que desafiava a física. Sob o braço oposto, a lança de Alex permanecia presa como um incômodo detalhe secundário.
Alex havia soltado a arma, felizmente o rapaz não era tão idiota quanto aparentava na maioria das vezes. Sem hesitar, ele avançou também, sabendo que qualquer espaço deixado livre seria a sentença de morte de todos. Marina continuava seu show particular de iluminação exagerada, renovando o clarão a cada momento oportuno.
Um corte veio de um lado, rapidamente seguido por uma defesa. Um chute desesperado quase acertou seu alvo, respondido por um desvio elegante demais para não ser irritante. A batalha prosseguiu num ritmo acelerado e confuso, como uma dança improvisada em que ninguém sabia exatamente os passos corretos. Finalmente, a Sombra pareceu se cansar do caos pouco organizado e saltou para trás no instante que teve um respiro.
Respirou fundo, e então sua espada foi lançada com força calculada e precisão cruel.
Todos ali sabiam para onde a arma tinha ido. Todos ali tinham uma ideia bastante clara do que aconteceria quando ela atingisse seu alvo. Nenhum deles, porém, podia se dar ao luxo de desviar o olhar para confirmar.
Infelizmente, ouvidos eram mais difíceis de fechar do que olhos, e logo o inevitável chegou em forma de sons: o baque seco do impacto, a resistência quase inexistente da carne perfurada, o suspiro abafado que escapou da vítima, e por fim, o cheiro metálico de sangue fresco enchendo o ar.
As luzes pararam abruptamente, devolvendo à cena sua tonalidade natural e sombria. A trilha sonora que soava baixinho durante a batalha também se extinguiu, deixando um silêncio desagradável pairar sobre eles.
Com o canto dos olhos, Ana percebeu lágrimas ameaçando escapar do rosto de Alex. Não o culpava, pelo contrário, sentiu um estranho orgulho pelo garoto: mesmo abalado, ele não hesitou sequer por um instante. Percebendo que a Sombra estava temporariamente desarmada, o jovem avançou em direção à inimiga, envolvendo-a num abraço desesperado, tão firme que talvez conseguisse ser confundido com afeto, não fosse a expressão de puro terror em seu rosto.
— Boa, garoto!
Aproveitando imediatamente a brecha criada pelo gesto inesperado do lanceiro. Com a faca em mãos, lançou-se na direção do pescoço exposto da mulher, decidida a acabar com aquilo em um único movimento.
A adversária não compartilhava dessa mesma visão otimista. Seu semblante permanecia calmo demais para alguém prestes a ter uma faca perfurando-lhe a garganta. Com um giro habilidoso dos braços, agarrou os pulsos de Alex. O som angustiante dos ossos cedendo sob a pressão ecoou pelo campo de batalha improvisado, arrepiando cada pessoa que ainda estivesse em condições de arrepiar-se.
— Caralho, já era! Não consigo mais segurar! Cuidado, Ana! — Alex gritou, em uma demonstração impressionante de dor e resistência, enquanto tentava inutilmente manter o aperto pelo máximo de tempo possível.
Não foi suficiente, é claro. Nunca era.
A mulher de armadura negra inclinou-se bruscamente para trás, escapando da lâmina no exato instante em que sentiu o frio toque do metal raspar sua pele. Alex caiu de costas, já incapaz de oferecer qualquer resistência. Com uma elegância quase insultante, a inimiga rolou para trás e levantou-se num salto, retomando o controle total da situação. Mas não avançou novamente. Em vez disso, tocou o pescoço lentamente, onde uma única gota escura e vermelha escorria vagarosamente pelo ponto em que a faca havia feito contato.
A Sombra observou aquilo com uma curiosidade genuína, levando lentamente o dedo aos lábios. O olhar de indiferença havia desaparecido, dando lugar a algo que lembrava bastante surpresa. Num silêncio tenso e desconfortável, circundou o grupo lentamente, parando ao lado da pequena manipuladora de mana perfurada por sua espada. Com suavidade desconcertante, retirou a arma do corpo ferido da garota. Marina suspirou fracamente em resposta, um sinal ambíguo entre a dor e o alívio.
— Essa faca… — a voz da mulher soou pensativa, quase distante, enquanto mantinha os olhos fixos em Ana. — Como a conseguiu?
Ana, por sua vez, mantinha uma postura firme, os pés posicionados em um ângulo cuidadoso que lembrava algum tipo de Eskrima modificado que aprendera décadas atrás. Segurava a faca militar com uma mão firme, lâmina inclinada levemente para baixo, como um predador prestes a avançar. O outro braço permanecia solto, pronto para bloquear, atacar ou desequilibrar o inimigo. O corpo todo dela parecia respirar com o ambiente, atento, preparado, letal. Aproveitava os poucos segundos de distração não apenas para recuperar o fôlego, mas para calcular — com frieza — o próximo movimento.
— Um amigo me deu — respondeu Ana com simplicidade, tentando não revelar a complexa mistura de emoções que essa pergunta evocava.
A Sombra ergueu ligeiramente uma sobrancelha ao ouvir a resposta, parecendo ainda mais surpresa.
— Um amigo, você diz… — repetiu lentamente, um tom quase divertido surgindo em sua voz macia. — Isso muda um pouco as coisas.
O complemento da resposta foi um chute de uma simplicidade intrigante. Qualquer preparação foi inútil perante a força bruta do movimento, lançando Ana violentamente contra as pedras. Ela caiu ofegante, sentindo os pulmões se recusarem a cooperar enquanto cuspia um doloroso jorro de sangue. Sua visão já estava se escurecendo nas bordas quando viu a mulher se aproximar, um olhar de genuína curiosidade no rosto pálido.
— Se o que você disse for verdade, peço desculpas — a mulher murmurou calmamente, parecendo realmente sincera — mas preciso levar essa faca comigo.
Ana quis responder algo especialmente sarcástico, talvez um “vá se ferrar”, mas infelizmente estava ocupada demais tentando não morrer. Começou a rastejar para trás num esforço desesperado, embora estivesse consciente da inutilidade do gesto.
Foi então que, quando sua visão turvou-se ainda mais, desapareceu.
A Sombra parou, confusa. Deu mais um passo à frente, mas Ana simplesmente não estava mais ali. Por um breve segundo de pura perplexidade, a mulher chegou a questionar se estava ficando louca, e então ela notou, com um sorriso irônico, a pequena manipuladora de mana ao fundo, com uma mão trêmula estendida na direção da luta.
— Não devia ter feito isso. Sério, estão me obrigando a fazer coisas que eu realmente não gostaria de fazer.
Preparando a grande espada, avançou contra Marina, mas algo à distância chamou sua atenção. Inesperadamente havia uma figura ali, movendo-se rapidamente para o interior das sombras da caverna que haviam apontado antes. A expressão sutilmente irritada da mulher sumiu imediatamente, dando lugar a um olhar extremamente afiado.
Olhou rapidamente para o grupo caído ao seu redor, medindo brevemente se valia a pena finalizar o que havia começado ou perseguir a figura misteriosa. Com um suspiro resignado, decidiu-se.
— Tiveram muita sorte hoje — murmurou secamente, girando nos calcanhares e correndo em direção à caverna sem mais hesitações.
Só quando a figura sumiu dentro da escuridão é que Marina deixou de ocultar Ana. O corpo agora desacordado da garota reapareceu no chão, imóvel, frágil, mas, ainda respirando.
— Alex! — chamou Marina, com uma voz quebrada, esperando ansiosamente uma resposta.
— Aqui… tô vivo. Acho — respondeu ele, gemendo com um esforço notável. Soava exatamente como alguém que preferiria não estar vivo naquele momento.
— Júlia?
— Ainda aqui — resmungou a ruiva, com sua habitual delicadeza, já lutando para ficar sentada. — Só minha dignidade que não sobreviveu.
Marina sorriu fraco, sentindo uma ponta de alívio, e virou-se lentamente para conferir Felipe. Pelo jeito, ainda estava inconsciente, mas respirava. Estava vivo, o que era uma vitória e tanto, levando-se em consideração as circunstâncias.
— Fico feliz que estejam bem… — A manipuladora sussurrou quase como um pensamento em voz alta.
— Tá brincando? Você é a mais machucada aqui, não tem que se preocupar com a gente — Alex reclamou, meio rouco, sem esconder a preocupação em sua voz.
Marina balançou a cabeça, sorrindo ainda mais suave enquanto caminhava lentamente até ele.
— Não, olha… eu tô bem, tá vendo? Foi só um corte, já tive piores.
— Mentir não é seu ponto forte, Mari — respondeu Alex, com um sorriso dolorido, deixando-se ser ajudado por ela para ficar perto de seu irmão.
Em seguida, Marina ajudou Júlia a se aproximar, enquanto a garota murmurava reclamações pouco educadas contra o universo em geral e aquele dia em particular. Ao chegarem perto de Felipe, a jovem maga respirou fundo, aliviada por finalmente poder relaxar por alguns instantes.
— Descansem um pouco, eu vou buscar a Ana.
Júlia levantou o rosto, protestando fracamente.
— A gente precisa sair logo daqui, Mari. Não podemos ficar parados assim.
— Não dá. Não temos como carregar dois inconscientes sem descansar primeiro. — Marina respondeu com firmeza, embora suas pernas já estivessem começando a tremer novamente.
Alex já estava praticamente dormindo, mal ouvindo a conversa. Júlia, cuspindo um punhado de sangue no chão, finalmente desistiu de discutir e fechou os olhos, afundando numa exaustão tão merecida quanto inevitável.
— Já volto — disse Marina baixinho, mais para si mesma do que para os outros.
Ela caminhou até onde Ana jazia caída, sentindo as forças lentamente abandonarem seu corpo. No instante em que alcançou sua líder e amiga, suas pernas cederam, e caiu ajoelhada no chão, sem forças para continuar fingindo.
— Obrigada por tudo, Ana… — sussurrou Marina, com a voz fraca e quebrada enquanto acariciava lentamente os cabelos da garota inconsciente. — Você me fez perceber que posso ser útil também. Eu fiquei feliz.
Sua expressão de dor se suavizou um pouco. Sabia que Ana não podia ouvi-la, mas precisava dizer aquelas palavras, precisava libertá-las de dentro do peito antes que fosse tarde demais.
Erguendo o rosto, Marina começou a cantar suavemente, sua voz um fio quase inaudível, carregada de melancolia e uma estranha esperança. Lentamente, a manifestação de mana que ainda ocultava suas próprias feridas se dissipou, revelando uma mancha escura e assustadora, repleta de pedaços irreconhecíveis pendurados no grande buraco que atravessava seu corpo.
Trouxe a cabeça de Ana para seu colo, e seu canto, apesar de mais intenso, foi diminuindo gradativamente, perdendo-se num murmúrio distante, enquanto seus olhos começavam a se fechar devagar. Um último suspiro escapou de seus lábios.
E então, silêncio.
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REESCRITA – TEMPORARIAMENTE SEM IMAGEM
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