Índice de Capítulo

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    O dia por ali era anormalmente claro.

    Isso não era exatamente ruim, mas fazia Ana ter que apertar os olhos, e isso a deixou de mau-humor. Ter acordado tão cedo também, mas não tinha o que fazer, afinal, aceitara o trabalho. Suspirou.

    Pedro animadamente tentara lhe apresentar aos outros “grandes” da cidade, mas a mercenária prontamente recusou. Não precisava se meter em assuntos que iam além do que já estava se metendo, logo apenas deu um aceno de longe e, ainda a contragosto, aceitou um grande livro de regras da cidade.

    O tamanho em si não era sequer digno de nota para a voraz leitora, então o abriu ali mesmo, mas foi forçada a desistir. Apesar de ler as páginas amareladas com um bater de olhos, como explicar isso para os que a encaravam? Tinha certeza que pensavam que estava apenas fingindo ler, sejam os rostos das altas cadeiras do salão ou seu próprio grupo, que nervosamente a esperavam logo atrás.

    Não estava com pique para tal conversa, então deixaria isso para quando estivesse sozinha.

    — Vocês são tão rigorosos mesmo com funcionários terceirizados? — perguntou enquanto se apressava para fora dali, tentando aliviar a tensão com um toque de humor. 

    Pedro sorriu como resposta, dando um assentir de cabeça que não ajudou em nada. Então, sem aviso, o taverneiro entrou na porta seguinte a qual acabara de sair. A transformação era gritante. 

    Diferente dos formais representantes, ali o cheiro de suor batia forte no nariz. O campo aberto era enorme, e, se não fosse por uma única sombra posicionada estrategicamente em seu centro, seria um local cruel de treinamento.

    — Corte essa maldita árvore. — A garota sentiu vontade de gritar, mas se conteve em um sussurro. Caminhou alguns passos, abaixou-se lentamente, tocou a areia do solo. Terra não batida. Tinha certeza que ninguém corria ali há meses. 

    Pedro, que ainda mantinha o silêncio, pensou em questionar. Depois, em protestar. No entanto, com o rosto levemente corado de vergonha, se virou para sair.

    — Irei cuidar disso pela noite. Boa sorte.

    Ana riu baixinho. Se ele tivesse reclamado, ela teria desistido do serviço imediatamente. Falta de disciplina dava um gosto ruim na boca. Não queria jogar suas frustrações para os outros, mas não conseguia suprimir o ódio nostálgico ao se lembrar de uma época em que era uma vagabunda exatamente igual aos supostos soldados, que, como baratas, se aglomeravam preguiçosamente no único ponto onde o Sol não batia. Dando um sinal para que o Ironia Divina a seguisse, se aproximou.

    “Não vai ser fácil…”, pensou a cada passo. Isso era bom, é claro.

     Não precisou dizer nada. Ou melhor, sequer teve a chance.

    — Então você é a merdinha que tá no comando?

    O homem, apesar das palavras duras, tinha olhos cinzas notavelmente confiáveis — cinzas e céticos. Seu português era dolorosamente perfeito — uma perfeição quebrada, adentrando profundamente no vale da estranheza ao se misturar um sotaque norte europeu onde claramente não deveria existir. 

    “Ele é forte.” Vendo músculos tão definidos, se destacando mesmo com o uniforme militar, entendia o motivo daquelas pessoas não sentirem vontade de treinar.

    Suas divagações foram interrompidas por um cuspe no chão, atingindo o solo seco logo ao lado das suas botas.

    — Espero que tenha mais a oferecer do que parece à primeira vista — continuou o homem, sacando uma espada de aspecto simples. — Vamos, muda, só o aço decide quem vai mandar em mim. 

    Ana não teve chance de falar, mas não se importou, gostou de imediato do pensamento simples do homem. Primeiras impressões seriam cruciais, então, acompanhando o sorriso que nascia em seus lábios, sua faca negra saiu com um som suave da bainha.

    — Está me desprezando? Pegue uma arma de verdade!

    — É o que gosto. — Ana deu de ombros. — Como se chama?

    — Markus. — A voz do grande homem, antes carismática, tornou-se fria, e em um salto, fez o primeiro movimento, avançando com passos pesados que ecoavam no chão de terra batida.

    Sua estatura imponente e músculos potencializados pela mana tornaram seus movimentos poderosos, embora um tanto desajeitados.

    — Ótimo, Markus. — murmurou a rainha mercenária, ao mesmo tempo que bloqueava um intenso golpe diagonal que fez pequenas nuvens de poeira se levantarem. — É um prazer. Me chamo Ana.

    A frase saiu em um tom jovial, mas seus dentes, como em outra realidade, se apertaram.

    “Ele não faz ideia do que está fazendo, mas ainda assim faz com tanta perfeição!”

    Seus dedos adormeceram com o primeiro impacto, e, mesmo confiante, teve que se segurar para não deixar a faca voar. Mal teve tempo de analisar seu oponente enquanto recuperava o equilíbrio, antes de precisar deslizar para o lado para desviar da espada, que como um raio, veio em direção ao seu rosto.

    Sentiu o calor da lâmina passar a centímetros de sua pele, ousava dizer que até mesmo o sabor metálico preencheu sua boca, mas não a tocou.

    — Forte, mas previsível — provocou de repente, aproveitando a abertura proporcionada pelo amplo golpe para fechar rapidamente a distância entre eles. Seguiu com um ataque rápido, sua lâmina vindo de baixo em um estranho ângulo que visava um ponto vulnerável na armadura do soldado.

    O homem apenas grunhiu.

    Com um rosto que não dizia muito, bloqueou o ataque com um movimento brusco de sua arma. O metal cantou em um som estridente ao se chocar, fazendo faíscas voarem para todos os lados.

    Os olhos de Ana finalmente se arregalaram, mas antes que perdesse o ritmo, voltou a atacar, empregar uma finta ao torcer o corpo para a esquerda, quando, em realidade, seu ataque viria do lado oposto. Markus a seguia de perto com seu próprio olhar ameaçador. Ajustou a postura de forma bruta, pronto para aparar novamente, mas ao perceber a verdadeira intenção de sua oponente, já era tarde demais. Mesmo tentando desviar com um salto, o aço frio da lâmina de Ana tocou levemente o tecido de sua calça, um corte superficial que talvez tivesse pouca importância em uma batalha real, mas com grande significado em frente a uma plateia.

    — Impressionante! — Admitiu ele, recuperando o equilíbrio. Seus olhos, inicialmente confiantes, agora mostravam um brilho de reconhecimento. — Mas insuficiente! 

    Aproveitando o momento, lançou um corte horizontal mirando o abdômen de Ana. A jovem milenar saltou para trás, com a grande espada cortando o ar onde ela estava no segundo anterior, mas antes que pudesse puxar a faca e preparar-se para o próximo ataque, Markus aumentou a pressão, dando uma série de estocadas rápidas que a forçaram a bloquear. 

    “Maldita mana…” A mercenária conseguia notar cada abertura e cada padrão nos ataques, mas a velocidade e a força dos golpes eram desafiadoras, lançando ondas de choque contínuas que adormeceram de seus pulsos até seus ombros. No entanto, ainda defendia. 

    Os segundos passavam como horas.

    As respirações de ambos os combatentes tornaram-se mais pesadas, o suor escorrendo pelas suas testas sob o sol escaldante. A grama sob seus pés estava agora marcada por botas pesadas e deslizes leves.

    Foi em uma pequena pausa nos ataques quando Ana finalmente conseguiu recuar, girando sobre seus calcanhares, sentindo o vento da lâmina passar perto de seu abdômen. O movimento chegou do nada, e Markus redirecionou sua espada em um grande corte vindo de cima, mas Ana, em meio ao giro, bloqueou por instinto. 

    A lâmina parou a milímetros de sua camisa e, por um momento, eles permaneceram trancados nesta posição, se encarando. O impasse, no entanto, durou menos do que Ana gostaria, pois seus músculos, de uma única vez, cederam contra a força do homem à sua frente.

    Em uma última tentativa desesperada, girou seu pulso visando desarmar Markus com um movimento ágil e preciso. 

    — Não é suficiente — Sussurrou o soldado, aumentando ainda mais a força do empurrão e finalmente lançando-a pesadamente contra o chão, um ponto final dramático para a demonstração. — Mas ainda assim você é excepcional, garota. É uma pena que sua força não a acompanhe. — sua fala, levemente ofegante, mas calma, cessou de repente, sendo substituída por uma gargalhada e uma mão estendida. — Se quer nos ensinar a lutar assim, nos ensine!

    Com um sorriso ainda maior do que antes, Ana aceitou a ajuda para se levantar.


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