Capítulo 40

O Visconde Gray ficava incomodado com o comportamento infantil de sua esposa, alheia aos seus amplos e profundos conhecimentos.

Era culpa dele por ter tido um caso no passado, mas ele já havia feito bastante para compensar.

Ele não tinha o menor sentimento pela criada e nem mesmo se incomodou em procurar por Kylo, que havia deixado a casa.

Desde então, ele só tinha olhos para a Viscondessa, fazendo o possível para agradá-la.

E, francamente, se Benjamin ou Bradley tivessem sido nomeados cavaleiros, não haveria razão para ele demorar a chamar Kylo.

Ele até estava enviando dinheiro para a família empobrecida dele.

Não era uma pequena quantia que entrava nos bolsos deles todos os meses.

“Mas como a esposa se atreve a faltar com tanto respeito à dignidade do marido!”

Embora Kylo fosse um bastardo nascido de sua infidelidade, ele era o único de seus filhos que pertencia à Ordem.

Então ela deveria se envergonhar de si mesma.

Benjamin, Bradley, o que vocês dois estão fazendo aqui?

Vocês criam seus filhos para serem tão inúteis e depois agem tão descaradamente na minha frente!

O Visconde olhou para a Viscondessa com olhos penetrantes e ordenou.

— Senhora, diga ao chef para preparar os pratos favoritos de Kylo na próxima vez. Quero que você cuide disso.

— …

A testa da Viscondessa se enrubesceu.

Ela estava precisando de toda a paciência para suportar isso agora.

E daí?

Já é ruim o suficiente que eu vá chamar aquele bastardo nojento da próxima vez, mas eu vou dizer para ele preparar a comida favorita dele?

Ele ficou louco?

A Viscondessa olhou para Kylo através da mesa, com os olhos cheios de raiva.

Ela ainda se lembrava claramente do dia em que seu marido tinha convocado o bastardo crescido do nada.

Ela tinha esquecido se ele estava vivo ou morto.

O dia em que a pequena rata bastarda fugiu.

A Viscondessa queria caçá-lo e matá-lo naquela época, de qualquer jeito, mas ela se conteve.

Foi o suficiente, pensou ela, que seu marido havia se desculpado. Ela tentou encobrir tudo com misericórdia.

Mas mais de uma década depois, a rata bastarda voltou, agora um mercenário renomado.

Até um membro dos Cavaleiros Negros.

Seu marido, que havia tentado de alguma forma fazer com que seus filhos mais velho e mais novo entrassem na Ordem, não queria mais os preparar.

Em vez disso, ele pegou Kylo e concedeu ao bastardo o sobrenome da família Gray.

Sem consultar sua esposa, sem pedir permissão!

A Viscondessa estava ressentida com seu marido, mas o Visconde a culpava.

— Não é surpresa que seus filhos sejam como são. Como você gastou tanto dinheiro e nenhum deles cruzou o limiar dos Cavaleiros! Se você os tivesse criado direito, isso não teria acontecido!

A Viscondessa ficou sem palavras.

Foi durante esse tempo que seu marido veio em seu auxílio, já que o relacionamento deles tinha se tornado difícil.

A Viscondessa teve que seguir os desejos de seu marido como um rato.

Então, Kylo foi promovido a capitão dos Cavaleiros Negros, levando o sobrenome Gray, e enviado para a guerra.

A Viscondessa rezou todos os dias depois disso.

Para que a humilde rata caísse nas garras do diabo e morresse.

Mas suas preces não foram ouvidas.

Kylo não apenas estava vivo e saudável, mas agora era o líder dos Cavaleiros Negros, com a princesa do Império como cavaleira subordinada.

A Viscondessa mordeu o lábio até quase sangrar e então respondeu lentamente.

— Entendo…

Ela queria morrer de humilhação, mas engoliu em seco.

Mas ela não perguntou a Kylo qual era sua comida favorita.

Ela não perguntou qual era a comida favorita dele, porque, na verdade, não tinha a intenção de fazer o que ele queria.

Satisfeito com a resposta obediente de sua esposa, o Visconde Gray sorriu.

— Muito bem. E a propósito, Benjamin. Bradley.

Os dois filhos levantaram os olhos, surpresos com o uso repentino de seus nomes por parte do pai.

— Sim, pai.

— Sim, sim… fala, pai.

Benjamin e Bradley se viraram para olhar para o pai com os olhos bem abertos.

O Visconde olhou para seus filhos e depois se virou para Kylo, que estava sentado ao seu lado.

— Eu me pergunto… como os três são tão diferentes quando são de minha própria carne.

Kylo era o cavaleiro consumado.

Ele era masculino e bonito, embora um pouco feroz, e tinha uma constituição robusta.

Benjamin e Bradley, por outro lado, eram muito magros e de ossos finos.

Eles tinham olhos escuros e afundados… não havia vida neles, mesmo depois de lavar os olhos.

Quando os sentou ao lado de Kylo, a comparação ficou mais clara e feia.

“Se não fosse por esse nariz de águia e a maçã do rosto que se parece com minha esposa… tsk tsk.”

O Visconde estalou a língua e lançou um olhar furioso para a Viscondessa.

Os narizes de águia e as maçãs do rosto salientes de seus filhos eram características que refletiam as da esposa.

Ele suspeitava que a criada que havia dado à luz Kylo havia cometido um crime, mas agora não tinha dúvidas.

Kylo era seu filho, seu sangue.

Ele se parecia mais com ele do que os filhos que a Viscondessa havia dado à luz.

— …

— …

Benjamin e Bradley trocaram olhares desconfortáveis.

Estranho que o pai os estivesse encarando intensamente e de repente lançasse um olhar furioso para a mãe.

Os rostos de Benjamin e Bradley escureceram.

O que diabos ele está tentando dizer…?

Estavam nervosos com a possível histeria do pai, mas as palavras que ele disse não foram tão ruins quanto esperavam.

— Arrumem-se, ambos. Vão ao alfaiate para ajustar suas roupas e suavizar a pele áspera com algum bálsamo precioso, entendido?

— Sim, sim… pai.

— Mas, por que de repente…? — perguntou Bradley cautelosamente, e o Visconde Gray sorriu satisfeito.

— Mais cedo ou mais tarde, seu irmão Kylo os convocará ao palácio imperial. Vocês precisam se preparar adequadamente para conhecer a princesa.

— Huh? A princesa?

— Huh…? Você se refere à princesa Agnes?

Os rostos de Benjamin e Bradley se iluminaram.

Princesa Agnes!

Eles a tinham visto em um baile ao qual tinham comparecido antes.

Era famosa por ser excêntrica, mas também era uma das mulheres mais bonitas do império.

Embora a tivessem visto apenas de longe, ficaram atônitos com sua beleza.

Mas vê-la pessoalmente?

E desta vez, de perto! Poder cumprimentá-la formalmente!

Oh, Kylo, como eles sentiram o estômago afundar ao ouvir que aquele bastardo se tornara o superior da princesa.

Benjamin e Bradley começaram a rir como se tivessem sido enganados.

A expressão da viscondessa suavizou ao perceber as intenções de seu marido.

“Você deveria ter dito algo antes…”

As palavras “seu irmão Kylo” eram perturbadoras, mas esse não era o problema agora.

A viscondessa se sentiu envergonhada por ser tão infantil e não compreender o significado mais profundo de seu marido.

— Mãe, eu não posso ir também ver a princesa?

Foi Molly, a filha mais nova do visconde Gray, quem falou.

Agora, com 14 anos, era uma adolescente em pleno desenvolvimento.

— Quieta.

— Por quê? Quero ir, e você pode me levar ao chá!

Ao ouvir a palavra “chá”, o rosto da viscondessa empalideceu por um momento.

O rosto do visconde Gray se contorceu em resposta à mesma palavra.

— Pensando bem, você ainda não recebeu um único convite para se juntar a eles, certo? Nenhum?

— … bem, isso é…

A viscondessa não era uma pessoa muito sociável.

Tentava fazer amizade com as damas de alguma forma, mas não era muito falante nem aduladora.

E, acima de tudo, as damas ignoravam a viscondessa Gray.

O visconde Gray era, aos olhos delas, apenas mais um cortesão vulgar.

Apenas Kylo Gray estava lá para reivindicar o sobrenome, e ele tinha fama de bastardo e de guerreiro cruel e terrível.

Era impossível que as damas permitissem que uma viscondessa assim se aproximasse.

Permitir que um bastardo entrasse na família em primeiro lugar, e ainda mais que usasse o sobrenome, estava além da compreensão delas.

E o fato de isso ter acontecido significava que a viscondessa não tinha poder sobre sua própria família.

Não havia razão, então, para que as damas quisessem estar perto da viscondessa.