Índice de Capítulo

    Quando Seol Jihu acordou, o sol já havia subido até o meio do céu. Apesar de estar acordado em teoria, ele não abriu os olhos. Primeiro, porque a dor de cabeça da ressaca cutucava sua testa com força, e segundo, porque uma sonolência onírica ainda pairava sobre ele.

    Vários pensamentos passaram fugazmente por sua mente. O tempo em que se ofereceu como carregador na taverna; os acontecimentos na Floresta da Negação e o espírito vingativo do túmulo; as mortes de Samuel, Alex e o restante da equipe; a fortaleza escondida no Vale Arden, a Princesa Teresa Hussey e Ian. E então…

    Sentindo-se como se tivesse acabado de acordar de um sonho longo, muito longo, Seol Jihu deixou escapar um leve suspiro pelos lábios. Ele abriu os olhos e viu a luz quente do sol preenchendo aquele quarto desconhecido. Tudo ali era estranho, inclusive as paredes brancas com rachaduras aqui e ali, assim como a cama em que estava deitado.

    — Ah. Certo.

    Sua confusão foi se dissipando aos poucos. Seol Jihu e os membros da Carpe Diem estavam comemorando na noite anterior, e fizeram-no virar um copo grande atrás do outro, e foi aí que suas memórias pararam. Alguém devia tê-lo carregado até aquele quarto.

    O importante era que agora ele fazia parte da Carpe Diem. Eles eram a única equipe em Haramark marcada pelo ‘Mandamento Dourado’, então era natural que ele estivesse bem satisfeito com esse resultado.

    Seol Jihu saltou da cama e escancarou as janelas. Pensava em aproveitar uma brisa refrescante enquanto apreciava a paisagem da cidade de Haramark, mas só conseguiu franzir o cenho com força diante do fedor de suor acre que permeava o ar.

    Seu estado atual não era motivo de riso. Ficara preso na selva por quase três semanas e não tivera chance de se lavar direito, nem uma vez sequer.

    Felizmente, ele descobriu um chuveiro no banheiro anexo àquele quarto em particular, então se despiu sem demora.


    Depois de esfregar cada parte do corpo com água fria, Seol Jihu agora se sentia bem revigorado. Vestindo roupas comuns, ele saiu do quarto apenas para perceber que não havia mais ninguém no terceiro andar.

    Desceu até o primeiro andar, por precaução, e finalmente avistou um rosto conhecido. Chohong, vestida com uma regata sem mangas e um short curto exatamente como da primeira vez em que a viu, estava ocupada se exercitando enquanto o suor escorria pelo seu corpo.

    Quando ele entrou cautelosamente na academia, Chohong virou levemente a cabeça presa em um rabo de cavalo na direção dele, ainda pendurada na barra de ferro.

    — Ah, você acordou.

    — É, agora há pouco. E você?

    — Acordei de manhã. Estava pensando em curar a ressaca juntos, mas você estava dormindo feito uma pedra, então saí sem te acordar.

    Agora que pensava nisso, havia uma cama extra no quarto. Devia ser da Chohong.

    — Se era café da manhã, você devia ter me acordado.

    — Café da manhã, uma ova. O melhor remédio pra ressaca é exercício, sabia? Além disso, você não aguenta nada de álcool, hein? Foi nocauteado rápido demais.

    — …

    — Relaxa. Você não deu escândalo de bêbado. Só dormiu quietinho que nem um bebê.

    Chohong sorriu de canto e retomou sua série de barras. Toda vez que a barra de ferro tocava seu peito, os músculos bem definidos de suas costas encharcadas de suor se contraíam para quem quisesse ver. O olhar de Seol Jihu ficou preso naquela visão hipnotizante.

    Ele tinha ouvido em algum lugar que o corpo feminino era supostamente muito mais difícil de desenvolver músculos, especialmente até aquele nível. Portanto, era evidente que ela devia ter se dedicado muito para chegar até ali. Quanto mais ele observava, mais impressionado ficava, ao mesmo tempo, achava tudo aquilo realmente belo de se ver.

    Chohong continuou e fez mais 50 repetições, sem perder a postura uma única vez. Depois de soltar a barra, pousou levemente no chão e começou a controlar a respiração.

    Seol Jihu deu uma olhada mais atenta ao redor com o coração acelerado. Não fazia ideia de quem havia montado aquela academia, mas, bem, tudo ali era de primeira. Pelo que ouvira, não só todo o primeiro andar, mas também os fundos do prédio e até o porão haviam sido convertidos na área de treinamento da equipe.

    “O que eu deveria começar fazendo?”

    — Ei, vamos subir. Já tá quase na hora.

    — Hm?

    Ao ouvir essas palavras do nada, Seol Jihu só conseguiu olhar em volta com uma expressão relutante. Chohong, por sua vez, esvaziou uma garrafa d’água de uma vez só e soltou um suspiro profundo.

    — Dylan disse que voltava até, no máximo, a hora do almoço.

    — Mas eu não vi ele lá em cima.

    — Ele vai aparecer. O Dylan é tipo um demônio, sabe.

    Chohong enxugou o suor do pescoço com uma toalha enquanto abria a porta de saída.

    Seol Jihu só conseguiu lançar um último olhar saudoso para a academia antes de também se virar para sair.


    Assim como Chohong dissera, os dois rapazes da Carpe Diem retornaram ao escritório enquanto ela tomava banho. Dylan carregava uma bolsa enorme nas costas, e Hugo trazia um item comprido embrulhado em tecido azul, com um sorriso escancarado aparentemente colado no rosto.

    Dylan falou com Seol Jihu assim que este se levantou do sofá.

    — Oh, ei, Seol. Acordou.

    — Ah, sim. Agora há pouco. De onde vocês estão vindo?

    — Usando uma analogia do Mestre Ian, fui buscar nossos ovos de codorna.

    — …Ovos de codorna?

    Dylan não disse mais nada e, depois de largar a bolsa, se jogou no sofá também. Remexeu os bolsos, mas logo ficou olhando para Seol Jihu com uma expressão um tanto aérea. O jovem riu e lhe entregou o maço de cigarros.

    — Droga. Valeu. Quando eu voltar pra Terra da próxima vez, vou comprar um caminhão disso e trazer pra cá.

    — Hehehe. Tô começando a gostar de verdade dessa marca, sabia?

    Hugo se meteu na conversa e roubou um cigarro sem a menor vergonha.

    — Ah, olha só. Vocês voltaram.

    Chohong saiu do banho nesse momento, com uma toalha molhada enrolada na cabeça. Em seguida, sentou-se ao lado de Seol Jihu.

    — Vocês demoraram. Achei que fossem ser rápidos.

    — Não teve jeito. Tivemos que passar por dois lugares diferentes, afinal.

    — Entendi, então tira logo o que trouxeram. Para de fazer suspense, vai?

    Chohong riu e esfregou as mãos com entusiasmo. Só então Seol Jihu percebeu que era hora de dividir as recompensas.

    — Certo. Primeiro de tudo…

    Clang!

    Dylan colocou uma bolsa robusta sobre a mesa de centro, e ela emitiu um som metálico bem agradável.

    — Como recompensa pelo reconhecimento da Floresta da Negação e pela participação na defesa da fortaleza, recebemos 850 moedas de prata. Samuel e a equipe dele se foram, então a parte deles está excluída. Incluindo a parte do Mestre Ian, dá 170 moedas de prata por pessoa.

    — Uau!!

    Chohong se levantou num pulo, depois se agachou de volta no sofá. Começou a fazer um grande alvoroço.

    — Sério? Isso é de verdade!?

    — A Família Real de Haramark é conhecida por ser generosa nas recompensas, mas dessa vez ainda deram um bônus.

    Keuh!! Aquela princesa sabe mesmo como tratar as pessoas!

    — E, além disso…

    Dylan tirou outra bolsa, dessa vez menor que a anterior.

    — Esta é a recompensa da Sicília. Conforme estipulado no contrato, cem moedas de prata limpinhas por cabeça.

    — 270 moedas de prata!!

    Chohong fechou os dois punhos e comemorou.

    Por outro lado, Seol Jihu não ficou tão impressionado assim. Kim Hannah já havia lhe dado cem moedas de prata logo de cara, então era um pouco difícil para ele compreender de verdade o valor daquelas 270 moedas.

    “Certo, as principais formas de moeda em circulação são moedas de cobre e de prata.”

    Agora fazia mais sentido. Não havia como Kim Hannah ter dado apenas uma quantia irrisória, considerando que ela distribuía centenas de milhões de won como se fossem troco.

    De qualquer forma, 270 moedas de prata se convertiam em 270.000 moedas de cobre. Pensando que mais tarde perguntaria quanto valia uma única moeda de prata, Seol Jihu aceitou em silêncio a bolsa de moedas que Dylan lhe entregou.

    — Então, vamos ao assunto principal?

    Dylan começou a tirar os bens funerários um por um da bolsa grande. Havia um total de dez itens que conseguiram retirar do túmulo. Chohong babava de cobiça, até que se lembrou de algo.

    — E o velhote?

    — O Mestre Ian disse que podemos escolher primeiro. Ele ficará com os dois itens que sobrarem.

    — Heh… Um Mago cedendo assim? Que surpresa.

    — Bem, ele é empregado da Família Real. Não deve estar exatamente passando necessidade.

    Dylan pegou um dos bens funerários. Era um item decorativo em forma de árvore feito com várias joias preciosas. As cores marrom, vermelha e verde se harmonizavam de forma belíssima e exalavam um esplendor radiante. O mais importante, no entanto, era o ‘fruto’ do tamanho de metade do dedo mindinho de um adulto no topo do enfeite, que atraía todos os olhares com um brilho dourado e sedutor.

    — Podemos escolher dois itens cada um, mas pessoalmente, gostaria que o Seol ficasse com este.

    Dylan olhou para os lados como se pedisse o consentimento dos companheiros. Chohong soltou um leve suspiro.

    — Ah, tudo bem. O moleque foi o que mais se esforçou, afinal. Concordo.

    — É, eu também!

    Hugo concordou rapidinho. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, Dylan separou a parte dourada da árvore de joias e entregou ambos a Seol Jihu.

    — Parabéns.

    Embora os tenha recebido por estarem sendo entregues a ele, Seol Jihu ainda se sentia um pouco confuso. Talvez por perceber isso, Dylan acenou com a mão de leve.

    — Não se preocupe e só aceite. Seja na expedição ou na batalha na fortaleza, estaríamos todos mortos se não fosse por você.

    — Ah, uh… Certo. Obrigado.

    — Ah, certo. Fiz isso por hábito, mas ainda assim. Um conselho pro futuro. Sempre que puder, é melhor vender o ouro e as joias separadamente. Não, espera. Se der, é melhor guardar o ouro.

    — Aquilo ali, você consegue pelo menos meia moeda de ouro.

    Hugo olhava para o tesouro com olhos cheios de inveja.

    Seol Jihu inclinou a cabeça e examinou a decoração dourada em forma de fruta. Agora que olhava de novo, até ele conseguia perceber que a parte dourada era a mais valiosa do tesouro. Mas, se ouro era tão valioso, por que ninguém trazia da Terra?

    “Deve ter um motivo.”

    Seol Jihu disse a si mesmo que perguntaria sobre isso depois e, por ora, focou na divisão do espólio.

    Não levou muito tempo para dividir os bens funerários. Além do que recebera logo no início, Seol Jihu ficou com mais um tesouro. Era uma pequena escultura em forma de flor feita de uma joia que exibia cinco tonalidades diferentes.

    Fora isso, todos concordaram que Hugo ficaria com a alabarda de Kahn, enquanto Dylan e Chohong dividiram o restante dos pertences dos falecidos entre si. As expressões de Chohong e Hugo estavam tão satisfeitas que os sorrisos em seus rostos pareciam não querer desaparecer tão cedo.

    — Parece que está na hora de entregar o último item.

    Seol Jihu achava que já tinham terminado, mas Dylan trouxe mais uma coisa. Era nada menos que o item misterioso embrulhado no tecido azul, aquele que Hugo carregava até pouco tempo atrás.

    — Seol, é seu.

    — ?

    — A Princesa Teresa Hussey nos encarregou de entregar isso, dizendo que é para o herói que a ajudou a defender a Fortaleza Arden. Então, por favor, aceite.

    — Aquela vadia maluca.

    Chohong esfregou os braços como se estivesse arrepiada. Seol Jihu desfez o embrulho azul como se estivesse sob algum tipo de feitiço, e logo deu de cara com uma lança de dois metros de comprimento. Seus olhos atônitos percorreram toda a extensão da arma.

    O longo e liso cabo da lança brilhava com um leve tom azulado, e das lâminas afiadas na ponta, era possível ver o ar gélido, branco como neve, girando ao redor. No geral, não era chamativa, e sua simplicidade era bastante agradável, na verdade, era exatamente isso que mais o agradava. Era como se estivesse olhando para uma lança esculpida com perfeição a partir de um bloco sólido de gelo.

    Quando segurou o cabo com delicadeza, a sensação de frio invadiu sua mão, mas durou apenas um instante; ele já sentia familiaridade com a arma, e a aura fria e revigorante correu imediatamente por seu corpo. Até seu cérebro parecia mais fresco naquele momento.

    — Uau…

    Dylan lhe entregou um papel, dizendo que era o certificado de autenticidade, mas Seol Jihu mal prestou atenção nisso.

    — Mas que porra?! Isso é uma lança mágica!?

    As sobrancelhas de Chohong dispararam para cima depois que ela mesma leu o certificado.

    — Dizem que ela tem magia de ‘Congelamento’ embutida. E também algo para purificar a mente de quem a empunha. Embora o efeito seja um pouco fraco.

    — O que deu na cabeça daquela princesa? Não, antes disso. Isso não é exagerado demais?

    — Parece que ela gostou mesmo do Seol. Ela até reclamou comigo, perguntando por que eu não o levei junto.

    — Ainda assim. Uma arma com duas magias diferentes…

    Chohong recuou o queixo e murmurou sem forças, mas Dylan apenas deu de ombros.

    — Bem, graças ao Seol, os soldados de elite do reino saíram completamente ilesos, então tem isso. Aposto que ela está mesmo grata.

    — Tô morrendo de inveja… Esse moleque agora não vai precisar se preocupar com arma nenhuma até chegar no Nível 4, pelo menos…

    — Para de babar nas coisas dos outros e cuida do seu próprio espólio, Chohong. Vai vender?

    — É claro!

    Chohong se animou em questão de segundos e declarou em alto e bom som:

    — Vou vender por um preço bem, beeeem alto!

    Hugo também estava cheio de energia.

    — Nesse caso, temos que ir até Scheherazade. O leilão é lá, afinal.

    Dylan riu como se já esperasse essa reação dos dois, antes de voltar o olhar para o jovem. Seol Jihu ainda estava encarando a lança, completamente absorto.

    — Seol?

    — …

    — Seol!

    — S-Sim??

    Voltando finalmente à realidade, Seol Jihu piscou os olhos e olhou para Dylan.

    — O que vai fazer? Em relação à sua parte dos bens funerários, e também tem aquela Prova de Castitas para considerar.

    — Ah, é mesmo.

    Seol Jihu rapidamente organizou os pensamentos e apontou para a escultura de joia em forma de árvore.

    — Vou vender só essa aqui. O resto vou guardar por enquanto.

    — Boa escolha.

    Dylan assentiu. A prova de castidade podia ser um artefato feito para Sacerdotes, mas mesmo assim, Dylan já estava preparado para tentar convencer Seol a não vendê-la, caso ele decidisse por isso. Por quê? Porque era um item bom demais para ser passado adiante.

    — Certo, então. Tem mais alguma coisa que precise guardar? Além dessas aqui?

    — Bem, tenho algumas…

    Ele ainda tinha os Elixires Divinos e o Estigma Divino. Não pretendia usar nenhum dos dois por enquanto, e sem dúvida, eram os maiores tesouros em sua posse, itens que precisava proteger com a própria vida.

    — Ótimo. Chohong, Hugo, vão se aprontando. Enquanto isso, Seol, traga eles.

    — Quer que eu traga?

    Dylan respondeu de forma simples à pergunta de Seol Jihu.

    — Tem um lugar que precisamos visitar primeiro.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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