Capítulo 123: O Navio Branco, a Âncora (2/2)
A noite caiu e passou, e agora já era bem depois da meia-noite.
O grupo armou acampamento um pouco afastado da Zona da Névoa Noturna. Se fosse possível, Seol Jihu teria preferido montar acampamento dentro da própria Zona da Névoa Noturna, mas a névoa se adensava à medida que a noite avançava, limitando muito a visibilidade. Eles podiam ter varrido todos os mutantes, mas nunca se sabia. Não havia motivo real para assumir um risco desnecessário quando podiam simplesmente evitá-lo.
A alvorada se aproximava em silêncio. Seol Jihu esfregou os olhos e se levantou de seu saco de dormir. Era sua vez de fazer a vigília.
Dois integrantes se revezavam para servir de vigia. Esse era o básico ao acampar fora na Zona Neutra. Quando saiu da barraca, encontrou Maria sentada diante da fogueira, mas ela já estava cochilando, prestes a mergulhar no mundo dos sonhos.
— M-mm, mm…
Ele se sentou com cuidado ao lado dela, e como se estivesse esperando por isso, ela deitou a cabeça em seu colo e se acomodou por completo. Um leve sorriso surgiu em seus lábios, mas logo se desfez.
Agora que tinha descansado um pouco, ele não se sentia tão ansioso quanto antes. Claro, isso não significava que a resposta havia simplesmente aparecido diante de seus olhos. Ele apenas fitava o fogo ardendo em silêncio, seus olhos acompanhando os arcos avermelhados desenhados no ar pelas chamas dançantes.
“O que eu deixei passar?”
Para ser honesto, Seol Jihu já havia meio que desistido de tentar desvendar esse mistério. Bem, muitos Terrestres notáveis já haviam tentado e eventualmente se renderam de mãos, e até pés, erguidos.
Ele não era a pessoa mais inteligente do mundo, tampouco possuía uma sabedoria construída por anos de experiência. De fato, era um erro se lançar de cabeça nesse problema alegando em alto e bom som que conseguiria resolvê-lo quando outros não conseguiram. A única coisa que o separava dos demais era seus Nove Olhos…
Talvez por isso ele não conseguisse simplesmente deixar isso passar. Porque com certeza havia algo ali. Não restava dúvidas. Suas suspeitas haviam se transformado em certeza depois daquele encontro com o chefe da vila.
“Será que eu devia voltar e ameaçá-lo ou algo assim?”
Seol Jihu só conseguiu rir amargamente da própria ideia idiota. Obviamente, ele não estava pensando em fazer isso de verdade. Não havia visto nenhuma cor de perigo vindo da vila, e o chefe também não demonstrava má vontade para com ele. O jovem não era tão cara de pau a ponto de forçar um homem solitário a dizer algo que talvez nem ajudasse em nada.
Por via das dúvidas, lançou um olhar para a névoa densa que cobria a zona, mas confirmou que nada havia mudado. Lentamente, umedeceu o lábio inferior.
“Cumpri o pedido, e mesmo assim não me sinto bem.”
Ele olhou para Maria em seu colo, seu rosto adormecido livre de qualquer preocupação, e de repente sentiu uma leve irritação. Então, beliscou de leve a bochecha dela, que ainda tinha um pouco de gordura infantil. Ela soltou um hing~! e virou a cabeça.
Um leve riso escapou de sua boca. Ele acariciou gentilmente sua cabeça, e ela sorriu e murmurou.
A respiração suave e constante dela lhe lembrava um gato doméstico.
— Haaaaaa…
“Argh, já não sei de mais de nada.”
Seol Jihu se deitou de costas também e voltou sua atenção para o céu acima. Uma lua branca e brilhante lançava uma luz azulada e pálida a partir do céu noturno limpo.
“Huh, é lua minguante hoje.”
Ao encará-la em silêncio, a meia-lua se parecia com um navio branco flutuando suavemente sobre o oceano negro sem fim. Absorvido por essa visão belíssima, ele ficou parado, encarando o céu, sem dizer uma palavra.
Quanto tempo será que se passou assim?
— ?
De repente, ele achou que sua visão havia ficado turva. Seol Jihu piscou várias vezes com rapidez.
— …O que foi isso?
A princípio, pensou que seus olhos estivessem pregando uma peça. Mas não, a partir de certo ponto, ele pôde ver claramente dezenas e dezenas de ‘linhas’ negras se erguendo em direção ao céu.
O fenômeno não acontecia perto dele; ele sequer conseguia ver direito do que eram feitas essas linhas, pois estavam muito distantes. Ainda assim, aquelas linhas negras perfuravam a névoa da noite e se esticavam em direção à meia-lua, como se tentassem desesperadamente alcançar o céu noturno.
Wooooooo…
Quase ao mesmo tempo, um chamado arrepiante ecoou de algum ponto dentro da névoa e, ao mesmo tempo, uma parte da Zona da Névoa Noturna mudou de cor para amarela. Arrepios percorreram seu corpo inteiro em questão de segundos.
— AI!!
Seol Jihu se levantou num pulo, e Maria gritou de dor ao ter seu doce sono interrompido pela cabeça batendo no chão.
— Q-Quê foi isso?!
A dor dela não era importante naquele momento.
— Era um navio branco! Um navio branco lançou âncora!!
No instante em que suas memórias chegaram até ali…
— Tô dizendo que um navio branco lançou dezenas de âncoras!!
Seol Jihu já estava correndo como um vendaval.
— Maria!! Acorde todo mundo e venha atrás de mim!
Depois de deixar essas palavras para trás, é claro.
Wooooo…?
Quando ele invadiu a Zona da Névoa Noturna, aquele uivo estranho começou a suavizar por algum motivo. As linhas negras que tentavam cobrir a meia-lua também recuaram para dentro da névoa, tal como um navio branco lançando suas âncoras.
Seol Jihu chegou ao seu destino num piscar de olhos e varreu os arredores com o olhar em puro desespero. No entanto, ele não conseguia ver nada.
Mas estava definitivamente ali! E mais, até mesmo a coloração amarela começava a desaparecer, retornando ao estado incolor anterior.
— Que diabos está acontecendo aqui?
Ele sentia genuinamente que, se perdesse aquela chance, não conseguiria encontrar outra tão cedo. Seol Jihu hesitou por um breve momento, mas, pressionado pelo tempo, correu até um pequeno monte logo ao lado. Pensou que, estando em um ponto mais alto, talvez conseguisse ver alguma coisa, qualquer coisa.
O monte não tinha nem seis metros de altura, e ele alcançou o topo em instantes. Olhou para baixo com os Nove Olhos ainda ativos e finalmente descobriu o fenômeno estranho acontecendo bem abaixo.
— A coloração amarela…
…estava desaparecendo? Seol Jihu estreitou os olhos. De fato, a cor estava ‘desaparecendo’, mas era completamente diferente de como isso normalmente acontecia. Costumava desaparecer como tinta se espalhando por outra cor e a mudando, mas aqui, ele viu um grande círculo amarelo encolhendo rapidamente até virar um pequeno ponto.
Do tamanho de uma casa, depois de um grande pedregulho, depois encolheu até o tamanho de um punho fechado, e por fim um pequeno ponto e então, desapareceu de vez, sem deixar nenhum vestígio de cor.
— Mas que porra…?
Ele murmurou para si, confuso, antes de inspirar várias vezes com força. Outros diriam que ele teve uma epifania repentina. Seus companheiros chegaram por volta desse momento.
— O que aconteceu?!
O grito alto de Maria trouxe Seol Jihu de volta à realidade. Antes que esquecesse aquele ponto, ele lançou outro olhar firme para baixo. Embora a cor já tivesse sumido, ainda se lembrava da localização exata onde ela estivera.
— O que está acontecendo?
— Não desapareceu.
— Hã?
— Percebeu que eu estava olhando, e foi para baixo. E é por isso que encolheu daquele jeito.
— M-Mas do que você tá falando?! Comeu alguma coisa estragada??
Maria franziu as sobrancelhas.
Mais uma vez, Seol Jihu não tinha certeza absoluta. Mas, se sua teoria estivesse correta, algumas perguntas seriam imediatamente respondidas. Por que só esse lugar era tão estéril, por que havia tantos buracos no chão, e então…
Seol Jihu puxou a lança quase por reflexo e golpeou o monte com ela.
Pak!!
O bloco endurecido de areia se desfez, espalhando poeira no ar.
Foi literalmente como um raio em céu limpo. Todos os membros da equipe encaravam o jovem ocupado esmurrando o monte com expressões atônitas. Apenas Chohong, após alguns segundos observando o jovem, hesitou antes de puxar sua maça.
— Eu realmente queria perguntar o que deu em você pra fazer exercício no meio da noite, mas é só bater nesse monte que nem você, né?
— Posso estar errado, mas tem que estar por aqui.
SLAM!
Com Chohong se juntando, o monte começou a desmoronar num ritmo bem mais rápido. E como o solo em si carecia de qualquer sinal de vida, também se desfazia com facilidade. Ela continuou a golpear o chão, mas ainda assim não se esqueceu de lançar um olhar de soslaio ao jovem, junto de uma pergunta.
— E por que estamos fazendo isso agora?
— Na vila, ouvi falar sobre ‘três tabus’.
— Três tabus?
— O som, as mãos acenando e pessoas vestindo roupas cinza. Ignorar esses três tabus, e você acaba em outro mundo.
— O som? Quer dizer, aquele Woooo~ de agora há pouco?
— Isso mesmo.
Seol Jihu concordou enquanto continuava a cavar o monte.
— As mãos acenando era só uma descrição figurativa.
— Hã?
— Acontece que eu vi. Algo abaixo daqui, sob a Zona da Névoa Noturna, às vezes se revela quando acha que não tem ninguém por perto. E quando detecta perigo, se esconde imediatamente. Quando você pensa nas características especiais dos mutantes, como o fato de não deixarem rastros, não é tão estranho que os outros não tenham notado sinais.
Seol Jihu se explicou num ritmo acelerado.
— E q-quanto às pessoas vestindo roupas cinza ou sei lá o quê?
— Não precisa pensar demais nisso. Lembra qual era a cor dos mutantes?
— Olha, eu realmente não tô entendendo nada do que você tá falando, viu?!
Chohong franziu a testa com força e desceu sua maça com bastante força. E então, aconteceu.
CRACK!
Sem qualquer aviso, a sensação de algo duro se rompendo foi transmitida pelas mãos dela. Chohong puxou a maça profundamente enterrada e piscou, atônita.
— Isso…?!
— A coisa é…
Os olhos de Seol Jihu agora brilhavam intensamente.
— Não era ‘outro mundo’ ou algo assim. Alguém inventou esse boato pra esconder alguma coisa.
Chohong o encarou ainda sem entender, e essa era a diferença entre alguém que apenas decidiu participar da missão e alguém que investigou tudo antes de vir até aqui.
— Não tentem cavar mais pra baixo. Em vez disso, vamos escavar os lados agora.
Os quatro Guerreiros canalizaram mana e começaram a cavar pelas laterais do monte, e não demorou muito para que a elevação começasse a parecer uma maçã com a lateral mordida.
Pouco tempo depois, o grupo encarava uma certa grande rocha que bloqueava firmemente ‘algo’, seus olhos cheios de surpresa.
— Caramba… Mas então, por que diabos isso tá aqui?
— Lembrem que a Zona da Névoa Noturna é uma região montanhosa. Ninguém acharia estranho ver outro ‘monte’ por aqui.
Quando Veronika perguntou, estupefata, Seol Jihu respondeu com voz suave.
— Alguém construiu um pequeno monte aqui para disfarçar a entrada, tudo isso para esconder alguma coisa.
— E-Eu, bem, eu não sabia. De verdade. Não vi nenhum sinal de alteração artificial por aqui.
Veronika gaguejou, tentando se defender.
— Isso era de se esperar. Este lugar foi selado muitos anos atrás, afinal. Como é algo pequeno, não teria levado muito tempo para algo feito pelo homem ser engolido pela natureza.
— Muitos anos atrás? Foi selado?!
Seol Jihu estava prestes a dizer ‘A pessoa que escondeu tudo isso foi muito meticulosa’, mas decidiu poupar o fôlego. Eles não entenderiam mesmo que ele explicasse agora.
— De qualquer forma, vamos tirar essa pedra do caminho primeiro.
Chohong e seu temperamento explosivo foram as primeiras a agir, mangas arregaçadas. Gierszal, Mikhail e Seol Jihu também se juntaram.
Hnnnng!
A rocha acabou emitindo um rangido pesado e foi empurrada para o lado, revelando uma caverna rochosa que estivera bloqueando todo esse tempo.
— Então…
Mikhail engoliu em seco, nervoso.
— …O segredo do mistério está adormecido dentro desse buraco, é isso?
Seol Jihu assentiu em silêncio. Agora ele tinha certeza. No momento em que essa entrada foi revelada, o ‘monte’ mudou sua cor de volta para amarelo. Ele também entendeu que o ‘incolor’ era o mais volátil entre as quatro direções.
— Ha! Isso é ótimo! Subir de nível resolvendo um mistério de uma vez por todas! Existe resultado melhor que esse?
Mikhail exclamou, empolgado, a cabeça já cheia de imagens de um futuro promissor.
— Ótimo! Muito bom! Líder, vamos entrar!
O grupo rapidamente reassumiu a formação anterior. Veronika bateu algumas vezes na entrada e até jogou uma pedra lá dentro, antes de assentir, satisfeita, e reassumir a dianteira.
Por um tempo, os seis caminharam por um corredor úmido e abafado que os levava cada vez mais para o subterrâneo. Ao fim do túnel rochoso, avistaram sinais de luz. O grupo avançou com cautela e se viu dentro de uma câmara subterrânea enorme.
O interior não era tão escuro quanto se esperava. Pedras iluminadoras estavam enterradas nas paredes aqui e ali, fornecendo a luz necessária. Esse era um dos indícios mais claros de que o local já havia sido tocado por mãos humanas.
Se houvesse um problema com esse lugar, seria o fato de não haver absolutamente nada ali, o que era estranho para um espaço tão grande. Tudo o que podiam ver era o teto, a cerca de quatro metros de altura, e um outro corredor no extremo oposto da câmara. Esse túnel subterrâneo transmitia uma sensação de solidão e abandono.
— Hm… Pode haver algo aqui, então vou dar uma olhada primeiro.
Veronika inclinou levemente a cabeça e avançou com cuidado.
— Isso não era o que eu esperava…
Seol Jihu murmurou para si mesmo.
— Ei, como você encontrou esse lugar? Eu não esperava que algo assim existisse aqui, sabia?
Gierszal perguntou com o rosto cheio de curiosidade.
— Ah, isso. Eu imaginei que houvesse um centro de pesquisas por perto de Ramman, sabe.
— Um centro de pesquisas?
— Li sobre isso no livro de história do Império. Depois que os Parasitas invadiram…
Seol Jihu prosseguiu explicando brevemente o que descobriu para o restante do grupo e suspirou.
— A vila de Ramman nem sequer foi mencionada, mas o Mestre Ian suspeitava que os mutantes eram resultado dessa pesquisa.
— Espera aí. Você não disse que o centro de pesquisas ficava no Ducado de Delphinion?
— É lá que o centro principal ficava, sim. Mas os centros satélites estavam espalhados pelas áreas rurais, então pensei que talvez houvesse um deles por aqui…
Seol Jihu não terminou a frase, mas Gierszal ainda assim assentiu.
— Então foi isso. Mas tá meio precário aqui pra ser um centro de pesquisas. Não parece ter nada de valor mesmo.
Ele tinha razão. Era nominalmente um local de pesquisa, mas não havia um único equipamento comum de laboratório por perto. Logicamente falando, não deveria haver ao menos um frasco ou algo semelhante? Nem uma mina abandonada estaria tão vazia. Considerando o nível tecnológico do Império, supostamente no auge da engenharia mágica, um lugar como esse não fazia o menor sentido.
“Será que o chefe da vila não estava mentindo?”
Foi então que Veronika terminou de vasculhar a área à frente e retornou ao grupo.
— Droga, não achei nada.
— Viu algo como pegadas ou algo do tipo?
— Bem, eu diria que este lugar foi definitivamente feito por humanos, mas…
Veronika balançou a cabeça.
— Não vejo nenhum tipo de vestígio aqui. Tudo que posso dizer é que ninguém pisou nesse espaço nos últimos três meses, no mínimo. Isso é o máximo que consigo deduzir. Desculpa.
O que significava que a única coisa restante seria a caverna do outro lado.
— Seria bom se houvesse algo lá dentro.
Veronika lambeu os lábios e assumiu novamente a liderança do grupo. Mas, justo quando estava prestes a guiá-los para frente, Seol Jihu arregalou os olhos e exclamou com atraso:
— Esperem!!
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