Capítulo 133: Eu Não Quero Viver Assim (4/10)
No dia seguinte.
Pela primeira vez em um bom tempo, Chohong parecia estar com o humor mais leve naquela manhã. Eles tomaram café da manhã juntos, e ela até participou da rotina de treinos matinais dele. Era como se, ao menos um pouco, estivesse pensando nele.
No entanto, aquilo durou pouco. Em algum momento da tarde, ela recebeu uma chamada através de seu cristal de comunicação pessoal e saiu correndo do escritório. Nem sequer mencionou para onde estava indo. Na verdade, estava tão apressada que Seol Jihu nem conseguiu pensar em pará-la para perguntar.
“Ela com certeza tá escondendo alguma coisa.”
Ele estava no meio de sua programação da tarde, mas resolveu interromper os treinos. Precisava de toda sua concentração para treinar habilidades e mana, afinal. Já era difícil fazer progresso mesmo focando cada fibra do corpo e da mente, e agora, com a cabeça cheia de pensamentos soltos, simplesmente não dava pra continuar.
“Será que devo visitar a Maria pra desejar melhoras?”
De qualquer forma, ele estava se sentindo disperso. Embora fosse pouca coisa, ainda se sentia um pouco culpado pela situação dela. Rapidamente, organizou o primeiro andar e saiu do escritório.
“Parece que quase terminaram a construção ali.”
Antes de sair de fato, percebeu que a obra do outro lado da rua estava quase concluída.
Seol Jihu parou em um restaurante local, comprou uma porção generosa de comida e bebida e foi até o templo da Luxuria. Quando pediu autorização para visitar uma das pacientes, a atendente ficou profundamente chocada.
— Veio visitar quem?
— Maria Yeriel.
— …Mas que coisa maluca. Até alguém como ela tem visita, é? Uau.
A mulher elegante, vestindo as roupas brancas de Sacerdotisa, murmurou para si mesma antes de levantar a mão. Um Sacerdote em treinamento que varria a entrada largou a vassoura e se aproximou do balcão.
— Leve este cavalheiro até onde está hospedada a senhorita Merda.
— Merda-ria?? Digo, a senhorita Maria? Entendido.
O aprendiz respondeu de forma educada e conduziu Seol Jihu.
O trajeto era diferente da última vez. Não seguiram para a ala residencial. Em vez disso, entraram mais fundo nos domínios do templo, onde o movimento diminuía cada vez mais. Após chegarem a um corredor escuro e apertado, o aprendiz confirmou o quarto e bateu na porta com cuidado antes de sair correndo dali.
— …
A mesma coisa tinha acontecido da outra vez, quando Seol Jihu foi guiado à área residencial. Por que todos saíam correndo depois de bater na porta? Será que isso era algum tipo de ‘bate-e-corre’ institucionalizado? Ele pensou em todo tipo de bobagem antes de erguer a voz:
— Senhorita Maria? Sou eu, o Seol.
Não ouviu resposta. Só escutou um som suave e sutil de chik, chik vindo do outro lado. Esperou um pouco antes de abrir a porta com cautela.
— Tô entrando.
Kiik…
Ao abrir a porta, deu de cara com um quarto surpreendentemente espaçoso. Estava tão limpo e arrumado que ele quase se sentiu culpado por tentar comparar aquele lugar ao antigo quarto da Maria. E então, seus olhos se voltaram para a cama branca, onde uma garota de estatura baixa respirava com dificuldade.
— Senhorita Maria?
Seol Jihu se assustou e correu até ela. Seu cabelo dourado estava completamente encharcado de suor. Um pano branco repousava sobre sua testa, e ela mal conseguiu abrir os olhos para encará-lo de canto.
— Seol…?
— Você tá bem? Tá com muita dor?
— O que você veio… fazer aqui? Espera, não me diga… outro favor…?
— Claro que não. Só vim te visitar e desejar melhoras. Só isso.
— …Me desejar melhoras?
A voz de Maria, que até um segundo atrás parecia à beira da morte, de repente ficou muito mais firme. E então, ao ver a comida que Seol Jihu trazia, a luz em seus olhos mudou na hora.
— Ah, eu tava preocupada à toa!
Swish!
Maria arrancou a toalha da testa e se sentou com pressa. Limpou o rosto com a manga da roupa e, em seguida, arrancou a cesta de comida das mãos dele.
Justo quando o rosto de Seol Jihu assumia uma expressão atônita ao notar o borrifador d’água sobre a mesa ao lado da cama, Maria parou de fuçar a cesta e perguntou:
— Cadê minha bebida? Você trouxe alguma?
— Você tá em recuperação, sabia? Então, sem álcool pra você. Mas eu trouxe um suco de frutas.
— Eiii, por acaso eu tenho cara de criança? Cadê o bom senso?!
— Ué, mas eu pensei que você fosse uma criança!?
— Para de falar merda! Tenho dezoito anos, tá legal?! Quem você acha que tá chamando de pirralha?
Seol Jihu pensou, por um instante: “Ah, então ela tem dezoito… Ainda tá no ensino médio, né”, antes de levar um choque mental gigantesco. Ela era equivalente a uma estudante do segundo ano do ensino médio sul-coreano, mas bebia como um marinheiro?
— T-Talvez seja porque você é estrangeira??
— Que diabos você tá falando agora?
Hng.
Ela bufou descontente e mordeu um pedaço de pão com força. Ver ela segurando o pão com as duas mãos e só movendo a cabeça pra um lado e pro outro enquanto mordia fez Seol Jihu lembrar de uma lontra comendo molusco. Nesse instante, achou ela até meio fofa.
Nom, nom…
As bochechas de Maria inflaram enquanto ela falava:
— Bem, ainda tenho que te dar um crédito. Quer dizer, você tirou um tempo pra vir até aqui, mesmo com a vida corrida que deve estar levando.
— Hã? Ahm, eu… Na verdade, eu vim meio que por causa de outras coisas…
O que ele queria dizer era que veio desejar melhoras e, também, tentar construir uma relação mais amigável com ela.
— Heh, por outros motivos, é?
Maria sorriu de canto enquanto mastigava.
— Espero que não esteja me tratando como um pensamento de última hora.
— Não, de forma alguma. Não quis dizer isso.
— Bom, acho que não tem jeito. A Carpe Diem deve estar no inferno agora mesmo, né… Nom. Força aí, tá?
Do nada, o que ela queria dizer com isso? O rosto de Seol Jihu empalideceu na hora. Mas Maria estava ocupada demais com o pão delicioso para notar.
— Já que você trouxe isso tudo, vou aceitar de bom grado. Tô melhor agora, então pode ir. Vi a cara da Chohong mais cedo, e olha… não foi brincadeira, viu?
“Chohong? Ela esteve aqui?” Seol Jihu ia perguntar do que Maria estava falando, mas ligou os pontos rapidamente. Era provável que ela soubesse de algo que ele não sabia. E parecia que estava confundindo outras coisas também.
— …Ahh, é que viemos separados. A gente combinou de se encontrar por aqui. Você sabe onde posso achar ela, por acaso?
— Provavelmente está no último quarto desse corredor.
Pelo jeito, Chohong estava bem perto. Seol Jihu se despediu, dizendo que precisava ir. Maria só levantou a mão e acenou. Assim que saiu do quarto dela, porém, seus passos ficaram mais apressados.
“O último quarto desse corredor.”
A porta do último quarto à esquerda estava entreaberta, e um filete de luz escapava pela fresta. Seguindo o instinto, Seol Jihu se aproximou em silêncio e espiou. Primeiro, percebeu que havia várias pessoas ali dentro.
Murmúrios suaves chegavam aos seus ouvidos. Mas seus olhos se fixaram em um único ponto. Uma mulher, deitada em uma cama de hospital. Talvez tivesse sentido o olhar dele, porque o olho esquerdo dela se virou e se fixou no de Seol Jihu. Naquele instante, ele até esqueceu de respirar.
— Hm? Agnes?
Cinzia viu Agnes olhando para a porta e também virou os olhos na mesma direção. Foi nesse momento que a porta se escancarou. Todos dentro da sala olharam para lá. Chohong, parada a um canto, levou um susto.
— O-O quê?!
— Senhorita Agnes!
Seol Jihu correu sem hesitar até a cama onde Agnes estava deitada.
O estado dela era realmente terrível. Mas o cheiro metálico e amargo de sangue era tão forte que a palavra ‘terrível’ parecia não bastar. Havia toalhas encharcadas de sangue espalhadas ao redor da cama, e o corpo inteiro de Agnes estava coberto por bandagens grossas. Até o rosto, com exceção do olho esquerdo, estava completamente envolto. Se não fosse por isso, ele nem a teria reconhecido.
O que, em nome dos céus, tinha acontecido com ela? Agnes era uma poderosa assassina de Nível 6 da classe Arqueira, a um passo de se tornar uma Ranker Única. Uma das figuras mais influentes de todo o Paraíso, até Kim Hannah a elogiava pessoalmente.
— Senhorita Agnes… Senhorita Agnes…
Como um robô com defeito, Seol Jihu repetia as palavras sem parar. Dava pra ver o que ele sentia só de olhar. Agnes desviou o olhar e soltou um gemido. Tinha se mexido só um pouco, mas as bandagens em seu pescoço logo ficaram tingidas de vermelho vivo.
— Quem diabos é esse cara?
— Pare. Ele não é um estranho. Esse rapaz também faz parte da Carpe Diem.
A segunda voz também era familiar. Ian, deitado em outra cama ao lado, ergueu o tronco e acariciou a barba com uma expressão amarga.
Ian também não estava bem. Só parecia um pouco melhor que Agnes.
— Mestre Ian.
— Como tem passado? E aí, conseguiu resolver aquele mistério?
Ian piscou para ele. Seol Jihu estava confuso demais. Não fazia ideia do que estava acontecendo. Enquanto isso, Chohong mordia o lábio inferior com uma expressão complicada. Ele lançou um olhar silencioso para ela por alguns segundos antes de desviar os olhos, esperando que alguém, qualquer um, explicasse alguma coisa.
Depois de um momento de silêncio pesado, Cinzia, de pé com os braços cruzados e os dedos tamborilando levemente no braço, soltou um longo suspiro.
— Acho que um pedido de desculpas se faz necessário.
Um pedido de desculpas? Bastou aquela palavra para que um pressentimento ruim tomasse conta de Seol Jihu.
— A Chohong não queria que você se envolvesse nisso, mas eu…
— Noonim!
— Silêncio, Chohong. Esse garoto também tem o direito de saber.
Cinzia rosnou com firmeza e estudou Seol Jihu com olhos de fera. Ele respondeu na hora:
— Por favor, me diga o que aconteceu.
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