Capítulo 150: Companheiros Estranhos (4/5)
Oitavo dia.
Seol Jihu caminhava com o olhar fixo no chão. Apenas andava, olhando para as panturrilhas douradas de Teresa à sua frente.
Talvez por não ter dormido direito há dias, a sonolência o atacava implacavelmente. Sua mente estava entorpecida. Seu corpo já não lhe pertencia. Ele bloqueava conscientemente todas as sensações e seguia em frente, sem planos, sem pensamentos, sem sentimentos.
E foi nesse estado que, de repente, as pernas de Teresa ‘subiram’ em seu campo de visão.
“Uh?”
Por alguma razão, seu corpo pareceu muito mais confortável. O solo esfarelado que pressionava sua bochecha parecia mais macio e aconchegante do que qualquer cama em que já dormira.
“…O que é isso…?”
De repente, ouviu uma voz chamá-lo. Sentiu que seu corpo era sacudido.
— Você tem que acordar!
“Acordar? Que estranho. Eu nem apaguei, sabia?”
— Vou te ajudar a levantar.
Sua visão automaticamente se ergueu. Sentia como se estivesse sendo puxado à força. Só então percebeu que havia desabado no chão.
E também viu algo enorme à distância. Seol Jihu continuou encarando em silêncio, com olhos turvos e desfocados.
“O que… é aquilo…?”
— Seol, aquilo é uma montanha. Uma montanha.
“Uma montanha…? Montanha… Uh…? O que é… uma montanha…?”
— Chegamos ao pé da cordilheira!! Se a gente cruzar isso…!
“A cordilheira… cruzar… uma montanha?”
Ele olhava, atônito, sem responder, e Teresa Hussey o observava com olhos preocupados ao lado. Não via nenhum traço de emoção por trás das pálpebras semicerradas dele.
— Ah…
Uns dez segundos depois, Seol Jihu abriu os lábios.
— Uma montanha… montanha… Isso… uma montanha…
Ele murmurava repetidas vezes, até que…
“Eu… desliguei o Nove Olhos…?”
…uma ruga se formou entre suas sobrancelhas.
“Por que não vejo nenhuma cor…?”
Seol Jihu tentou forçar as pernas a avançar. Mas, infelizmente, acabou desabando de novo assim que passou do sopé da montanha.
— Seol!!
Teresa correu até ele. O rosto dele expressava confusão, como se não entendesse por que tinha caído daquele jeito.
— Hah… hah, hah…
— Você está bem? Devemos fazer uma pausa?
— N-Não…
Seol Jihu usou a lança como apoio e se levantou cambaleando. Teresa tentou impedi-lo.
— Isso não vai dar. Vamos descansar, mesmo que só um pouco. Se continuarmos assim…
— Não, eu consigo… ainda consigo andar…
Pahng!
O som de ar explodindo ecoou de repente. Ele havia ativado o Brinco Festina.
— Tá vendo…? Eu consigo…
Ele formou um sorriso sem alma e tentou mover as pernas. Parecia caminhar normalmente, mas caiu de novo logo em seguida.
— Uh…?
Ao vê-lo cambaleando e balbuciando coisas sem sentido, Teresa Hussey mordeu o lábio inferior. Sua respiração era ofegante, sua pele, escaldante. Estava claro que seu corpo não aguentava mais.
Durante a marcha, pequenos sinais já haviam aparecido. Na verdade, ele ter conseguido suportar até ali já era um verdadeiro milagre. A maioria das pessoas teria desabado em menos de quatro dias.
Mas Seol Jihu havia resistido por oito. Com o corpo gravemente ferido, sendo perseguido dia e noite, e sem comer ou beber nada.
Todo ser humano tem seus limites. Mesmo com um físico abençoado e mana cultivada através de um regime árduo, ele não poderia aguentar para sempre.
Teresa arrastou o jovem imóvel e o deitou entre várias rochas que brotavam do chão.
— Fique aqui por um tempo, tá?
— …
— Vou procurar algo pra beber ou comer. Nem que seja seiva de árvore.
Quando voltou a si, a princesa não estava mais ali. Só o cantil e a lança jaziam no chão ao seu lado.
Ele permaneceu deitado, imóvel como um cadáver, antes de forçar o tronco a se erguer. Desejava com todas as forças apenas desmaiar ali mesmo. Pensava que, se estivesse inconsciente, pelo menos não teria que suportar aquela fome e sede, nem que fosse por um tempo. No entanto…
“Não posso mais ser um peso pra ela.”
…A menos que estivesse sozinho, apagar ali seria um grande obstáculo para ela.
“Preciso me levantar…”
Mas para isso, precisava de energia. Precisava de nutrientes para que seu corpo se movesse de novo. Um único gole de água, e talvez conseguisse seguir em frente. Foi então que o cantil entrou em seu campo de visão.
— …
Seol Jihu estendeu a mão com cuidado.
“Não é sujo.”
Independentemente do que fosse, aquele ‘líquido’ ainda era expelido do corpo humano. Com as mãos trêmulas, ele destampou o cantil e o inclinou sobre os lábios. O líquido agora frio escorreu.
Gulp, gulp…
Ele forçou o corpo a engolir duas vezes e, quase que imediatamente, sua expressão se contorceu de dor.
— Wuup… Wuuuork!!
Com uma tosse violenta, começou a vomitar. Apoiado com as duas mãos no chão, ele arquejou várias vezes. Sabia que era patético, mas por mais que tentasse, não conseguia se acostumar com o fedor acre e característico da urina.
— Keuh, heuh…
Quando os reflexos de vômito enfim cessaram, ele começou a soluçar. Mas nenhuma lágrima caiu.
Para falar a verdade, ele já quis desabar e chorar várias vezes ao longo daquela jornada. Mas não queria preocupar Teresa com demonstrações de fraqueza, então reprimiu tudo. Agora que estava sozinho, porém, o choro incontido enfim transbordou.
“Compromisso, uma ova…”
Esse pensamento o perseguia com frequência durante a marcha. Pensava que não devia ter vindo, que tinha se jogado naquela enrascada feito um idiota. Deveria ter escutado os outros quando tentaram dissuadi-lo. Mas sempre que pensava nisso, começava a se odiar. Sentia-se um fracassado patético.
— Keuk… Kkeuh…
Seus lábios tremiam em um choro abafado, mas nem lágrimas, nem muco saíam. Parecia que não restava uma gota de umidade em seu corpo.
Engasgou e sufocou por um bom tempo, até cerrar os dentes. Talvez por causa de todo aquele vômito e choro, sua mente antes enevoada finalmente recuperara o foco.
“Eu tenho que aguentar.”
Seu interior revirava sem parar, mas mesmo assim, mordeu o cabo da lança. Planejava conservar o máximo de energia possível e partir assim que Teresa Hussey voltasse.
— …
Porém, ela não voltava, não importava quanto tempo esperasse.
“Será que ela…”
Pensou, por um momento, que tinha sido deixado para trás. Mas logo afastou essa ideia. Teresa não era esse tipo de pessoa… Mas, mesmo se tivesse sido, ele também não poderia culpá-la.
“Preciso manter a mente afiada.”
Decidiu esperar mais um pouco e ativou os Nove Olhos.
“Hmm?”
Foi então que percebeu que algo estava errado. Não via cor alguma. As montanhas estavam completamente ‘sem cor’.
E então…
Frsh, frsh…
Até aquele momento tudo estava em silêncio, mas agora ouvia passos sobre folhas secas. Tentou se levantar, achando que era Teresa, mas parou de repente. Eram mais de um par de passos.
Varreu os arredores com o olhar e quase mordeu a língua. As montanhas ainda estavam incolores, mas a cor amarela se aproximava lentamente por trás.
“Parasitas??”
De novo. Aqueles malditos o estavam perseguindo de novo. Ele não fazia ideia de como conseguiam farejá-lo tão bem, mas aquela insistência era nojenta.
A cor amarela se aproximava mais e mais, passando vagarosamente pelas pedras salientes. Seol Jihu apertou a lança de gelo com força e encolheu o corpo o máximo que pôde.
“Continua… Continua passando direto…”
Orava fervorosamente em silêncio, mas então, os passos cessaram. Prendeu a respiração sem querer. Um silêncio sufocante tomou conta.
Sniff, sniff…
O som de algo farejando o ar, e então…
Woof, woof!!
Do nada, ele ouviu latidos furiosos.
Tap, tap, tap, tap!
E então, sentiu a presença inconfundível de várias criaturas correndo em sua direção. Instintivamente percebendo o quão ruim era aquilo, levantou o corpo.
Se fosse sincero, desejava de todo coração que fossem apenas lobos selvagens.
“Hah.”
Mas, infelizmente, quem apareceu foi um grupo de Parasitas. Seis criaturas humanoides, parecidas com múmias cobertas de lama pingando, e quatro lobos infestados de larvas.
“E a Princesa nem tá aqui…”
— …
Seol Jihu ergueu o rosto e encarou o céu, mesmo com os inimigos à sua frente. Era o tamanho do desespero que sentia naquele momento.
“Só… morrer?”
Por um instante, a ideia realmente o tentou. Ele tinha conseguido se levantar, mas não acreditava que venceria aquelas coisas. Então, em vez de gastar energia à toa e sofrer ainda mais, por que não enfiar a lança no próprio pescoço e acabar com tudo? Não seria melhor?
— Ainda assim, eu quero fazer tudo que estiver ao meu alcance para sobreviver.
Naquele instante, palavras ditas por alguém lhe vieram à mente. Não, não foi ‘alguém’, ele mesmo tinha dito aquilo.
— Vamos voltar pra casa. Vivos.
Quando se lembrou de Teresa, a tentação se dissipou.
“Vivo…?”
No momento em que baixou o olhar, com uma expressão vazia e distante…
“…É isso mesmo.”
…Seus lábios rachados se comprimiram firmemente.
Desde o começo, só havia duas opções: fugir ou lutar. Não importava qual escolhesse, ele simplesmente não queria morrer sem resistir.
Mesmo que morresse ali, se conseguisse eliminar ao menos um, já aliviaria a carga para a fuga de Teresa. Quando chegou a esse pensamento, a coragem brotou repentinamente.
Coof!
Tossiu seco. Seus olhos ardiam. Só de segurar a lança, parecia que o braço ia se desprender. Sua energia havia chegado ao limite há muito tempo, então lutar com destreza era impossível agora.
Apesar de tudo isso…
…Seol Jihu ainda se moveu. Nem chegou a pensar conscientemente nisso, mas sua mão direita segurou a esquerda e a colocou sobre o cabo da lança. Depois, a mão direita agarrou a extremidade da arma. A lança tremia, vacilante. Ainda assim, ele ergueu a ponta e mirou para frente.
“Se for só uma vez…”
Kiiiieeehh…!!
Com um grito agudo, os inimigos investiram com força. E ele também avançou, naturalmente.
Whoosh!
Reuniu até a última gota de força que restava e executou a Estocada, a mesma que havia treinado centenas de milhares de vezes na Zona Neutra.
Livre de todos os pensamentos e sentimentos, ele encarou em transe o inimigo que vinha contra si e lançou seu último ataque.
Num instante, o braço em forma de garra que se estendia e a lança que avançava colidiram violentamente.
Stab.
Ele perfurou algo. Mas, em vez de atravessar profundamente, parecia que apenas havia cutucado. Depois de finalmente conseguir empurrar a lança para frente, seu corpo começou a vacilar intensamente.
“Eu não aguento mais…”
Ele tinha reunido cada grama de energia até não restar mais nada. Como se soubesse que sua tarefa estava concluída, o pouco de força que ainda restava em seu corpo se dissipou por completo. No exato momento em que sentiu a exaustão irresistível tomando conta…
— ?
…Seus olhos se arregalaram.
Todos os Parasitas que avançavam sobre ele com intenções assassinas haviam congelado no lugar. Quanto à sua lança, estava saindo do peito de…
— …Hein?
Ele tinha perfurado, mas ela estava ‘saindo’? Algo não parecia certo. Ele olhou de novo e, de fato, a ponta da lança só tinha roçado no Parasita.
Finalmente percebeu que algo tinha dado errado. Mas, nesse instante, os Parasitas começaram a cair no chão um por um. Cada criatura caída tinha um florete cravado nas costas.
— Que diabos…?
Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, no entanto, suas pálpebras, que já ameaçavam se fechar, cederam de vez. Seus joelhos fraquejaram e sua cintura se dobrou. Seu corpo cambaleou perigosamente antes de desabar de forma impotente, como se anunciasse que não podia continuar.
Mas, pouco antes de cair no chão…
— Hm.
…Uma mão o segurou repentinamente pela nuca.
— Mesmo com o corpo nesse estado, ele ainda lutou até perder a consciência…
Quando aquela figura havia chegado? Uma silhueta vestida com um manto marfim estava parada atrás dele.
— Uma força de vontade rara para um humano.
O capuz estava abaixado, cobrindo metade do rosto, mas ainda assim, era possível ver seus lábios vermelhos formando um leve sorriso.
— Cuide dos restos e… junte-se a nós depois de apagar todos os vestígios.
A figura deu suas ordens e se virou para desaparecer em direção à montanha, arrastando o jovem inconsciente consigo.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.