Capítulo 163: Erro de Cálculo
A porta da cafeteria se abriu, e um jovem entrou. Depois de observar o ambiente com atenção, avistou uma jovem sentada junto à janela. Ela não estava com o usual terno cinza de negócios, mas sim com uma roupa semi-formal. Ainda assim, o rabo de cavalo preso com perfeição era uma marca registrada de Kim Hannah.
O jovem caminhou até ela com rigidez, mas Kim Hannah não reagiu. Estava de braços cruzados, pernas também cruzadas, encarando o vazio à sua frente com uma expressão impassível.
Como um criminoso com provas claras contra si, Seol Jihu sentou-se hesitante no assento à sua frente.
— Kim Hannah…
Chamou baixinho, mas ela nem sequer olhou para ele. Não dava para saber se estava distraída ou apenas o ignorando, mas os olhos dela estavam fixos no ar vazio.
Um silêncio pesado tomou conta do lugar. Seol Jihu abaixou a cabeça, um tanto envergonhado. A atmosfera era difícil de suportar. Preferia mil vezes que Kim Hannah o xingasse, como esperava que ela fizesse, mas havia algo diferente nela.
“Isso não é bom.”
Pensou em buscar o momento certo para amenizar o assunto, mas essa ideia se dissipou completamente. Por mais travesso e imaturo que fosse, ele sabia quando era hora de brincar e quando não era.
Justo quando começava a se preocupar que o coração fosse saltar para fora do peito…
— Pensei bastante sobre isso.
Kim Hannah finalmente começou.
— Você pode ter achado… que eu estava sendo super-protetora com você. Claro, não concordo com isso, mas entendo se foi essa a impressão que teve.
Ela continuou em voz baixa.
— Achei que estava fazendo o melhor pra você, mas acho que, no fim das contas, o que importa é como você viu isso. E, nesse sentido, te dar a esfera de comunicação foi uma atitude descuidada da minha parte. Usar meu status de protetora para interferir na sua vida ou para fazer você seguir meus desejos… pode ser que tenha pensado em mim assim.
Kim Hannah soava séria. Seol Jihu estava prestes a dizer: ‘Não, nunca pensei isso de você’, mas recuou quando a viu tirando um envelope branco da bolsa.
— Então.
Ela colocou o envelope sobre a mesa e apoiou a mão por cima. A mão dela tremia, como se estivesse prestes a empurrá-lo.
— Se você realmente quiser…
— Não.
Seol Jihu respondeu por puro instinto.
— O quê?
A voz de Kim Hannah soou afiada como uma lâmina.
— Eu não penso em você assim. Não agora.
Seol Jihu balançou a cabeça. Quando ativou os Nove Olhos, o envelope mudou de cor. Kim Hannah ainda era dourada, como antes, mas o envelope tinha uma cor amarelada e turva.
Era a primeira vez que Seol Jihu via um Mandamento Dourado com o Atenção Necessária.
— Estou sendo sincero.
Seol Jihu acrescentou rapidamente. Não sabia o que havia dentro do envelope, mas sentia com força que jamais deveria aceitá-lo. Tinha a sensação de que, no momento em que o recebesse, Kim Hannah desapareceria de sua vida.
— Você não pensa em mim assim, mas…
As sobrancelhas de Kim Hannah se ergueram. Pela primeira vez desde que Seol Jihu entrou na cafeteria, ela encontrou seu olhar.
— Ainda assim agiu daquele jeito?
Diante do olhar gelado dela, ele se encolheu como um sapo diante de uma cobra. A única coisa que o consolava era que a mão dela, que segurava o envelope, havia afrouxado. No entanto, ela ainda o mantinha sob a mão.
Tap, tap, tap.
Kim Hannah bateu no envelope com o dedo indicador antes de abrir a boca novamente.
— Como foi?
— Hm?
— Aqueles oito dias. Sua vida não correu risco só uma ou duas vezes… Foi divertido, né? Ficar ali na linha tênue entre a vida e a morte. Momentos eletrizantes, não foram? Ah, e você ainda tinha uma princesa linda ao seu lado, deve ter sido emocionante.
— Não diga isso desse jeito.
Seol Jihu sorriu amargamente.
— Tô errada? Se parecia que não ia dar certo, era só se suicidar antes de ser pego.
— Kim Hannah, eu sei que você está brava, e entendo o porquê. Não cumpri a promessa que fiz, então a culpa é 100% minha. Mas… não sou do tipo que gosta de encrenca. Não, nem é certo chamar o que aconteceu de ‘encrenca’. Eu não sou um psicopata que curte a morte.
O tom sério de Seol Jihu fez Kim Hannah franzir o rosto.
— Aquela experiência… foi um pesadelo. Era como se eu estivesse diante de uma muralha gigantesca, sem saída. Eu estava com fome, a garganta seca, o corpo gritava de dor, e nem conseguia dormir direito por causa da perseguição constante dos inimigos… Aquilo foi culpa minha, mas não foi só uma ou duas vezes que pensei em acabar com tudo, de tanto desespero. Sim, aqueles oito dias foram um pesadelo, um que eu nunca quero reviver.
Tap, tap.
O dedo de Kim Hannah ficou mais lento. Ela franziu as sobrancelhas.
— Então você não estava se divertindo? Pensa bem. Claro, pode ter sido difícil na hora, mas agora que passou, você não pensa diferente?
— Diferente como?
— Sabe… satisfeito, realizado, algo do tipo ‘eu sabia que conseguiria’ ou ‘foi uma boa experiência’.
— Isso não faz o menor sentido.
Seol Jihu deu uma risada, como se afastasse a ideia com a mão.
— Nem do meu tempo no serviço militar penso assim. E eu já disse o que senti. Nem daqui a dez anos vou pensar diferente.
— Mesmo? Você realmente não pensa assim?
— Você provavelmente não entende. Voltar vivo, comer, beber, dormir numa cama, e até conversar com você aqui… tudo isso parece um sonho pra mim. Estou feliz, mas às vezes, fico com medo de fechar os olhos e, ao abrir, me ver naquela situação de novo.
Tap, tap.
O ritmo dos toques de Kim Hannah diminuiu visivelmente. Ela analisava Seol Jihu como se estivesse tentando farejar um segredo. Sua expressão era claramente de confusão. Os olhos se estreitaram e, como se estivesse prestes a desistir, mordeu os lábios.
— Então o que é?
— ?
— Se não foi por isso, por que você foi? Dinheiro? Não, se ligasse tanto pra dinheiro, não teria me rejeitado antes. Foi por honra, então? Não, o Seol Jihu que eu conheço não é alguém obcecado por honra.
— …
— Então, se não é dinheiro nem honra, o que é? Eu simplesmente não consigo entender. Tudo bem, então. Se você tá dizendo a verdade, me prove agora.
Thunk.
Kim Hannah deu um chute na mesa e perguntou em um tom incisivo:
— Se algo parecido acontecer no futuro, o que você vai fazer? Já que sabe que é duro o bastante pra querer se matar, você não vai de novo, certo?
— Não, pode ser que eu vá sim.
— O quê?
— Tô dizendo que depende das pessoas envolvidas.
Seol Jihu respondeu com firmeza.
— Se for por um completo desconhecido, eu não vou. Não sou nenhum santo altruísta. Mas…
Ele fez uma pausa e encarou Kim Hannah.
— Se for você quem eu precisar salvar, então eu vou. Não importa o que tenha que fazer.
— Ha.
Kim Hannah o olhou como se tivesse acabado de ouvir a cantada mais absurda do mundo.
— Era pra eu ficar tocada?
— Não foi com essa intenção.
— Então me diz. Eu tô te perguntando faz tempo. Por quê?
— …
— Eu não sou da sua família, nem sua namorada. Sou só uma conhecida.
Era óbvio para qualquer um ouvindo que Kim Hannah ainda não compreendia.
— Então por que você diz que me salvaria? Qual o motivo?
— A Regra de Ouro.
Tap.
Os toques pararam. Vendo o dedo indicador de Kim Hannah congelado, Seol Jihu sorriu levemente.
— Porque você é meu Mandamento Dourado.
Kim Hannah o encarou atônita.
— E-eu não entendo o que isso quer dizer.
Ela balançou a cabeça e murmurou com a voz rouca. Seol Jihu então abriu a boca de repente.
— Lembra da primeira vez que nos encontramos?
— Do que você tá falando agora?
— Você me disse pra revelar meus segredos em troca do Convite.
Os olhos de Kim Hannah se arregalaram e sua boca se entreabriu.
— Você…
— Vamos dizer que isso é parte daquilo.
— Ei, é melhor você não tentar sair dessa com besteira aleatória. Tá dizendo que não pode me contar porque não confia em mim.
— Não fala assim. Pra começo de conversa, foi você quem se aproximou de mim pra me usar.
Seol Jihu disse, direto.
— Eu não tinha intenção de revelar meus segredos. Nem pra você, nem pra ninguém.
“Já que foi você quem me fez cair no poço do desespero naquele sonho.” Ele engoliu essa frase.
— Mas depois de ver como você me tratava, mudei de ideia. Ainda estou mudando. Estou debatendo se devo contar tudo ou não. Sinto que posso confiar em você, mas não tenho certeza. É uma luta constante.
Kim Hannah inclinou a cabeça. Olhou para o teto com uma expressão confusa.
— Não sei o que… Haa.
Por fim, voltou a olhar para ele e massageou as têmporas com as mãos.
— Enfim.
Seol Jihu continuou:
— A gente estabeleceu uma nova relação na última vez que nos vimos, e é verdade que fui eu quem quebrou nossa promessa. Não tenho nada a dizer além de ‘desculpa’.
Um longo suspiro foi seguido por um murmúrio: — Regra de Ouro… Regra de Ouro…
Logo depois…
— …Okay, acho que entendi.
— Kim Hannah?
— Cala a boca por um instante. Ainda tô organizando meus pensamentos. Então o que você tá dizendo é que você teve motivo pra participar daquela missão e que não tá viciado. Tá bom, tudo bem, entendi isso.
Kim Hannah murmurou com uma voz um tanto enfraquecida, então…
— Mas você precisa saber disso.
Ela entrelaçou os dedos e o encarou diretamente.
— Não existe incidente sem problema. Mas você não só procura os incidentes ativamente, como também entra neles com os dois pés.
— Isso é…
— Quieto. Sabe o que eu passei nos últimos dias? Você e eu estamos ligados por um contrato. Suas ações têm consequências que me afetam diretamente. Se são boas ou ruins, tanto faz. Eu prefiro não ser arrastada para coisas que não consigo lidar mais do que isso.
— Eu prometo. Algo assim não vai acontecer de novo.
— Bom, vamos ver. Eu não sou do tipo que acha que as pessoas podem ser moldadas ao meu gosto.
Kim Hannah foi direta, mas revelou uma expressão hesitante.
— Mas… olhando pra você agora, estou começando a mudar de ideia. Pelo menos, o Seol Jihu que tá aqui na minha frente não é o viciado em apostas que eu conheci. Certo?
— …Sim.
— Mas você ainda quebrou nossa promessa duas vezes. Eu odeio pessoas que quebram promessas de forma habitual mais do que viciados em jogo.
Kim Hannah se inclinou para a frente.
— Então… Jihu.
Ela segurou as mãos de Seol Jihu com firmeza.
— Não me decepcione mais do que já fez.
A pressão de suas palmas parecia dizer: ‘Não vai haver uma terceira vez.’
— Por favor, sabendo o quanto você me considera especial… Eu não quero ser uma raposa pra você também.
O apelido de Kim Hannah era Senhorita Raposa. Hugo até disse que ela era uma das Seis Malucas. E agora que Seol Jihu a observava assim, não achava que Hugo estivesse brincando. Ele assentiu lentamente, e só então Kim Hannah soltou suas mãos.
Ela lançou um olhar para o envelope branco sobre a mesa.
— …
Depois de um momento de hesitação, o pegou com cuidado. Seol Jihu engoliu seco, observando o envelope desaparecer dentro da bolsa dela.
“Então isso é o Mandamento Dourado?”
Trate os outros como você gostaria de ser tratado. Seol Jihu estremeceu ao se lembrar dessas palavras. Até então, só via o ‘Mandamento Dourado’ de forma positiva.
Trate os outros como ouro e você receberá ouro. Mas… e se tratá-los como lixo?
“Uma lâmina de dois gumes.”
Sentia que estava começando a entender o conceito do lado direito dos Nove Olhos. Tendo terminado de organizar a bolsa, Kim Hannah perguntou:
— Café da manhã?
— H-Hã?
— Você já tomou café da manhã?
O clima esfriou de repente. Seol Jihu soltou, sem querer, o ar que vinha prendendo. Coçou a cabeça e respondeu:
— Ainda não.
Depois de saírem da cafeteria, os dois seguiram para um restaurante. Kim Hannah o levou a um lugar sofisticado de samgyetang1 chamado ‘Palácio das Nuvens de Frango’ e acabou observando Seol Jihu comer com uma expressão de puro choque.
Nom, nom.
Slurp, slurp, slurrrrp!
Ele pegava o frango inteiro e o desmontava pedaço por pedaço. Kim Hannah jamais tinha visto alguém comer samgyetang como se fosse um prato de macarrão.
— Come mais devagar. Você vai acabar passando mal.
Quando encheu o copo vazio dele com água, Seol Jihu fez uma breve pausa e o virou de uma vez só. Kim Hannah balançou a cabeça, talvez sentindo culpa por fazê-lo ficar o tempo todo atento às reações dela.
— Eu não vou falar nada, então apenas coma. Coma até se satisfazer.
Em vez de voltar a atacar o frango, Seol Jihu pegou um guardanapo e limpou a boca.
— Tenho uma pergunta.
— O quê.
— Aconteceu alguma coisa?
— …Por que acha que aconteceu algo?
— Hoje, você tá um pouco mais histérica que o normal.
— His… O que você disse?
Os olhos de Kim Hannah se tornaram lâminas. Seol Jihu rapidamente mudou de assunto.
— Digo, você mesma disse antes. Que passou por alguma coisa há poucos dias.
Ao ouvir isso, o olhar cortante de Kim Hannah suavizou, sendo substituído por um ar amargo.
— Não é o tipo de coisa pra se falar enquanto come.
— Não se preocupe, isso não vai me tirar o apetite.
Kim Hannah estalou os lábios.
— É só que… eu encontrei alguém.
— Quem?
— A Primeira-Dama.
Seol Jihu estava prestes a dar mais uma mordida no frango, mas parou no meio do caminho.
— Primeira-Dama, quer dizer…
— Quem você acha? É a irmã mais velha da Yun Seora.
— Ela? O quê, ela te bateu ou algo assim?
— Ela não é desse tipo.
Kim Hannah riu e tirou um documento do tamanho de uma folha A4 da bolsa.
— Aqui, 252,5 milhões de won. Vendi por 500 moedas de prata.
— Vendeu o quê?
— O adorno que você me deu, seu idiota.
Seol Jihu deixou o frango cair.
— S-Sério?
— Aham. Já converti para moeda terrestre. Você entende por que, né?
Seol Jihu estava prestes a gritar: ‘É claro que entendo! Não é como se eu estivesse precisando de dinheiro no Paraíso!’. Mas se conteve e caiu em reflexão. Kim Hannah não parecia exatamente feliz com aquilo.
— Alguém roubou o dinheiro?
— Eu teria preferido isso, na verdade. Pelo menos assim eu teria alguma vantagem sobre a pessoa.
O que aquilo queria dizer? Seol Jihu não conseguia entender exatamente o que ela estava falando, então decidiu apenas ouvir por enquanto.
— O problema começou, na verdade, quando você gastou aqueles 100 milhões de won que eu te dei.
Seol Jihu tossiu na hora, e Kim Hannah caiu na gargalhada.
— Enfim, eu tinha planejado te dar esse dinheiro ao longo de três anos.
— Três anos?
— É. Como um salário, eu ia te dar 4 milhões por mês e o resto viria como bônus e benefícios.
Seol Jihu piscou várias vezes antes de exclamar:
— Ah!
— Você queria que parecesse que eu arranjei um emprego! Tipo o sistema da Sinyoung!
Aquilo era uma ótima notícia pra ele. Quando visitou os pais, disse que havia conseguido um trabalho. Mas a realidade era que ficaria sem palavras se eles começassem a fazer perguntas.
Se perguntassem ‘em que empresa você trabalha?’, ‘me mostra seu contrato’ ou ‘deixa eu ver sua conta bancária’, descobririam a verdade num piscar de olhos.
Mas com um emprego falso, tudo se resolveria. E considerando as habilidades da Kim Hannah, com certeza ela teria preparado uma fonte legítima para justificar os 100 milhões de won que lhe deu.
— Você é realmente esperta pra esse tipo de coisa.
Kim Hannah bufou com o elogio e continuou:
— É, eu queria arrumar uma fonte segura de dinheiro pra você e te dar um ambiente estável, pra que não precisasse se preocupar com a vida deste lado. Eu queria te colocar em uma empresa estrangeira de confiança, mas…
- sopa coreana de galinha e ginseng[↩]
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.