Capítulo 164: Você foi Bem, Jihu
Após ouvir a breve explicação de Kim Hannah, Seol Jihu não pôde deixar de ficar um pouco confuso.
— Para a Sinyoung?
Aparentemente, Kim Hannah tinha sido confrontada com as palavras: “Ele precisa mesmo ir para outra empresa? Traga-o para a Sinyoung.” Quem teria dito isso foi Yun Seohui, uma das executivas de mais alto escalão da Farmacêutica Sinyoung.
— Então… eu vou me afiliar à Sinyoung?
— Não necessariamente.
Kim Hannah girava os hashis na sopa de frango com ginseng, enquanto seu rabo de cavalo balançava no ar.
— Eu te disse antes, né? Que aqueles com autoridade para convidar Terrestres para o Paraíso têm o dever de desenvolver um ambiente seguro para essa travessia.
— Sim.
— Pense dessa forma. Nem mais, nem menos. Você disse que iria para o lugar que eu recomendasse, então a Sinyoung basicamente se ofereceu. Francamente, não é um mau negócio. Na verdade, é ótimo.
Pelo visto, a Sinyoung havia se adiantado sem que ninguém pedisse. Claro, eles não podiam forçar Kim Hannah a convidar Seol Jihu, tampouco obrigá-lo a aceitar a proposta.
— Certo, não há problema aparente…
Kim Hannah então pegou os hashis como se fosse quebrá-los ao meio.
— Mas ainda assim, me dá uma puta raiva.
Ela franziu as sobrancelhas e mostrou os dentes.
— Aquela vadia. Sabe o que ela disse? ‘Ah, senhorita Hannah, não acha que está sendo um pouco gananciosa demais?’ Vai se foder. O que ela tem a ver com as minhas coisas? Fui eu quem conseguiu aquele selo dourado, e sou eu quem tem contrato com você. Aquela puta desgraçada.
As emoções em sua voz ultrapassavam o nível da raiva e do ressentimento, chegando ao puro ódio e xingamento. Parecia que o orgulho de Kim Hannah tinha sido realmente ferido.
— Enfim, não tem nada de errado à primeira vista, mas você ainda precisa ficar esperto. Isso dá a eles um ponto de contato com você.
— Eu tenho mesmo que ir até eles? Você não pode simplesmente dizer que recusei a oferta?
— Não há razão para isso.
— Ué, você podia simplesmente dizer que é uma questão de preferência pessoal.
— É verdade, mas isso só criaria mais inimigos para você. E ainda me causaria problemas também.
— Mas…
Seol Jihu estava prestes a dizer ‘Mas por quê?’, mas engoliu as palavras. Seu rosto assumiu uma expressão um tanto abatida, quase impotente.
— Eu só estou tendo dificuldade de entender…
— Entender o quê?
— Eu… fiz algo errado?
Os olhos de Kim Hannah se arregalaram. Seol Jihu mexia na colher enquanto continuava.
— Por que todo mundo parece tão empenhado em me atacar? Eu… eu só queria salvá-los, só isso. Não tive outras intenções. É verdade que só fiz o que achava certo na hora, mas não é como se eu tivesse machucado alguém ou atrapalhado de alguma forma.
— …
— Eu só estou tentando cuidar da minha vida, e mesmo assim…
— É assim que o Paraíso funciona.
Kim Hannah o encarou com amargura e o interrompeu calmamente.
— O mundo não é tão simples e claro como você pensa. Mas posso te garantir uma coisa.
— Garantir?
Seol Jihu perguntou. Kim Hannah hesitou por um longo tempo antes de finalmente abrir a boca.
— Espere. Mesmo que você não faça nada, vai ter gente te xingando. Quanto mais famoso você ficar, mais ódio vai atrair. Alguns até vão te odiar. E não para por aí. Vai ter uma tonelada de gente tentando te usar.
— Mas… mas por quê?
Seol Jihu parecia visivelmente confuso.
— Porque você está tentando sair na frente.
Kim Hannah respondeu com um sorriso amargo.
— É assim que o mundo funciona.
Ela murmurou num tom baixo. E ainda não tinha terminado.
— E não é só aqui. Mesmo na Terra, tem milhares de situações que as pessoas não conseguem entender. Por exemplo, um serial killer que mata gente aleatoriamente. Os agressores não estão nem aí para as intenções das vítimas.
— …
— É só olhar para as celebridades. Claro, algumas merecem o ódio que recebem, mas tem muito mais que não merecem. Sabe por que haters deixam comentários maldosos ou atacam nas redes sociais? É simples. Porque estão infelizes, porque querem atenção, porque estão entediados, porque não gostam da aparência de alguém, porque querem brigar, porque sentem inveja. Tem motivos de sobra.
Seol Jihu ficou sem palavras. Ainda não conseguia compreender totalmente, mas também não sabia o que dizer.
— …Não se preocupe tanto com isso.
Vendo a expressão deprimida de Seol Jihu, Kim Hannah disse num tom de consolo.
— Você sabe quem eu sou, né? Eu sou sua protetora. Vou garantir que nada de ruim aconteça por causa disso, então não se preocupe.
Pelo jeito como falava, Kim Hannah parecia já ter um plano em mente. Seol Jihu assentiu com a cabeça, sentindo-se um pouco culpado. Não gostava de ver Kim Hannah correndo por aí para resolver os problemas que ele causava.
Após um breve silêncio, Kim Hannah voltou a falar.
— Enfim, chega desse assunto. Vamos mudar. Você.
— Eu?
— Achei que você fosse aprontar mais no Paraíso. Me surpreende que tenha vindo pra cá na hora certa.
Kim Hannah limpou a mesa e colocou uma grande cesta sobre ela. A cesta estava decorada com flores e uma fita, e dava para ver duas garrafas de vinho dentro. Seol Jihu percebeu na hora, só pelos rótulos, que eram vinhos de alta classe.
— Uau, o que é isso? Parecem caros.
— Dom Perignon, Rosé Vintage 2004. Nem é tão caro assim, cerca de quinhentos mil won por garrafa.
— Dom… o quê?
— Esquece isso. Aqui, escreve.
Kim Hannah lhe entregou uma caneta e uma carta simples, mas bonita. Quando Seol Jihu a encarou sem entender nada, ela murmurou como se estivesse olhando para um idiota.
— Você não sabe que dia é hoje?
— Não é meu aniversário, pelo menos. Ah, é o seu?
— Não, o meu é primeiro de agosto.
— Então… é um dia de comemoração por eu ter conseguido um emprego?
— Você tá louco?
Kim Hannah estreitou os olhos e soltou uma risada.
— Céus… você quer mesmo se reconciliar com a sua família?
Seol Jihu inclinou a cabeça. Seu pai, sua mãe, seu irmão mais velho e sua irmã mais nova… nenhum deles fazia aniversário em maio.
— Hoje é o aniversário de casamento dos seus pais. Casamento! Aniversário!
— Sério?
Os olhos de Seol Jihu se arregalaram.
— Como você sabe de uma coisa que nem eu sei?
— Ah, por favor, investiguei sua vida por meio ano. Além disso, como é que você não sabe do… não, deixa pra lá. Acho que esperei demais de um viciado em apostas.
Kim Hannah balançou a cabeça antes de jogar a caneta e a carta para Seol Jihu. Claro, ele não fazia ideia do que escrever. Na verdade, nem sabia se devia mesmo ir visitá-los.
“Eu preciso ir?”
De repente, ele se lembrou da última vez que os visitou.
— Para de desperdiçar meu tempo, tá? Você acha que vou cair nas suas mentiras de novo?
— Apostas em cavalos? Ou foi em esportes dessa vez?
Já tinham se passado algumas semanas desde então, mas pensar naquele dia ainda doía, como se uma faca lhe perfurasse o coração. E mais: aquilo o assustava.
— Anda, tá esperando o quê? Escreve. Quero ver o que você é capaz de colocar no papel.
— Hã, então…
Seol Jihu forçou um sorriso e abriu a boca com cuidado.
— Eu posso mandar isso pelo correio? Eu pago a mais pra chegar rápido.
Ao ouvir isso, Kim Hannah lançou um olhar fulminante. Seol Jihu se encolheu e rapidamente tentou se justificar.
— Quer dizer, hoje devia ser um dia feliz pra eles. Se eu for, só vou estragar o clima. Acho que nem vão me deixar entrar.
— Ei.
Kim Hannah franziu a testa e cruzou os braços.
— Se você tem cérebro, usa. Você já é considerado um lixo. Se colocasse no lugar dos seus pais, o que pensaria se o filho viciado em apostas enviasse uma cartinha pelo correio no aniversário de casamento? Acha que eles pensariam: ‘Ai~ nosso filho está cuidando da gente agora que está financeiramente estável~ Que menino bom~’0, é isso?
Seol Jihu não tinha resposta para a ironia dela.
— Pra sua família, você ainda é um viciado. Você não quer mudar essa imagem?
— …
— Fala.
— …Quero.
Seol Jihu respondeu quase num sussurro. Kim Hannah apontou com o queixo para a cesta.
— Então pega isso e vai até eles. Olhe nos olhos deles e peça perdão. Isso não é o mínimo que você pode fazer como filho?
Seol Jihu apenas umedeceu os lábios em silêncio.
— Tá de brincadeira, né? Você faz ideia de quanto tempo leva pra curar um coração ferido? Pedir perdão dezenas de vezes talvez não seja suficiente, mas… mandar pelo correio?
Kim Hannah bufou, como se tivesse ouvido a piada mais absurda do mundo.
— E vamos deixar uma coisa clara. Assim como você disse, pode ser que eles nem te deixem entrar. Você provavelmente vai estragar o clima se for. Mas isso não significa que não deva ir. Você não quer ir porque sabe como eles vão te tratar. Tá fugindo deles.
Seol Jihu ficou atordoado com o turbilhão de verdades jogadas por Kim Hannah.
— Não, não é isso…
— Você é mesmo um bastardo, né? Depois de deixar tantas feridas, agora tá com medo de levar bronca? Fala sério.
— Ei.
— O quê? Acha que tô exagerando? Quer que eu pare? Beleza, faz o que quiser. A família é sua, não minha.
— …Tá bom, tá bom, entendi.
No fim, Seol Jihu cedeu e pegou a caneta. Ao vê-lo com a carta na mão, Kim Hannah bufou de novo.
— O que importa é que você vá vê-los. E escreve cada palavra com cuidado. O que cura um coração ferido não é o tempo nem remédio. É sinceridade.
— Eu sei…
Seol Jihu fez um biquinho com o lábio inferior, mas começou a mover lentamente a caneta. Ao vê-lo quebrando a cabeça para encontrar as palavras certas, Kim Hannah sorriu discretamente.
Ela tinha preparado tudo com antecedência para o encontro. Já tinha respostas prontas para qualquer pergunta que os pais dele pudessem fazer, incluindo informações sobre a ‘empresa’ que o contratara e a origem do dinheiro que ele havia recebido. Até um terno ela separou para ele vestir.
Claro, não era um novo. A gola da camisa social estava frouxa e o paletó tinha cheiro de roupa guardada há muito tempo. Em resumo, era o traje típico de um funcionário comum que fazia hora extra todos os dias. Era exatamente essa a imagem que Kim Hannah queria transmitir: a de um trabalhador esforçado.
“Será que precisava ir tão longe assim?”
Seol Jihu não pôde deixar de pensar, mas ainda assim fez tudo conforme ela havia orientado e esperou o momento certo para ir.
O sol já estava se pondo, tingindo o céu com tons de laranja. Já passava das sete. Ele propositalmente evitou ir durante o jantar. Sabendo como eram seus pais, tinha certeza de que estariam fazendo uma refeição especial para celebrar.
Em vez de chegar antes do jantar e dificultar a digestão deles, ele julgou que seria melhor esperar até que já tivessem comido e digerido a refeição.
“Calma, coração, por favor.”
À medida que os prédios familiares surgiam à vista, seu coração batia com mais força. Ele já havia sentido isso uma vez, mas agora o medo voltava com força, como uma onda avassaladora.
Ele sabia o que o aguardava, mas não conseguia deixar de ter um fio de esperança.
“Não espera nada, não espera nada.”
Repetia isso no coração como se fosse um feitiço. Logo, chegou ao seu destino.
Abriu cuidadosamente o portão principal e subiu as escadas. Suas pernas se moviam rápido no começo, mas, ao chegar diante da porta, desaceleraram até parar.
Com uma pasta numa mão e a cesta preparada por Kim Hannah na outra, Seol Jihu encarou a porta fechada por um bom tempo. Seu coração, em vez de se acalmar, acelerava ainda mais. Começou a se preocupar que ele fosse saltar do peito a qualquer momento.
— Huuu…
Bateu no peito algumas vezes e, após muito hesitar, apertou a campainha.
Ding, ding.
O som fez um arrepio percorrer sua espinha, como se fosse o toque de início da sua execução.
Uma sensação de enjoo começava a se formar no estômago quando…
— …
O toque cessou. Ele apertou de novo, mas não ouviu nenhum som de passos. A porta continuava fechada.
“Eles saíram?”
Dado o contexto, fazia sentido se tivessem saído para jantar fora. Ao pensar nisso, o ar pareceu deixar seu corpo, e um certo alívio o invadiu.
“O que eu faço?”
“Deveria esperar? Ou apenas deixar a cesta ali?”
Seol Jihu andou de um lado para o outro no corredor por dezenas de minutos, até decidir deixar a cesta diante da porta.
Colocou a carta que tanto se esforçou para escrever entre as flores e virou-se para ir embora. Foi então que…
— Haha…
— É, então eu…
Ouviu vozes animadas vindo à distância.
— Quase fiquei decepcionado quando você disse que não poderia vir.
— Desculpa, aconteceu algo de repente…
As vozes se aproximavam rapidamente.
— Conseguiu resolver tudo?
— Sim, felizmente…
E logo chegaram ao portão principal.
— Ah.
Quando Seol Jihu saiu do transe, eles já estavam entrando. Por algum motivo, ele procurou um lugar para se esconder. Mas, claro, não havia onde.
— Ué, por que o portão está aberto…?
— Você não fechou quando saiu, Oppa?
— Fechei.
— Espera, será que alguém veio?
Seol Jihu começou a descer as escadas quando deu de cara com eles. No momento em que os seis pares de olhos pousaram sobre o jovem, a conversa animada cessou por completo.
Quem falou primeiro foi Seol Jinhee.
— Mas que porra? O que esse filho da puta tá fazendo aqui?
O tom seco doeu. Seol Jihu ficou tão surpreso quanto eles. Ele meio que suspeitava que isso pudesse acontecer, mas mesmo assim ficou abalado ao ver que, além de seu pai, mãe, irmão mais velho e irmã mais nova, Yoo Seonhwa e Yoo Seunghae também estavam presentes.
Os seis pareciam ter voltado do jantar. Como não esperava encontrá-los desse jeito, apenas ficou parado, atônito. Vendo isso, um homem de meia-idade com a pele morena abriu levemente a boca.
— Você.
Mas isso durou pouco. Seu rosto logo se contorceu, e ele fechou a boca imediatamente.
— …Kuhum!
Lançou um olhar cortante ao jovem e subiu as escadas pisando forte. Depois disso, não o olhou mais, muito menos falou com ele. Ignorou propositalmente a cesta na porta e digitou a senha do cadeado eletrônico.
— Filho?
Quando o jovem já se sentia como um peixe fora d’água, uma voz nostálgica chegou aos seus ouvidos. Sua mãe o encarava com um olhar encantado.
— M-Mãe.
— Aigo, aigo, meu filhinho…
Ela subiu as escadas cambaleando e estava prestes a segurar sua mão quando o pai escancarou a porta e gritou:
— O que você tá fazendo!? Entra logo!
Assustada, a expressão da mãe se distorceu.
— O que você tá fazendo?
— Como assim o que eu tô fazendo? Por que não pergunta pra esse desgraçado!?
Quando o pai de Seol Jihu saiu e começou a se aproximar com o punho cerrado, a mãe rapidamente se colocou entre os dois.
— Calma. Ele veio nos visitar.
— Visitar? E daí!?
— Querido, você não percebe que o Jihu tá todo retraído desde que chegou? Como você consegue ignorar ele assim… Não sente nem um pouco de pena?
Ha!
Ele soltou um riso alto e debochado.
— Você que é o problema. Quantas vezes já foi enganada? Ainda não entendeu? Esse bastardo não é um ser humano. É lixo. Pior que um animal.
O clima piorou num piscar de olhos. Talvez pelas vozes alteradas, Yoo Seunghae se escondeu atrás da irmã, e Seol Jinhee observava a cena com um sorriso satisfeito.
Cada um reagia de forma diferente, mas uma coisa era certa: todos olhavam para Seol Jihu com olhos que diziam claramente: ‘Por que você veio?’
“Era por isso que eu não queria vir.”
Diante dos olhares de desprezo e sendo massacrado por palavras duras, Seol Jihu fechou os olhos com força. Seu pai e sua mãe ainda discutiam.
— Ele disse que largou o jogo e está se esforçando agora.
— E você acredita nisso? Ah~ A proibição nos cassinos? O Seorak Land não é o único cassino da Coreia. É óbvio o que ele está fazendo. Precisa que eu desenhe?
— Para com isso, por favor!? Ele já pagou o que devia. Ainda veio nos ver com um presente sabendo que era nosso aniversário. Pelo menos devíamos ouvi-lo.
— Pagou o que devia? Quer falar de dinheiro? Beleza.
Thud!
A porta se escancarou. Passos pesados ecoaram, e algo atingiu o rosto de Seol Jihu.
— Eup!
Seol Jihu abriu os olhos e viu um envelope caindo com um maço de dinheiro dentro.
— Seu desgraçado!
Seu pai gritou, apontando o dedo para ele.
— Acha que está tudo resolvido só porque devolveu o dinheiro? Quer voltar a agir como se fosse nosso filho?
— P-Pai.
— Cala a boca! Não me chame de pai. Não me lembro de ter um filho bastardo como você!
O rugido ensurdecedor fez sua esposa se encolher. Seol Jihu abriu a boca, tentando falar com calma.
— Pai, me desculpa, eu…
— Eu disse pra calar a boca!
Gritou como se não quisesse ouvir uma única palavra. Mesmo depois de todo o escândalo, sua raiva não diminuía, e sua respiração só piorava.
— Você. Eu te falei, não falei? Que nunca mais fizesse algo que te obrigasse a pedir desculpas ou se justificar.
O tom de voz ameaçador fez Seol Jihu fechar a boca.
— F-Filho da puta sem vergonha. Você acha que o problema era dinheiro? Que está tudo resolvido só porque jogou um envelope de dinheiro aqui sem nem dar uma explicação decente!? Hein!?
— Pai…
— Eu falei pra calar a boca. Se ousar abrir a boca de novo, eu arrebento você.
— Querido!
— Agora dá o fora! Não quero te ver nunca mais!
Eii!
Depois de um grunhido alto, o pai de Seol Jihu deu meia-volta e entrou pisando forte. A mãe correu atrás, implorando. Logo, os gritos voltaram a ecoar, e Seol Jihu mordeu os lábios tomado pela culpa.
“Eles deviam estar se divertindo. Eu não devia ter vindo.”
O silêncio caiu pesado. Seol Wooseok, que observava a distância, coçou a nuca. Olhou para o irmão mais novo parado como uma estátua e então falou:
— …Você veio do trabalho?
— …Hã? Ah, sim, eu… vim.
Seol Jihu assentiu, ainda atordoado. Talvez fosse só impressão, mas a voz de Seol Wooseok parecia um pouco mais suave.
— Você devia ter vindo um pouco antes. Fomos naquele lugar que você gosta.
— Bong Pyeongyang?
— É. Você adora o naengmyeon de lá.
— Ah… bem, se eu tivesse vindo antes, provavelmente vocês nem teriam conseguido comer.
— É… talvez.
Seol Wooseok soltou uma risada amarga.
Seol Jihu engoliu em seco. Fazia quanto tempo desde que tinham tido uma conversa? Ele nem sabia como reagir.
Seol Wooseok olhou para a cesta na porta e perguntou:
— Você tá ocupado hoje também? Ou vai embora depois de só deixar isso aí?
— …Não, eu tava esperando vocês voltarem.
— Então entra.
Seol Wooseok levantou a sacola plástica preta que segurava.
— Vem comer uma sobremesa. É sorvete.
Seol Jihu piscou várias vezes. Por um momento, achou que tinha ouvido errado.
— Eu… posso?
— Você veio pra conversar com eles, né?
— Ai, me poupe desse papo.
Naquele instante, uma voz afiada os interrompeu.
— Vai aonde, hein?
Seol Jinhee se aproximava com um sorriso sarcástico no rosto.
— Jinhee.
— Fica fora dessa, Oppa. E você aí, não entende indireta, não?
Ela ergueu o dedo e cutucou o peito de Seol Jihu. Na verdade, foi mais um golpe, já que ele se encolheu de dor.
— Você viu o que aconteceu da última vez e ainda assim veio? Não entendeu? ‘Eu sei como eles vão me tratar, então não devo vir mais aqui. É o mínimo que posso fazer por quem um dia foi minha família.’ Isso não passou pela sua cabeça? Hein?
Poke, poke!
Com os repetidos empurrões de Seol Jinhee, Seol Jihu recuava sem nem perceber.
— Se pagou as dívidas, por favor desapareça da nossa vida. Viu como você estragou tudo de novo, né? A gente tá feliz e bem sem você, então por que vem aqui causar essa bagunça?
Seol Jihu não podia negar. Ainda conseguia ouvir os pais discutindo dentro da casa.
— Entendeu? Agora para de tentar voltar e cai fora. E não apareça nunca mais. Entendeu?
— Euk!
Poke!
Seol Jinhee de repente acertou seu plexo solar, fazendo-o se curvar com um gemido.
— Seol Jinhee.
Seol Wooseok interveio, não aguentando mais assistir àquilo. No entanto, Seol Jihu levantou a mão para detê-lo.
— T-Tudo bem.
Ele esfregou o peito e forçou um sorriso.
— Eu vou embora por hoje.
— Não só por hoje, mas pra sempre. Por favor.
Deixando para trás Seol Jinhee, que o atormentava até o fim, Seol Jihu cambaleou em direção à escada. Sentia que se ficasse mais um minuto, seu irmão e sua irmã começariam a brigar, então concluiu que o melhor para todos seria simplesmente ir embora.
Mas, justo quando estava prestes a descer as escadas, seus olhos encontraram os de Yoo Seonhwa. Ela parecia sem saber o que fazer, mas o encarava claramente com uma mistura de pena e compaixão.
Incapaz de suportar a humilhação que o invadia, Seol Jihu acelerou o passo. Foi então que…
— Ei!
Ele se virou ao ouvir a voz de Seol Jinhee.
— Leva isso.
Whoosh!
A cesta veio voando em sua direção.
Clang!
Ao atingir o canto de um degrau de concreto, a garrafa de vinho se estilhaçou com um estrondo. O líquido derramado molhou a carta que Seol Jihu havia escrito, e as pétalas das flores dançaram no ar antes de se espalharem por toda parte.
— Seol Jinhee!
— O quê!?
— Você passou dos limites!
— Olha quem fala, Oppa…!
O irmão e a irmã finalmente começaram a discutir. Seol Jihu apenas observava em silêncio o líquido se espalhando pelo concreto antes de se agachar.
Começou a recolher as pétalas e os cacos de vidro. Então ouviu o som de passos apressados descendo as escadas. Essa pessoa se agachou à sua frente.
— Não pega os cacos com a mão. É perigoso.
Ssk, ssk.
Ela disse enquanto juntava os pedaços com as mãos. A jovem de longos cabelos soltos era Yoo Seonhwa.
— …Seonhwa.
— Espera aqui. Vou buscar um aspirador.
— Seonhwa.
A mão de Yoo Seonhwa parou. O caco de vidro apertado na mão de Seol Jihu cortava sua palma. O sangue começou a pingar no chão. Um líquido vermelho começou a se espalhar, e Yoo Seonhwa se assustou ao ver a mão trêmula dele.
— Volta. Eu limpo isso.
Seol Jihu murmurou baixinho.
— V-Você tá sangrando.
— Tá tudo bem. Pode voltar.
— Mas…
— Por favor, volta. Por favor.
A voz calma de Seol Jihu só fez Yoo Seonhwa olhá-lo com ainda mais tristeza.
Ele cerrou os dentes. E então, após recolher todas as pétalas e os cacos de vidro espalhados no chão, Seol Jihu se afastou cambaleando, como um bêbado.
Durante todo esse tempo, sua cabeça permaneceu abaixada.
O tempo passou, e a escuridão tomou conta das ruas após o anoitecer. Debaixo de um poste que iluminava uma calçada, Kim Hannah estava encostada em seu carro, olhando para o céu noturno. Ela só abaixou o olhar quando ouviu passos se aproximando. Ao ver um jovem caminhando com uma cesta nas mãos, ela sorriu de forma radiante.
Esperou até que ele se aproximasse para então abrir a boca:
— Se continuar encarando o chão desse jeito, vai acabar batendo em alguma coisa.
O jovem parou. Kim Hannah ouviu-o puxar levemente o ar.
— …Você estava esperando?
Surpreendentemente, a voz dele parecia normal.
— Vim no caso de você fugir pra outro lugar. Bem, julgando por essa cesta, parece que você foi mesmo.
— Não precisa ficar me vigiando. O que é você, uma stalker?
— Stalker? Prefiro o termo ‘protetora’.
Kim Hannah respondeu com um sorriso preguiçoso.
— Como foi?
— Tenho certeza que você já sabe.
— Sei. Mas se arrependeu de ter ido?
Seol Jihu não respondeu de imediato. Kim Hannah esperou com paciência. Após cerca de cinco minutos em silêncio, ele finalmente falou.
— Você sabe como eu… vivi como um lixo?
— No passado.
— Cometi muitos erros, erros demais pra serem perdoados com um ou dois pedidos de desculpa. Eu mereci tudo o que aconteceu hoje.
— Bem, você e eu sabemos disso.
Ele suspirou.
— É.
Então…
— Eu sei que mereci…
Sua voz começou a tremer.
— Sei que a culpa é toda minha.
Seus ombros começaram a sacudir.
— Eu sei… tudo isso…
Após ouvi-lo por um tempo, Kim Hannah se afastou do carro e caminhou devagar até ele. Inclinou-se para frente e olhou para o jovem, cujo rosto estava abaixado.
Tk, tk.
Ao ver as lágrimas escorrendo pelas bochechas já molhadas dele, ela sorriu.
— Tá tudo bem.
Kim Hannah abraçou Seol Jihu, que chorava em silêncio, e deu leves tapinhas em suas costas.
— Você foi bem, Jihu.
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