Índice de Capítulo

    A carta estava escrita com caracteres que ele nunca tinha visto antes, mas logo as palavras começaram a se contorcer e se transformaram em coreano. Às vezes, a Sincronização demorava um ou dois segundos para acontecer, então Seol Jihu não achou aquilo tão surpreendente.

    Ouvi do templo que você voltou. Você não atendeu quando liguei, então estou deixando esta mensagem. Você se lembra da nossa promessa, né? Venha jantar na minha casa hoje à noite…

    Um lampejo de surpresa e alegria passou pelo rosto de Seol Jihu. O tom da carta era leve, quase como se alguém estivesse convidando o vizinho para colocar a conversa em dia durante o jantar.

    O problema era que a remetente era Teresa Hussey. Em outras palavras, ele teria que ir ao palácio real e, possivelmente, encontrar o rei. A Família Real de Haramark era famosa por ter abandonado formalidades após o conflito com os Terrestres, mas a expressão ‘palácio real’ ainda carregava um certo peso na cabeça de Seol Jihu.

    Mesmo que a carta dissesse para ele ir à vontade, havia uma pressão invisível pesando sobre ele como uma pessoa comum indo a um palácio. No entanto, por consideração a Teresa, ele não podia simplesmente faltar e, para ser honesto, ele até queria ir.

    Seol Jihu leu a carta até o fim. Ao chegar nas duas últimas linhas…

    P.S. Não vá embora depois do jantar! Vamos comer uma sobremesa especial comigo pra ajudar na digestão do que comemos ♥

    …uma risadinha escapou de seus lábios.

    — Ainda bem que trouxe uma roupa legal.

    Era um convite do palácio real. Sem querer pagar mico agindo como um bobão, Seol Jihu foi até a biblioteca estudar o básico de etiqueta.


    Depois de terminar seu treinamento da tarde mais cedo, Seol Jihu se lavou completamente. Como não sabia o que aconteceria no palácio, também encheu um pouco o estômago. No mínimo, queria evitar comer de forma impulsiva como naquela vez em que jantou com Yun Seora.

    Ele vestiu as roupas que havia separado com antecedência. Assim que se olhou no espelho e pensou “Ótimo, perfeito”, algo inesperado aconteceu. Estava prestes a sair, mas havia um homem gigantesco parado diante da porta.

    Claro, não era exatamente surpreendente haver visitantes no escritório da Carpe Diem, mas…

    — Você é o Terrestre conhecido como Seol?

    Seus músculos bem definidos saltavam de seu corpo de dois metros de altura, e uma longa cicatriz de lâmina cruzava seu nariz. Só pela aparência, não parecia que ele perderia para um orc num combate um contra um.

    — Sou Jan Sanctus. Vim escoltá-lo por ordem da Princesa Teresa.

    Sua voz era firme e dura, compatível com a aparência intimidadora. Ao ouvir que a Princesa o havia enviado, Seol Jihu abaixou a lança que havia erguido por reflexo.

    — Vai vir?

    A pergunta foi feita de forma bastante direta. Seol Jihu recuperou a compostura e respondeu:

    — Claro.

    — Siga-me. Eu o guiarei.

    E assim, Seol Jihu seguiu Jan Sanctus e entrou nos domínios do Palácio Real de Haramark.

    “Está todo mundo tão ocupado.”

    Era hora do jantar, mas o palácio parecia extremamente movimentado. Ele via com frequência pessoas correndo apressadas e outras gritando de forma urgente para um cristal de comunicação.

    A atmosfera era completamente diferente da da cidade. Ao passar pelos portões do palácio, parecia ter entrado em um mundo totalmente novo.

    “Quem diria que tanta coisa acontece por trás desses muros?”

    Haramark era bem conhecida por seu forte colorido local, mesmo com a presença de uma família real. Mas, como era de se esperar de um lar de reis, possuía toda a imponência esperada de um palácio.

    Seol Jihu perguntou em voz baixa enquanto caminhavam por um longo corredor:

    — Há algo de que eu deva me cuidar dentro do palácio?

    Embora já tivesse pesquisado sobre a etiqueta de Paraíso na biblioteca, quis confirmar por precaução.

    — Não.

    Jan Sanctus respondeu de forma seca. Não parecia hostil, apenas naturalmente frio.

    — Basta não apontar suas armas nem xingá-los.

    — …Isso já não é meio óbvio?

    — Só estou dizendo que basta manter a educação básica.

    Jan Sanctus olhou para o jovem.

    — Terrestres não são como nós. Meu Senhor reconheceu e aceitou as diferenças culturais entre a Terra e Paraíso. Desde que mantenha a educação básica que qualquer um conhece, não haverá problemas.

    Chegaram à entrada após a breve conversa.

    Aparentemente, quando o Palácio de Haramark foi construído, deram prioridade a aspectos de convivência em comunidade, em vez de funcionalidade, guerra ou isolamento.

    Jan Sanctus partiu assim que guiou Seol Jihu até o salão principal. Ao entrar, Seol Jihu viu uma jovem com um vestido rosa e um homem de meia-idade sentado no trono sendo atendido por duas criadas.

    Teresa sorriu radiante ao ver o jovem, mas a atenção dele estava em outro lugar.

    “Então aquele é…”

    Ele encarou os olhos calmos do homem de meia-idade, que também carregavam uma centelha de firmeza. Ao contrário de Teresa, ele tinha cabelos e barba loiros, cuidadosamente aparados.

    Prihi Hussey, rei de Haramark, um dos sete reinos que sobreviveram à invasão das raças estrangeiras.

    — Você é o Terrestre chamado Seol?

    Uma voz clara ressoou. Sua aparência esguia o fazia parecer mais um erudito do que um guerreiro.

    — Não há necessidade.

    Quando Seol Jihu tentou se ajoelhar, o rei o impediu imediatamente.

    — Na Terra, ouvi que o povo é o dono da nação, e o rei existe para servi-lo. Respeito essa cultura.

    Seol Jihu se surpreendeu com a postura humilde do monarca. Obedeceu e se levantou.

    — É uma honra, Vossa Majestade.

    Ele falou com uma leve reverência, e Prihi soltou uma risadinha.

    — Honra, é? Entendo o que quer dizer com isso, mas não há necessidade. Pode me considerar como um chefe de vila… ou, se nem isso for suficiente para que se sinta à vontade, pense em mim como quiser.

    A palavra ‘como quiser’ era meio traiçoeira. Parecia que tinham dito para ele ‘coloque sal a gosto’ em uma receita.

    Prihi Hussey encarou calmamente o jovem antes de abrir a boca.

    — Antes de mais nada, gostaria de expressar minha gratidão por seus feitos. Ouvi o que você fez por este mundo.

    — É muita gentileza sua.

    Pelo modo como falava, parecia bem ciente de sua posição como rei. Seol Jihu ficou aliviado em saber disso, já que estava um pouco preocupado de o rei agir como um delinquente de rua, igual à filha.

    — Também gostaria de agradecê-lo por ter atendido à nossa convocação. Veja bem, minha filha ficou me importunando porque queria encontrá-lo.

    Ele falou como se Teresa tivesse o forçado. Prihi usou as duas mãos para se erguer lentamente do trono.

    — Então, vamos.

    — Perdão?

    — O convidamos sob o pretexto de um jantar. Como poderíamos deixar nosso hóspede com fome enquanto falamos de coisas entediantes?

    Ele falou de forma quase brincalhona enquanto fazia gestos com a mão. Quando Seol Jihu o olhou atônito, Teresa foi até ele saltitante.

    — Hehe, você tá muito tenso, não tá?

    “Será?” Seol Jihu esfregou o rosto. Seus músculos faciais realmente estavam um pouco mais rígidos do que o normal.

    — Não precisa ser tão formal. Fica tranquilo. Vamos só bater papo enquanto comemos.

    Por algum motivo, os olhos de Teresa pareciam brilhar de expectativa. Ela segurou o braço dele com cuidado, como se quisesse entrelaçar os braços.

    — Vamos.

    Não se podia dizer que a comida era composta de iguarias, mas havia todo tipo de prato apetitoso sobre a longa mesa coberta por uma toalha branca.

    Prihi fez algumas perguntas sem relação com os assuntos do reino, mas como Seol Jihu estava concentrado demais em prestar atenção ao modo como ele falava, nem sabia direito o que estava colocando na boca.

    Claro, achava que estava se saindo bem, mas Teresa apenas deu um sorriso de canto. Como alguém que já havia dominado a alta sociedade repleta de intrigas e falsidade, percebeu de imediato que o jovem à sua frente estava forçando demais a etiqueta. E nem era preciso falar de Prihi.

    — Parece que nosso herói não está achando a comida do seu agrado.

    — Não, está excelente.

    Seol Jihu respondeu imediatamente, mas Prihi continuou sem se abalar.

    — Parece que vou ter que fazer algo a respeito. Como anfitrião, tenho o dever de ajudá-lo a relaxar. Vamos ver… Ah, por que não conversamos um pouco?

    Prihi falou como se tivesse acabado de se lembrar de algo.

    — Já ouviu falar do antigo conflito entre os Terrestres e a Família Real de Haramark?

    Prihi disse que queria ajudá-lo a relaxar, mas o assunto só deixou Seol Jihu mais tenso. Ele abriu a boca:

    — Se estiver falando sobre a revolta, sim, eu ouvi a respeito.

    — Certo, vamos pular os detalhes e falar do resultado. A Sinyoung ajudou a criar uma sala de negociação entre os dois lados. Veja bem, como era pra ser um lugar de reconciliação, achei que ao menos manteriam o mínimo de decoro.

    — Aconteceu alguma coisa?

    — Sim, nunca tinha passado por um desrespeito tão grande. Em vez de enviarem o líder da revolta, mandaram um desgraçado que nunca vi na vida. Mesmo assim, por cortesia, revelei minha identidade primeiro. E quando perguntei o nome dele, foi isso que ele respondeu: ‘Prazer em conhecê-lo, Rei de Haramark.’

    Diante do olhar confuso de Seol Jihu, Prihi pigarreou antes de continuar.

    — ‘Meu nome é Barriga do Prihi, sobrenome Barriga Gigante.’

    Pft.

    Cof.

    Quando Seol Jihu tossiu e olhou para cima, viu Prihi cortando seu filé com toda a calma. Ele não parecia estar brincando.

    — …Isso realmente aconteceu?

    — Não sou talentoso o suficiente pra inventar essas histórias. As pessoas que conhecem esse episódio são tantas que nem sei contar. Ah, temos uma testemunha viva bem aqui.

    Quando Prihi olhou para Teresa, ela assentiu imediatamente com a cabeça.

    — É verdade. Foi tão chocante que lembro até hoje.

    — Não acredito…

    — E não para por aí. A vadia sentada ao lado daquele desgraçado foi além e disse com um sorriso: ‘Prazer em conhecê-lo. Meu nome é Teresa Rosa.’

    — Princesa.

    Seol Jihu a cortou rapidamente. No entanto, Teresa não pareceu nem um pouco abalada.

    — Ah, escuta só, a parte do ‘rosa’ nem importa tanto. Depois disso, ela…

    — Princesa!

    A voz de Seol Jihu se elevou. Teresa deu de ombros, enquanto ele massageava as têmporas e perguntava ao rei:

    — Vossa Majestade permaneceu em silêncio?

    — O sujeito insistia que o nome dele era Barriga do Prihi e que o sobrenome era Barriga Gigante. Quando ficou bravo e perguntou se estávamos zombando do nome que recebeu dos pais, não havia muito o que pudéssemos dizer.

    — Que bando de psicopatas.

    — Concordo. Um bando de lunáticos.

    Prihi concordou com toda a dignidade.

    — Mas foi aí que comecei a entender como os Terrestres viam este mundo. Um jogo divertido. Nada mais, nada menos.

    Ele coçou a barba.

    — Bem… conseguimos uma informação importante por causa disso.

    — Quer dizer…?

    Prihi continuou:

    — Descobrimos que havia um espião no palácio.

    Ao ouvir isso, Seol Jihu ficou pensativo. O rei descobriu a presença de um espião por causa do nome absurdo inventado por um sujeito? Era difícil de entender.

    — Por que pensou nisso?

    — Pense bem. Se não tivessem um espião no palácio, não saberiam com tanta clareza sobre nossas características físicas.

    Prihi falou com um tom firme.

    — É verdade. Já que conseguiram informações sobre nossas partes íntimas, o espião devia estar bem próximo de nós.

    Teresa acrescentou, um pouco envergonhada.

    — …

    Seol Jihu desistiu de tentar raciocinar.

    — Ficamos indignados… mas rimos e deixamos passar. Recusamo-nos a cair numa provocação tão óbvia.

    — Entendo… Deve ter sido difícil.

    — Com certeza não foi fácil. Mas isso me surpreende. Os Terrestres que conheci até hoje sempre caem na risada quando conto essa história.

    — Peço desculpas. Não acredito que seja algo digno de risos.

    Seol Jihu foi direto. Prihi o encarou fixamente.

    — …Não precisa se desculpar.

    Justo quando parecia que a conversa estava chegando ao fim…

    — Ah, sim, ouvi dizer que você dormiu com minha filha.

    A pergunta repentina fez Seol Jihu cuspir calmamente a água que estava bebendo. Achou que era melhor do que espirrar para todo lado.

    — …Vossa Majestade.

    — Hm? Por que essa cara azeda? Pelo que Teresa me contou…

    Seol Jihu virou-se rapidamente para Teresa. Ela estava com as mãos nas bochechas, fazendo-se de envergonhada.

    “Por que ela tá corando… Não, por que tá se fazendo de tímida de repente?”

    Quando a encarou com intensidade, Teresa balançou a cabeça.

    — Ai, pai, fala que dividimos a cama. ‘Dormimos’ juntos soa direto demais.

    — Do que está falando… Eu sei que a expressão foi um pouco explícita, mas foi você quem me disse pra…

    De repente, o fim da fala dele se perdeu. Prihi baixou a cabeça e resmungou, enquanto Teresa brincava com a faca de carne como se nada tivesse acontecido.

    — Isso doeu.

    — Hoho, não sei do que está falando.

    — Hm, devia ter desconfiado desde que você resolveu usar um vestido pela primeira vez em oito anos.

    — Eu falei pra você dizer isso em tom de brincadeira, pra deixá-lo mais à vontade. Quem mandou ser tão direto? Ai, que vergonha…

    Palavras que Seol Jihu não compreendia iam e vinham.

    “O que eu esperava…”

    Ele estalou os lábios. Já tinha passado por isso quando conheceu a Princesa pela primeira vez, mas… eles eram mesmo uma dupla de pai e filha extraordinária.

    — Peço desculpas pelo comportamento indecoroso.

    Prihi suspirou e pegou um pano para limpar a boca.

    — Enfim… não precisa ficar tão tenso. Este não é um lugar de punição ou prisão. Pelo contrário, é um lugar para conceder recompensas à altura dos feitos.

    O rei falou num tom um pouco mais sério. Seol Jihu quis dizer que já era tarde demais para tentar parecer digno, mas o que realmente saiu de sua boca foi:

    — Agradeço pela generosidade.

    — No começo, achei que os rumores eram exagerados.

    Prihi falou enquanto largava o guardanapo.

    — Mas, como Teresa disse a mesma coisa, não tive escolha senão acreditar. Não sou tão desconfiado a ponto de duvidar da palavra do meu próprio sangue.

    — Estou honrado, Vossa Majestade.

    — …Pode parar de falar desse jeito, por favor?

    — Perdão?

    — Demorei anos de esforço pra me acostumar à cultura dos Terrestres. Tentar acompanhar a formalidade do meu cargo só está me confundindo.

    Em Paraíso, o conceito de nobreza era fraco. Mesmo que se procurasse por alguém com esse título, no máximo se encontraria um lorde encarregado de uma grande vila. E mesmo assim, esse lorde seria quase como um chefe comunitário.

    Além disso, muitos Paraisianos haviam morrido na longa guerra ou fugido de suas terras natais para sobreviver.

    “…Então é por isso.”

    Seol Jihu começou a entender por que a Família Real de Haramark havia abandonado as formalidades. E falou em voz baixa:

    — Entendido.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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