Capítulo 2: Um Filho da Puta (1/2)
Quando era criança, ele pensava que o mundo inteiro era verde. Que as pessoas eram verdes, que as estradas tinham a cor refrescante da grama, que os animais eram de um verde escuro e que o céu era de um verde claro. Para onde quer que olhasse, cores verdes dançavam diante de seus olhos.
Uma lembrança que tinha da infância era a vez em que foi ao zoológico com sua família. Em vez de caminhar e observar os recintos, entraram em um safári, onde os visitantes faziam um passeio de ônibus por uma área selvagem artificial. Sacos de papel cheios de carne crua pendiam nas laterais do ônibus.
O irmão mais velho sentou-se no assento ao lado da janela, enquanto a irmã de dois anos ficou no colo da mãe. Ele se lembrava de ter ficado um pouco chateado por não poder sentar junto, sendo nem o mais velho nem o mais novo.
O ônibus parou. Os animais selvagens que descansavam no campo se aproximaram lentamente do veículo. Os animais verdes entraram em uma feroz disputa pela comida. O jeito como se atacavam lembrava o jogo ‘Mogura Taiji’1, então o garoto riu levemente.
Foi então que aconteceu.
Um único animal. Apenas um. Ele estava sentado no topo de uma rocha, como um imperador, refletindo a luz brilhante do sol.
O sorriso do garoto desapareceu. Por quê?
“Sua cor…?”
Diferente de qualquer outro animal que já tinha visto, aquele não era verde.
Será que sentiu seu olhar? A besta cravou os olhos no garoto. Como se estivesse enfeitiçado, o menino sentiu medo. Desviou o olhar instintivamente e prendeu a respiração. Suas mãos e seu corpo tremeram, e seu coração disparou loucamente.
Mesmo sendo dominado por um terror que nenhuma criança de sua idade poderia suportar, o menino levantou uma questão.
“Por que aquele animal não é verde?”
“Não, devo ter cometido um engano.”
O menino respirou fundo e olhou pela janela novamente. Foi então que aconteceu.
Pang!
A janela sacudiu violentamente. A besta estava distante, mas, antes que o garoto pudesse notar, já havia se aproximado do ônibus. Mas por que estava ignorando a comida pendurada ao lado do veículo e grudando na janela?
A besta abriu a boca, revelando seus dentes assustadores, enquanto tentava mordiscar a janela repetidamente.
O garoto não entendeu o que havia acontecido. Mesmo assim, se encolheu e recuou.
“Preciso fugir.”
“Por que o ônibus não está se movendo?”
“Estou com medo. Quero sair daqui.”
“Mamãe, Mamãe, Mamãe, Mamãe…!”
No momento em que estava prestes a cair no choro, uma mão quente cobriu cuidadosamente seus olhos.
— Deve ter sido muito assustador.
A voz era prateada e suave como a brisa da primavera. Apenas aquela única frase fez com que o menino se sentisse relaxado e aliviado. Sem nem verificar quem era, ele se atirou no abraço da mulher.
— Pronto, pronto, está tudo bem. O leão assustador já não está mais aqui… Ah, o ônibus está se movendo de novo.
Pat, pat.
A mulher deu tapinhas suaves em suas costas, e sua respiração ofegante se acalmou. Só então o garoto ergueu a cabeça para olhar.
— Eh?
De repente, as mãos da mulher pararam. Ela se inclinou para mais perto do menino, estudando-o atentamente. Então, soltou um suspiro de surpresa.
— Meu Deus… de verdade…
O menino inclinou a cabeça, confuso, e a mulher sorriu.
— Seus olhos são lindos.
“Meus olhos?”
— Sim, são lindos. Nas sete cores do arco-íris.
O menino olhou para a mulher, curioso, mas ela apenas sorriu de volta. Então, soltou um suspiro, como se lamentasse uma grande perda.
— Se ao menos você fosse um pouco mais velho… Não, talvez seja melhor que cresça sem saber.
Logo, o passeio pelo safári terminou. Os turistas começaram a se levantar um por um, mas o garoto não demonstrou vontade de sair. A mulher também hesitou, como se não quisesse desistir.
Ela sussurrou no ouvido do menino.
— Qual é o seu nome?
— Se-Seol…
— Seol? Que nome bonito.
Então, encontrou o olhar corado do menino.
— Ei, quando você crescer um pouco mais… e, por acaso, nos encontrarmos novamente, você virá até mim?
— Até você, Noona?2
— Sim, estarei lá se algum dia precisar da minha ajuda.
Embora o garoto não entendesse o que ela queria dizer, ainda assim assentiu em seu abraço. Logo, o som da mãe e da irmã mais nova chamando por ele ecoou ao longe.
— Aqui, uma promessa.
Uma sensação suave tocou a testa do garoto antes de desaparecer.
— Vamos nos encontrar de novo, pequeno príncipe.
Enquanto segurava a mão da mãe e saía do ônibus, o menino olhou para trás, cheio de saudade. A mulher sorria radiante e acenava, até que ele desapareceu de vista.
O tempo passou, e o menino se tornou um adulto. Cresceu, até que as memórias especiais daquele dia começaram a desvanecer.
Com a idade, perdeu o medo de animais selvagens e começou a pesquisar o fenômeno que experimentou naquele dia.
O que era essa habilidade?
Por que possuía um poder que ninguém mais tinha?
No fim, não conseguiu encontrar uma resposta, mas começou a entender as condições em que a cor verde aparecia e desaparecia.
Sua vida começou a mudar à medida que passou a aplicar esse poder no dia a dia. E quando essa habilidade desapareceu repentinamente, sua vida desmoronou rapidamente.
Seorak Land era um cassino localizado na cidade de Sokcho, na província de Gangwon.
Independentemente de vencer ou perder, as pessoas apertavam botões como robôs e viravam cartas, enquanto gritos de alegria e desespero ecoavam juntos.
— …
Um jovem olhava para a mesa com uma expressão nervosa no rosto. Lançou um olhar furtivo para o crupiê, que permanecia impassível. Depois de encarar a mesa como uma fera faminta, o jovem abriu a boca com grande dificuldade.
— Pare… Não, dobre a aposta!
O crupiê imediatamente colocou a mão no baralho, como se estivesse entediado de esperar pela decisão do jovem.
A garganta do rapaz secou. Seu queixo pingava suor, e suas costas estavam encharcadas. Mas, ao contrário do jovem ansioso, o crupiê virou a carta com indiferença.
O jovem envolveu a cabeça com as mãos. Mais uma vez, os sons de alegria e desespero ecoaram pelo salão.
— Park Hyung, teve sorte hoje?
— Ah, Choi.
Quando um homem corpulento saiu pela entrada e o cumprimentou, o homem de óculos, que tremia do lado de fora enquanto fumava um cigarro, balançou a cabeça.
— Sorte? Droga, estou só no empate. E você?
— O mesmo aqui. Acho que hoje não é o meu dia de sorte.
— Vim aqui fora para dar uma pausa. Ficar na mesma mesa por horas me deu uma leve dor de cabeça. Achei que o vento frio pudesse me refrescar.
Enquanto o homem de óculos resmungava, o corpulento abriu um sorriso.
— É, te entendo… Hm?
No momento em que começou a vasculhar o bolso, um grito alto de repente atingiu seus ouvidos. Com os olhos arregalados de surpresa, os dois homens viraram a cabeça em direção a um jovem que falava ao celular.
Choi franziu a testa antes de inclinar a cabeça.
— Ele me parece familiar…
— Quem?
— Aquele jovem no telefone. Você o conhece?
— Ele? Claro que conheço. Esse é o Seol. Acho que ele vem aqui há mais tempo do que você. A primeira vez que o vi foi há três, quatro anos.
Choi ficou impressionado com o tempo que Park passara ali e olhou para o jovem com uma expressão chocada.
— T-Tres, quatro anos? Mas ele parece tão jovem!
— Ah… Deve estar na casa dos vinte agora. Ele já foi famoso por aqui.
Park lambeu os lábios com um toque de arrependimento no rosto. Mas Choi apenas deu de ombros.
— Sério? Já o vi algumas vezes. Não parecia nada de especial.
— Ele está assim agora, mas, por cerca de um ano, foi um verdadeiro fenômeno. Naquela época, algumas pessoas brigavam para ocupar o assento dele sempre que ele saía.
— Oh? Então ele tem talento?
— Não, não diria que ele tem talento. Ele era ousado, talvez? Sabia quando apostar como um demônio. Seguia regras rígidas para si mesmo, sem se exceder, sempre trazendo uma quantia fixa… Parecia mais que vinha aqui para jogar, não porque era viciado. De qualquer forma, ele era um cara estranho.
— Então como acabou assim?
— Quem sabe? De repente começou a dizer que não conseguia mais ver ou algo assim. Não demorou muito até que ficasse desse jeito…
Park estalou a língua e voltou a fumar seu cigarro. O jovem ainda segurava o celular, parecendo desesperado, como se estivesse implorando.
Choi bufou.
— Isso me incomoda. Um jovem como ele devia estar lá fora, trabalhando pelo próprio dinheiro.
— Se é adulto, tem o direito de vir aqui, não? Se for por esse lado, você também é um jovem.
— Eii, já faz anos que passei dos quarenta.
— A idade importa? Um cassino é só uma casa de apostas com um nome chique. No momento em que alguém pisa aqui, é livre para perder a cabeça, não importa a idade.
— Haha, acho que é verdade.
Entediados de falar sobre o jovem, a dupla trocou piadas sem sentido e riu.
— Pai, por favor! Só desta vez! Só mais uma vez!
–Vou desligar, seu desgraçado!
— Pai!
Tk.
A linha foi cortada unilateralmente, e Seol imediatamente soltou um palavrão.
— Haa… Vou enlouquecer.
Ele havia perdido o pouco dinheiro que ainda tinha. No bolso, restavam apenas quatro fichas do cassino, e na carteira, apenas o suficiente para pagar a corrida de táxi de volta. Por um momento, até considerou tentar a sorte nas máquinas caça-níqueis para recuperar pelo menos uma parte do que perdeu.
No entanto, se perdesse até isso, sabia que teria que voltar para casa a pé.
Seus olhos percorreram a lista de contatos mais uma vez. Quando o nome ‘Yoo Seonhwa’ apareceu, ele pressionou o botão de chamada sem hesitação. Infelizmente, ainda era madrugada, e ninguém atendeu, não importava quanto tempo esperasse.
Seol acessou o aplicativo do banco e verificou o saldo. Mas isso apenas confirmou o que ele já sabia. Suspirou ao encarar o sinal de menos à frente dos números.
— Droga, por que você não atende essa merda de telefone…
Após se enfurecer por um tempo, inclinou a cabeça para cima e olhou para o céu. O céu da manhã ainda era cinzento. Com um suspiro, Seol levantou a mão.
— Táxi!
— Para onde?
— Estação Gangnam… Não, Estação Nonhyeon!
— Entre.
Logo, o táxi que transportava o jovem desapareceu na escuridão.
- Também conhecido como Mogura Tataki ou Whac-A-Mole, um jogo de arcade onde se usa uma marreta para acertar toupeiras que saem de buracos.[↩]
- ‘Noona’ é um termo coreano usado por garotos para se referirem respeitosamente a uma irmã mais velha ou a uma mulher mais velha com quem têm um vínculo próximo.[↩]
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