Capítulo 3: Um Filho da Puta (2/2)
— Eu preciso de mais dinheiro para poder voltar.
Seol estava parado em frente à Estação Nonhyeon, ponderando sobre seu próximo movimento, antes de finalmente tomar uma decisão. Ele parecia estar cercado por inimigos por todos os lados, mas havia uma colina secreta para a qual sempre poderia correr em busca de ajuda.
O alarme tocou alto. Eram 5:30h da manhã. Yoo Seonhwa abriu os olhos e alongou os membros após uma noite de sono revigorante.
A luz da manhã entrava pela janela e iluminava brilhantemente uma pequena moldura sobre sua cômoda. A moldura continha uma foto de sete pessoas, incluindo Yoo Seonhwa e sua irmã mais nova. Ao olhar para ela, um leve sorriso floresceu no rosto da jovem.
Havia o Seol Ahjussi1, que parecia rígido por fora, mas era mais caloroso e atencioso do que qualquer um por dentro; sua esposa, que sempre tratava Yoo Seonhwa como uma filha e se certificava de que ela estava se alimentando corretamente.
Mas não eram apenas esses dois na foto. Também havia o filho mais velho do casal, Seol Wooseok, que parecia frio e rígido, mas possuía um coração caloroso; a filha mais nova, Seol Jinhee, que era extrovertida e aberta; e, por fim…
No meio dos dois, havia um jovem com um sorriso gentil. E então, lá estava ela, encostada em seu ombro e sorrindo radiante.
— …
Olhando para a foto, uma pitada de preocupação surgiu no semblante de Yoo Seonhwa. Quando conferiu o horário no celular, a sombra em seu rosto se aprofundou.
— Você já vai embora? Por que não fica para uma xícara de café?
— Uun, também queria, mas realmente preciso ir. Tenho que terminar aquela peça e entregá-la amanhã.
— Você não esqueceu nada? Está tudo certo?
— Claro! Não sou mais uma criança. Certo, estou indo! Até mais!
A porta da frente se fechou com um clique, e pequenos passos se afastaram. Sozinha, Yoo Seonhwa terminou seu café da manhã com um leve sorriso no rosto. O semblante animado de sua irmãzinha também a havia revigorado. Nos últimos dias, ela não sentia nada além de felicidade, a ponto de se perguntar se estava tudo bem.
Sim, ela definitivamente estava feliz. Isso se ignorasse um pequeno detalhe.
Depois de terminar sua refeição, começou a preparar seu almoço com as sobras, quando ouviu passos se aproximando da porta e riu baixinho.
Koong, koong.
Ao escutar as batidas apressadas, correu para destrancar a porta, como se já soubesse que isso aconteceria.
— Viu? Não te falei para conferir tudo duas ve…
Yoo Seonhwa estava prestes a repreender sua irmã mais nova, mas congelou no lugar.
— Pensou que eu era a Seunghae?
A pessoa diante dela não era sua irmã mais nova. O homem vestindo roupas de pelo menos alguns dias atrás exalava um cheiro pútrido, como se tivesse nadado no esgoto. Havia olheiras profundas sob seus olhos, como se não tivesse dormido nem um pouco.
— Você… Por que está aqui?
— Ei, faz tempo. Como tem passado? Uau, esse lugar continua impecável, não importa quando eu apareça.
Seol entrou no apartamento e deu uma olhada ao redor. Assim que avistou as sobras na mesa da cozinha, estendeu as mãos sujas, enfiou a comida na boca e assentiu com aprovação.
— Delicioso. Estava começando a ficar com fome, então isso veio na hora certa. Faz um café da manhã para mim.
— …
— Anda, rápido.
— Quem te disse que podia entrar?
Os olhos do jovem se arregalaram ao ouvir a voz carregada de hostilidade.
— O que foi?
— Essa é a minha casa, não a sua. Você não sabe que invadir a casa de outra pessoa é crime?
— Do que está falando? Como assim ‘sua’? Sei muito bem que meu pai pagou o depósito de segurança desse lugar.
— Já paguei ele de volta há muito tempo. Por que está trazendo isso agora? Além disso, mesmo que fosse verdade, você não tem o direito de entrar aqui.
— …Ei, não faz isso. Entre nós?
— Entre nós? Sério?
A voz de Yoo Seonhwa ficou ainda mais afiada e fria.
— Para de sonhar. Acabou entre nós. Você e eu não somos nada. Não mais.
Suas palavras iam além do frio, eram venenosas. Seol revirou os olhos e soltou um suspiro profundo. Então, com um gemido, deitou-se no chão.
— Estou faminto, então faz comida. Estou exausto de andar até aqui.
— Ei! Não vou mais tolerar suas palhaçadas! Levanta. Levanta e sai antes que eu chame a polícia!
Seol bufou. Mas quando Yoo Seonhwa realmente pegou o celular, ele se apressou a se levantar.
— C-Cara, não dá para conversar? Vim porque tenho algo para te dizer. De verdade.
— Não tenho nada a dizer para você. Se quer falar comigo, vá até o cassino e peça para eles te proibirem de entrar. Aí eu penso no caso.
— Uau… Por que você está tão sensível hoje?
Yoo Seonhwa sentiu que poderia explodir de frustração. Fechou os olhos, abaixou a cabeça e respirou fundo.
— …Sai.
— Poxa, vai mesmo ser assim?
Antes que pudesse terminar, um grito cortante ecoou. No fim, Yoo Seonhwa explodiu com toda a raiva reprimida.
— Você acha que eu não sei por que está aqui!? Você veio pedir dinheiro de novo!
Seol se encolheu ao perceber que ela tinha acertado em cheio.
— Ei, ei, do que você está falando…
Ele sorriu sem jeito, tentando desviar do assunto, mas Yoo Seonhwa já tinha experiência. Não era a primeira nem a segunda vez que isso acontecia.
Fazia apenas quatro meses desde que ela dissera a si mesma para confiar nele uma última vez, depois que ele se ajoelhou e implorou por seu perdão por várias horas.
Ao ver o sorriso no rosto de Seol, que começava a parecer repulsivo, uma aversão jamais sentida começou a ferver dentro dela.
— Eu não posso te dar um centavo sequer. Não, eu não vou. O quê? Você quer recomeçar? Eu sou maluca, por acaso? O que foi, não bastou ter torrado o nosso depósito de segurança da última vez!?
Depois de despejar sua raiva, Yoo Seonhwa respirou fundo. Ela até tossiu de tanto gritar.
Seol ficou ali parado, atordoado. Ele parecia sem palavras diante da postura inflexível dela, mas um sorriso cruel surgiu em seus lábios retorcidos.
— Eu fui paciente e é assim que você age? Sua vadiazinha…
O pensamento de ‘Será que exagerei?’ passou pela mente de Yoo Seonhwa por um breve instante. Ela não pôde evitar duvidar do que acabara de ouvir.
— O que você disse?
— O quê, tá surda agora? Também acha que eu sou um idiota? Porra.
Era a primeira vez que Yoo Seonhwa ouvia Seol xingar tão abertamente. Ela ficou em choque com o impacto mental repentino.
— Logo você não pode fazer isso comigo. Quando as coisas estavam difíceis para você, você se agarrou a mim, mas agora é assim que me trata? Eu não queria trazer à tona o passado porque é mesquinho, mas esqueceu que fui eu quem cuidou de você no ensino fundamental e médio? Você chorava todo dia dizendo que queria ver sua mãe e seu pai. Quando sua irmãzinha veio chorando porque você tinha sumido, sempre fui eu quem saía para te procurar.
Uma sensação de nojo e náusea entupiu a garganta de Yoo Seonhwa. Ela tentou segurar, mas seus olhos se encheram de lágrimas quentes com a sensação de traição.
— E quando você queria estudar no exterior, mas não tinha dinheiro? Não fui eu quem adiou os próprios estudos para te apoiar? Eu até trabalhei meio período para te mandar dinheiro e garantir que você não passasse fome lá fora!
Tudo aquilo era verdade. Yoo Seonhwa queria estudar no exterior para perseguir seu sonho, mas a realidade tornava isso difícil. Ela sofreu em segredo, incapaz de contar seus problemas para ninguém, até que o jovem à sua frente interveio. Quando ele adiou seu retorno à universidade só para ajudá-la com a própria mensalidade, ela não conseguia nem descrever o quanto se sentia grata e culpada.
Esse era o tipo de homem que ele era, alguém que a apoiava e cuidava dela mais do que qualquer um. Quando entraram juntos na mesma universidade e ele se declarou para ela, foi como se tivesse conquistado o mundo. Quando ele prometeu um futuro ao seu lado, ela o amou tanto que sentiu que poderia morrer disso.
Mas como as coisas chegaram a esse ponto? Como ele conseguiu se destruir a esse nível?
Yoo Seonhwa ficou ali, tremendo como uma folha solitária em uma árvore. Ela fungou e ergueu a cabeça. Parecia ter se acalmado um pouco, mas seus olhos e nariz estavam avermelhados.
— …Filho da puta.
— O q-quê?
A raiva de Seol se dissolveu em sua hesitação. Em vez de irritado, ele parecia atônito. Ele sabia o quanto Yoo Seonhwa odiava palavrões. Ela nunca havia xingado uma única vez na vida.
— Quanto foi?
A voz chorosa dela era resoluta, como se finalmente tivesse tomado uma decisão.
— Hã?
— Quanto foi? O dinheiro que você me deu quando fui para o exterior.
— Uh… A mensalidade foi 5 milhões, e eu te mandei mais 2 milhões do meu trabalho de meio período.
— Vou pagar a mensalidade de volta para o seu pai. Você me deu o dinheiro, mas era dele para começo de conversa. Quanto aos 2 milhões, vou te devolver agora.
Yoo Seonhwa falava como se estivesse engolindo algo repetidamente. Ela pegou o celular.
— Pronto, enviei. São exatamente 2 milhões, então confere aí.
Seol tossiu secamente e tirou o celular do bolso. Depois de conferir sua conta bancária, ele sorriu.
— Uau, você tem bastante dinheiro agora. Quanto tem na conta?
— Terminamos aqui?
Sua voz trêmula parecia arrancar cada palavra de sua garganta. O tom ameaçador fez com que a alegria de Seol desaparecesse com um sobressalto.
Ele olhou para Yoo Seonhwa e deu de ombros.
— Ei, eu nunca te pedi dinheiro. Se alguém ouvir, vai achar que roubei de você ou algo assim.
— Agora quitei todas as minhas dívidas, certo?
— Uh… acho que sim.
— Se já confirmou, então saia. Você e eu não temos mais nada um com o outro. Nem mesmo uma dívida.
— De novo com isso?
No fim, Yoo Seonhwa não conseguiu segurar e caiu de joelhos. Vendo-a se esforçando para conter as lágrimas, o jovem coçou o cabelo ensebado.
— Tá bom, tá bom, eu tô indo.
Seol, ainda de sapatos, saiu apressadamente do apartamento como um ladrão pego no flagra. Sua sensação de alívio só durou um instante.
— Huuuunng…
Ao ouvir o choro contido por trás da porta fechada, ele de repente se sentiu sujo.
Ele correu para fora e olhou para o céu. O céu da manhã estava azul, um azul maldosamente límpido.
A fadiga que havia esquecido o atingiu de uma vez. Seol voltou para seu apartamento depois de encher o estômago vazio em uma loja de conveniência próxima. Ao acender as luzes, ele se jogou sobre o cobertor empoeirado.
Com o tempo, o sol do meio-dia cruzou o horizonte ocidental, e a escuridão começou a tingir o brilho alaranjado do crepúsculo.
Bzzzz!
Um zumbido baixo ressoou, e ondas circulares se formaram no ar. As ondas gradualmente se reuniram em um único ponto antes de se transformarem instantaneamente em um fragmento azul. O fragmento caiu suavemente e pousou na testa de Seol como um beijo de amante.
Logo, o fragmento afundou lentamente, como se estivesse desaparecendo sob a superfície da água.
Arrepio.
O corpo imóvel de Seol, adormecido, se contraiu.
— !
E seus olhos se abriram.
- Ahjussi é um termo usado para se referir a homens mais velhos, normalmente na casa dos trinta anos.[↩]
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