Capítulo 46: Um Mal-entendido (4/5)
O ar quente e abafado escapou pela porta aberta. O cheiro acre e amargo de sangue e suor também passou levemente pelo nariz de Seol.
As duas criadas que haviam entrado antes dele estavam apoiando Maria, completamente exausta, pelos lados enquanto saíam do quarto.
O cabelo loiro radiante de Maria agora parecia como se alguém tivesse despejado um balde de água fria sobre ele, com gotas de líquido caindo das mechas. Seu fino manto cerimonial branco estava completamente encharcado, colando-se ao seu corpo e revelando mais do que um vislumbre de sua pele.
— Ueek…!
De seus lábios bem definidos e cor de cereja, um jorro de sangue foi expelido. O manto branco foi rapidamente tingido de um tom carmesim escuro.
— Senhorita Maria!
Quando Seol correu até ela, Maria levantou a cabeça com dificuldade. Como se já estivesse com febre alta, suas bochechas antes pálidas estavam avermelhadas.
— Você está bem?
— Merda… Não consegue ver por si mesmo…?
— …
— Minha cabeça está zunindo, então, por favor, não grite perto de mim… Sinto que vou morrer a qualquer momento…
Maria tossiu e vomitou mais dois bocados de sangue. Regulando sua respiração, lançou um olhar feroz para Seol.
— Não esqueça.
— …
— Eu te fiz um grande favor com isso.
Seol não era um idiota, então respondeu rapidamente.
— Entendo. Nunca vou esquecer o que aconteceu hoje.
Maria baixou a cabeça novamente. Com a ajuda das criadas, logo desapareceu no final da escada, saindo do campo de visão.
Ainda preocupado, Seol continuou olhando para a direção em que ela havia sumido, mas acabou desviando o olhar ao ouvir a exaltação vinda de seus aposentos. Era o som dos irmãos Yi gritando.
— Hora da entrada do protagonista.
Hao Win deu um leve tapinha nas costas de Seol. Embora as perguntas sobre por que esse cara o tinha seguido até ali continuassem sem resposta, Seol estava mais curioso para saber sobre a condição de Yun Seora, então, hesitante, deu seu primeiro passo para dentro.
— Ho!
Hao Win seguiu Seol para dentro do quarto e acabou soltando uma exclamação de admiração ao ver a figura da mulher sentada na cama.
A forma como ela estava sentada, levemente encostada na parede, lembrava uma bela flor de neve desabrochando timidamente em uma fenda oculta no meio do inverno.
Ela continuava levantando e abaixando o braço direito. Seus movimentos eram como os de uma flor bela que, sem saber o que fazer ao ser arrancada de seu esconderijo profundo e trazida para um campo aberto, se expunha ao calor do sol.
“De fato, agora vejo por que ele se apaixonou por ela.”
Hao Win refletiu silenciosamente e, então, empurrou levemente Seol para frente. Por causa disso, o jovem tropeçou alguns passos, o que inevitavelmente atraiu o olhar de Yun Seora. Ela se encolheu levemente e encontrou o olhar do jovem.
— C-Como você está se sentindo?
— …
— Seu braço está bem?
— …Ah.
Seus lábios pequenos e bem desenhados se abriram levemente antes de se fecharem novamente.
Diversas emoções passaram por seus olhos, mas seus lábios apenas tremeram suavemente. Pelo pequeno e quase imperceptível movimento de suas mãos, parecia que ela queria desesperadamente dizer algo, mas, ao mesmo tempo, não sabia como prosseguir. A ponto de os que assistiam à cena sentirem seus corações derreterem.
— Poxa!
Que cena mais emocionante e incrivelmente tocante!
Hao Win estava admirando a visão profundamente, mas então…
— Posso saber como você conseguiu reunir 82.000 pontos?
…As palavras de Yun Seora o trouxeram de volta à realidade.
Hao Win rapidamente colocou um cigarro na boca, enfiou as mãos nos bolsos da calça e inclinou a cabeça num ângulo exato de 30 graus, projetando levemente o queixo como se estivesse olhando de cima para baixo para seu oponente.
— Ah, isso? Bom…
— Hiya… Parabéns, parabéns.
Antes que Seol pudesse apresentar Yun Seora a Hao Win, este tomou a iniciativa e avançou de maneira extravagante. Colocou uma mão no ombro de Seol e examinou a multidão.
— Vejo que vocês já estão todos curados e tal. Consegue mexer o braço agora, né?
— S-Sim. Foi tudo graças ao senhor Hao Win…
— Claro, claro. Tudo certo, tudo certo. Mas…
Os cantos dos lábios de Hao Win se curvaram levemente para cima. Com um sorriso nitidamente malicioso surgindo em seu rosto, Yi Seol-Ah não pôde evitar franzir profundamente as sobrancelhas.
— Nós cumprimos nossa parte do acordo, então… Agora é a vez de vocês cumprirem a de vocês, não?
— Claro.
— Ah, que bom. Só queria ter certeza. Quero dizer, se por acaso vocês tivessem esquecido, as coisas poderiam ficar um pouco complicadas para ambos os lados.
— Não precisa se preocupar.
Seol respondeu com confiança. Já havia recebido muito deles e planejava retribuir na mesma moeda.
É claro que isso era apenas da perspectiva de Seol. Os outros, que não conheciam os detalhes, só puderam inclinar a cabeça em confusão diante das palavras ambíguas.
— Uhm, com licença… Que promessa é essa de que estão falando?
E, como era de se esperar, Yi Seol-Ah mordeu a isca.
— Ah, isso…
— Isso mesmo, é uma promessa.
Seol estava prestes a se explicar, mas Hao Win o interrompeu novamente.
— Não é nada demais. Digamos que fizemos um trato?
Ele dizia que não era nada, mas o tom de sua voz e a maneira como falava indicavam o contrário.
— Este amigo aqui… Vi ele correndo por aí feito uma galinha sem cabeça pela manhã, sabe? E achei que vê-lo se matando de trabalhar daquele jeito não era nada bonito. Então, depois de ouvir a história dele, decidi dar uma ajudinha.
— E, então…
— Ele disse que havia uma garota que precisava salvar e que precisava de 82.000 pontos para isso. Tão legal, tão incrível! Fiquei tão emocionado que até pedi para minha família ajudar a completar esse valor!
— S-Sua família?
O olhar perplexo de Yi Seol-Ah pousou em Seol, mas ele apenas devolveu o olhar sem dizer nada.
O que Hao Win disse não estava errado, tecnicamente. Era verdade que ele se esforçou para ajudar e realmente se revelou um romântico sem vergonha. Além disso, alguém poderia se referir aos próprios companheiros de equipe como ‘família’ também.
Mas, como Hao Win estava de costas para ela, Yi Seol-Ah não podia ver sua expressão facial.
— Mas, é o seguinte, mocinha. Não estamos administrando uma operação de caridade, então chegamos a um acordo de negócios apropriado. Entende o que quero dizer?
Num instante, o quarto inteiro ficou mortalmente silencioso. Ver Hao Win gargalhar como algum tipo de vilão de desenho animado em um aparente momento de satisfação certamente irritou quase todos ali.
— Bom, hoje, aproveitem a comemoração! Mas a partir de amanhã…
Quando ele propositalmente deixou a frase em aberto, a atmosfera ficou ainda mais pesada.
— De qualquer forma, você tem muuuito trabalho a fazer. Tenho certeza de que sabe muito bem que precisa se esforçar para manter minha família segura, certo?
Isso também era verdade. A equipe de Delphine queria a força avassaladora de ataque de Seol, afinal. E era senso comum que um Guerreiro assumisse a linha de frente.
— Eu sei. Nos vemos amanhã de manhã.
— Muito bom. Vou sair agora… Ah, certo.
Hao Win se virou para sair, mas então parou e voltou a encarar Yun Seora, como se tivesse se lembrado de algo. Ela não era tola, pelo contrário, era incrivelmente perspicaz. Como se tivesse percebido o que estava acontecendo, a seriedade em sua expressão era evidente.
— Antes de ir, devo expressar minha gratidão primeiro. Seu nome é Yun Seora, certo? Muito obrigado.
— …O que quer dizer?
Sua voz era afiada o suficiente para cortar carne humana, mas Hao Win apenas continuou a rir.
— Tudo graças a você, o homem número um da Zona Neutra caiu em minhas mãos!
Hao Win teatralmente simulou gestos de agarrar e amassar algo com os dedos, soltando uma risada sinistra.
Foi só então que Seol percebeu que havia algo errado, mas antes que pudesse reagir, as mãos ásperas de Hao Win agarraram violentamente sua gola.
— Um conselho. Nem pense em fugir. Se não recuperarmos nosso investimento aqui, então vamos recuperá-lo no Paraíso. Se não for lá… bem, vamos buscar na Terra.
Seol estava prestes a perguntar do que diabos ele estava falando quando…
— Bem, ainda não conheci um idiota que fizesse isso depois de ouvir o nome das Tríades…
Hao Win soltou a gola de Seol, inclinou-se para mais perto e piscou para ele. Com um sorriso despreocupado no rosto, passou direto pelo Seol confuso e atordoado. Logo depois, o som da porta se fechando ecoou pelo quarto.
Seol ajeitou suas roupas e soltou um suspiro leve. Além de barulhento, aquele homem era às vezes completamente indecifrável.
De qualquer forma, hoje era um dia de comemoração. Yun Seora ainda precisaria de alguns dias de recuperação, mas ao curar seu braço, Seol certamente elevou a reputação de Kim Hannah. Agora que a parte mais difícil estava feita, o resto deveria ser bem mais tranquilo.
Coincidentemente, era quase hora do jantar. Seol estava prestes a sugerir que comemorassem a recuperação de Yun Seora com um banquete, mas então…
— ?
…Ele não pôde evitar cair em profunda confusão.
As expressões de Yi Seol-Ah e Yi Sungjin estavam pálidas. Eles ficaram parados como estátuas, olhando para Seol com olhos rapidamente marejados.
— Na verdade, eu… achei estranho…
— Hein?
— Como… você conseguiu reunir tantos pontos em tão pouco tempo…? Eu estava tão curiosa…
Suas palavras hesitantes estavam carregadas de emoção.
— Tudo… tudo por nossa causa…
Como se suas pernas tivessem perdido toda a força, Yi Seol-Ah de repente desabou no chão. E, finalmente, de seus olhos avermelhados, grossas lágrimas começaram a cair. Agora em modo de pânico, Seol acenou as mãos rapidamente em negação.
— Não, não!! Espera aí!! Vocês estão entendendo tudo errado!
— É um engano?
— Isso mesmo!
— Mas você teve que pegar pontos emprestados, certo?
— Sim, mas…
Seol ficou sem palavras. Era verdade que ele havia pegado pontos emprestados. De repente, ele não sabia nem por onde começar sua explicação. No entanto, assim que os traços bem definidos do rosto de Yi Seol-Ah começaram a se desfazer e pequenos soluços escaparam de seu nariz, Seol não conseguiu evitar e apressadamente soltou.
— Eu não peguei muitos. Eu já tinha conseguido os 82.000 pontos, eles só adicionaram um pouco mais para que eu pudesse comprar alguns equipamentos para mim. Vou conseguir reembolsar isso com algumas missões.
— S-sério?
— Claro.
— Mas ele disse que você caiu nas mãos dele…
— Ele só estava brincando. Estou dizendo, vocês não precisam se preocupar. De verdade.
— Mas e sobre o encontro amanhã de manhã…?
— Sério, não é nada. Apenas entrei para o grupo dele, só isso. Eles precisavam da minha força, então vamos realizar missões juntos.
Foi nesse momento que Yi Seol-Ah finalmente desmoronou e chorou ainda mais forte.
Para ela, Seol teve que vender seu corpo para conseguir aqueles pontos, foi assim que interpretou, não importava o quanto ele tentasse explicar. Ela chegou a essa conclusão apenas com as ações de Hao Win.
“É tudo culpa minha!”
Na mente de Yi Seol-Ah, seu orabeo-nim, que era melhor do que qualquer um na Zona Neutra, havia caído para se tornar um mero escudo de carne por causa de suas palavras descuidadas. A avassaladora onda de culpa forçou ainda mais lágrimas a caírem de seus olhos.
Como Seol não fazia ideia do que ela estava pensando, apenas inclinou a cabeça, confuso. Era como se um raio tivesse caído sobre ele do nada.
“Por quê?!”
Quanto mais tentava acalmá-la, dizendo que estava tudo bem, mais ela chorava.
— Yi, Yi Sungjin…?
Seol desviou o olhar para Yi Sungjin, esperando que ele fizesse algo em relação à irmã. No entanto, Yi Sungjin não estava muito diferente.
Com a cabeça baixa, ele cerrava os punhos com força enquanto tremia de raiva.
“O que há com ele?”
O pescoço de Seol rangeu como uma máquina enferrujada ao se virar.
Yun Seora estava no meio do quarto, encarando Seol em silêncio. Quando seus olhares se encontraram, ela estremeceu violentamente, desviou os olhos e começou a encarar os lençóis com uma expressão feroz.
Foi a primeira vez que Seol viu uma demonstração tão crua de emoção vinda de uma garota que, desde que a conheceu, sempre parecia taciturna e desinteressada.
No entanto, uma sensação de déjà vu o atingiu quando viu Yun Seora mordendo o lábio inferior.
— Snif…
Yun Seora não conseguiu mais segurar e também começou a chorar. Cobriu o rosto com suas mãos finas, e seus ombros começaram a tremer suavemente.
— Eu… eu sinto muito…
Ela soluçou baixinho, e ao vê-la assim, Seol só pôde encarar o teto em desamparo.
“Aquele cara, sério…”
Num dia que deveria ser de celebração, o quarto inteiro virou um mar de lamentos.
Do lado de fora, enquanto os múltiplos choros ecoavam, Hao Win soltou uma longa tragada de fumaça, encostado na porta com os braços cruzados. Agora que seu trabalho estava feito, jogou o toco de cigarro e seguiu seu caminho.
A expressão em seu rosto, ao descer as escadas, era de pura satisfação.
Ele fungou, limpou o nariz e acenou lentamente com a cabeça.
“Sim, os humanos são mesmo criaturas emocionais.”
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