— Você não vai morrer, mesmo que caia aí dentro.

    Uma voz cristalina ecoou. Sua voz parecia mais alta que o normal, talvez porque não houvesse ninguém por perto.

    Logo, uma figura surgiu da escuridão. Uma blusa branca, um casaco preto e uma saia lápis cinza que delineava claramente suas curvas. Com uma bolsa de couro para documentos na mão, a mulher parecia uma típica jovem empresária.

    — A água não é funda aqui. No máximo, dá para uma nadadinha leve.

    Seu tom subiu no final da frase. Apesar da aparência séria de uma profissional, sua fala tinha um toque de brincadeira.

    Quando Seol saiu lentamente da água, a mulher esboçou um leve sorriso.

    — Você é Seol…

    — Quem é você?

    A mulher engoliu o restante das palavras e se aproximou de Seol com passos lentos e relaxados. Com um gesto experiente, pegou um cartão de visitas e o estendeu para ele.

    — Esta sou eu.

    Seol lançou um olhar para o cartão.

    【Farmacêutica Sinyoung】

    【Chefe de Departamento Kim Hannah】

    Quando Seol não demonstrou intenção de aceitar o cartão, Kim Hannah recuou a mão, como se estivesse um pouco desconfortável. Em seguida, lhe ofereceu um lenço.

    — Pegue. Pessoalmente, não sou muito fã de ver um homem adulto chorando.

    Seol não pegou o lenço e limpou os olhos com as mangas. Outros poderiam ter ficado incomodados, mas Kim Hannah parecia achar interessante a cautela de Seol.

    — Uma vez ouvi que um viciado em jogos não mexeria um dedo, nem se mulheres lindas se jogassem nuas sobre ele. Acho que é verdade.

    Seol analisou a mulher de óculos, dona de uma beleza de outro mundo. Sentia que já a tinha visto em um sonho.

    Para ser mais específico, lembrava-se dela na primeira cena do sonho. Uma mulher se aproximara dele enquanto bebia cerveja à beira do rio Tancheon.

    Ela dissera que tinha ótimas notícias para lhe contar. E realmente eram ótimas notícias. Disse que lhe daria dinheiro suficiente para pagar suas dívidas e que poderia ajudá-lo a ganhar mais, desde que ele trabalhasse duro. Quando entregou um envelope cheio de dinheiro, a versão onírica1 de Seol ficou completamente fascinada.

    Embora precisasse assinar um ‘contrato’ em troca, a versão de Seol no sonho não se importou nem um pouco. Afinal, dinheiro praticamente caiu em seu colo, justo quando ele pensava em se tornar um voluntário de testes médicos para ganhar um extra.

    Claro, só mais tarde ele descobriu que tinha sido enganado. Foi arrastado para um lugar que nunca vira antes, e o contrato, na verdade, era um contrato de escravidão.

    Mesmo sendo um sonho, Seol estremeceu ao lembrar do quanto havia se matado de trabalhar.

    “Não, espera.”

    De repente, Seol percebeu algo. Coisas que ele considerava apenas um sonho estavam acontecendo na realidade. Ao perceber isso, seu coração esfriou, e seu estado de alerta se intensificou.

    — Você está mais calmo do que parece.

    — ?

    — Achei que reagiria se eu mencionasse jogos de azar.

    Certamente, a reação atual de Seol só podia ser surpreendente para Kim Hannah. Mas o foco dele estava em outra coisa no momento.

    — Bem, isso é até melhor para mim. Parece que vai ser mais fácil conversar com você do que eu esperava.

    — Conversar?

    — Sim. Eu vim trazer óóótimas notícias.

    Kim Hannah deu um risinho, como se achasse graça em si mesma. Enquanto isso, Seol não conseguia esconder seu choque.

    — Eu vim trazer óóótimas notícias.

    Foram exatamente essas palavras que ele ouvira em seu sonho. Agora, começava a acreditar que seu sonho não era um mero devaneio, mas uma premonição do que estava por vir.

    — Ei.

    Kim Hannah colocou a bolsa de couro que segurava no pulso direito no chão. Quando a alça caiu, o conteúdo da bolsa ficou exposto, revelando maços de notas de 50.000 won organizados de maneira impecável.

    — Que tal fazermos uma aposta?

    Ela foi direto ao ponto. Já havia terminado de investigar o histórico do jovem. Agora, só faltava lançar a isca.

    Viciados em jogos de azar eram um dos alvos mais fáceis de fisgar. No entanto, ela era perfeccionista. Sempre buscava agir no momento perfeito, para que suas presas nunca recusassem.

    E esse momento era hoje.

    Ao ver o jovem encarando fixamente sua bolsa, Kim Hannah estava plenamente confiante de que teria sucesso.

    Seol ergueu a cabeça lentamente. Kim Hannah entrelaçou as mãos, como se o incentivasse a falar.

    — Não, obrigado.

    — Ótimo, o jogo que vamos jogar é…

    Kim Hannah parou no meio da frase.

    — Eu parei de jogar. Não vou fazer isso.

    Quando Seol reforçou sua decisão, Kim Hannah recobrou a compostura. Ela piscou rapidamente e inclinou ligeiramente a cabeça.

    — Mesmo sabendo que tudo isso pode ser seu se ganhar apenas uma vez?

    — Não estou interessado.

    — E se eu dissesse que é seu, ganhando ou perdendo? Se não me engano, você tem uma dívida considerável para pagar.

    — Eu vou resolver isso sozinho.

    — Então, não está nem um pouco curioso para saber por que estou te fazendo essa oferta?

    — …

    — Eu te explico tudo. Tudo que você precisa fazer é jogar um jogo comigo. Claro, o dinheiro ainda será seu, independente do resultado.

    Para ser totalmente honesto, era uma oferta tentadora. Mesmo à primeira vista, Seol conseguia contar pelo menos quarenta maços de dinheiro.

    A mulher parecia confiável pela maneira confiante com que falava. Ouvi-la não parecia uma má ideia.

    Justo quando Seol estava prestes a acenar com a cabeça em concordância, um alarme ressoou em sua mente. As emoções remanescentes de seu sonho daquela manhã se agitaram violentamente em uma feroz resistência.

    Ao mesmo tempo, ele sentiu uma estranha atração. Em meio ao turbilhão contraditório de emoções, Seol respirou pesadamente.

    “Eu quase… cometi outro grande erro?”

    Não importa o quão vívido fosse um sonho, normalmente ele se esvaneceria rapidamente após acordar. Mas Seol ainda se lembrava dela. Isso não significava que ela desempenhava um papel importante? Ele se obrigou a permanecer cauteloso.

    Sua suspeita estava certa. As palavras dela, ‘Tudo que você precisa fazer é jogar um jogo comigo’, podiam ser interpretadas de diversas maneiras.

    — Eu recuso.

    “Oh, é mesmo?”, Kim Hannah murmurou para si mesma.

    Sua reação foi, sem dúvida, uma surpresa. Kim Hannah esperava que Seol saltasse sobre a oferta como uma fera faminta assim que visse os maços de dinheiro. Esse era o Seol que ela conhecia.

    Mas, ao mesmo tempo, essa situação não era completamente inesperada. De vez em quando, havia pessoas como ele, tolos que fingiam resistência para tentar extrair mais dela.

    Kim Hannah reajustou sua avaliação interna de Seol. Ele não parecia tão ruim. Pelo menos, era melhor que os idiotas imprudentes. Infelizmente…

    “Você escolheu a adversária errada, seu bastardo.”

    Essa não era a primeira vez dela. Kim Hannah sabia muito bem como convencer pessoas assim.

    — Que incômodo…

    Kim Hannah fingiu cruzar os braços e pressionou o bolso interno do casaco.

    Bzz…

    Algo vibrou.

    — Ah, desculpe, um momento.

    Ela pegou o celular e habilmente colocou os fones de ouvido.

    — Sim, aqui é Kim Hannah. Ah~ Sim, estou falando com ele agora. Sim, sim… Sério? Então vamos recrutar essa pessoa?

    Kim Hannah lançou um rápido olhar para Seol. Então…

    — Sim! Claro, sem problemas. Meu cliente recusou. De qualquer forma, já estou voltando…

    Ela retirou os fones de ouvido e sorriu.

    — Que coincidência. A última vaga foi preenchida agora mesmo.

    Kim Hannah enfatizou a frase ‘última vaga’.

    — Bem, como você recusou, acho que tudo se resolveu. Com licença, então. Espero sinceramente que consiga alcançar tudo o que deseja.

    Kim Hannah pegou a bolsa de couro e se virou sem a menor hesitação. Em seguida, começou a se afastar, passo a passo.

    Por experiência, ela esperava que uma de duas coisas acontecesse. Ou ele a interromperia imediatamente, ou esperaria um pouco antes de correr atrás dela.

    — Espere.

    Kim Hannah sorriu de canto.

    — Sim, o que foi?

    Ela virou ligeiramente a cabeça. Sua expressão provocativa parecia dizer ‘o que foi agora?’ como um bônus.

    “Você é um pouco diferente do que eu esperava, mas acha que alguém como você pode me vencer?”

    Seu sorriso triunfante se formou. Foi então…

    — Se não for o Contrato…

    Seol abriu a boca.

    — Se não for o Contrato, eu ouço o que tem a dizer.

    Foi isso. Apenas essa frase fez o fluxo de pensamento de Kim Hannah parar completamente.

    Pisca, pisca.

    Ela encarou o homem à sua frente, boquiaberta.

    — …Pode repetir?

    Ela mal conseguiu articular uma resposta.

    — O que eu quero…

    O que veio a seguir…

    — …é um Convite, não um Contrato.

    …destruiu completamente todos os cenários que ela havia imaginado.

    — …Você.

    O sorriso de Kim Hannah desapareceu por completo. Lentamente, ela retirou os óculos, sua expressão tornando-se friamente séria.

    — Quem é você?

    Seu jeito de falar mudou. Era possível sentir até mesmo um leve tom de hostilidade.

    — Você já sabe.

    Vendo a mulher abandonar a formalidade, Seol também falou de forma mais casual. O olhar penetrante de Kim Hannah se tornou ainda mais afiado.

    — Você já é do outro lado?

    — Você deveria saber melhor do que ninguém que isso não é verdade.

    Kim Hannah quase concordou. Ela havia escolhido Seol como um de seus alvos seis meses atrás. Até agora, ele nunca havia agido de forma estranha.

    Além disso, se ele já tivesse ido para lá pelo menos uma vez, deveria carregar a marca no corpo. No entanto, ela não conseguia sentir a aura do ‘Selo’. Isso era uma prova clara de que Seol não tinha nenhuma relação direta com o outro mundo.

    Diante de uma situação que jamais imaginara, Kim Hannah não sabia exatamente como reagir. Pelo que ela sabia, isso não deveria estar acontecendo.

    — Você quer que eu acredite nisso? Mesmo sabendo a diferença entre um Convite e um Contrato?

    — E daí? Não posso simplesmente dizer ‘convite’?

    A resposta descarada de Seol fez Kim Hannah morder os lábios.

    — Não estou aqui para brincar com palavras. Quem foi? Quem entrou em contato com você primeiro?

    — Isso não importa.

    Seol desviou o assunto propositalmente. Tudo o que ele havia dito até agora vinha de seu sonho. Tanto o Convite quanto o Contrato.

    Ele apenas jogou essa informação na conversa porque seu instinto lhe disse para fazê-lo. Como não havia maneira de Kim Hannah saber a verdade, ele achou melhor deixá-la tirar suas próprias conclusões erradas. Afinal, essa era sua única arma de engano contra ela.

    — O que importa é que eu quero um Convite, não um Contrato.

    Ao ouvir isso, Kim Hannah respirou fundo.

    — Tudo bem, não me diga se não quiser. Estou curiosa, mas não tenho motivo para continuar ouvindo você.

    “Um, dois, três, quatro.” Kim Hannah contava mentalmente para se acalmar. Sentia que estava sendo levada pelo ritmo daquele jovem.

    — Além disso, me diga por que você quer um Convite.

    — Porque não estou interessado em aceitar um Contrato e viver como um escravo.

    Seol respondeu simplesmente. A sobrancelha de Kim Hannah se contraiu.

    — Me diga por que eu deveria desperdiçar meu precioso Convite com um viciado em jogos inútil!

    Seol estremeceu. Sem perceber, já estava tratando o sonho daquela manhã como realidade. Com isso em mente, não pôde evitar questionar se deveria continuar.

    Ainda não era tarde demais. Poderia encerrar a conversa agora e fingir que nada disso aconteceu. Já havia decidido abandonar os jogos de azar. Poderia recuperar a confiança que perdeu conseguindo um emprego honesto e trabalhando arduamente.

    No entanto, quando declarou que não estava interessado no Contrato, a sensação de repulsa que o incomodava desapareceu. Agora, apenas aquela estranha atração permanecia.

    Ele também estava curioso. Havia algo que queria confirmar.

    Seol se lembrou da cena final do sonho. A emoção de arrependimento daquele homem moribundo agora o empurrava para frente. Estava dizendo para ele seguir em frente.

    Finalmente, Seol entendeu o que havia sentido antes. Para chegar lá, ele precisava recusar absolutamente o Contrato.

    Cerrou os dentes. Vasculhou suas memórias com toda a concentração.

    — Você pode se arrepender se não me der um Convite.

    — O quê?

    — Você disse que era a Gerente Kim Hannah da Farmacêutica Sinyoung, certo?

    — E daí?

    — A Sinyoung tem se destacado no desenvolvimento de novos medicamentos nos últimos anos… Isso tem a ver com aquele mundo, não tem?

    O golpe de Seol acertou o alvo. A expressão calma que Kim Hannah tentava manter se desfez.

    Antes do sonho de hoje, Seol não sabia nada sobre o outro mundo. Era óbvio que essa informação estava sendo mantida em segredo do público.

    Ele não sabia se Kim Hannah era forçada a manter silêncio ou se fazia isso por vontade própria, mas assumiu que esse era um ponto fraco que valia a pena explorar. Como o Seol atual era um civil comum sem nenhuma restrição sobre sua liberdade, não precisava se segurar.

    — Eu nem precisaria abrir a boca. Afinal, o século XXI é conhecido como a Era da Informação.

    — Você está me ameaçando?

    — Foi você quem tentou me enganar primeiro. O que vai, volta.

    — Engraçado. Você acha que alguém acreditaria em você? Um viciado em jogos, de todas as pessoas?

    — …Bem, acho que você tem razão.

    Quando Seol admitiu isso tão facilmente, um sentimento de inquietação cresceu no coração de Kim Hannah. Como ele podia estar tão relaxado?

    — Mas será que seus superiores pensariam da mesma forma?

    Crack.

    O som de dentes rangendo ecoou.

    — Incapaz de concluir um simples Contrato, não consegue manter um segredo importante… Tenho certeza de que vão adorar isso.

    — Seu filho da puta!

    Kim Hannah finalmente abandonou a fachada. Seol sabia que estava chegando perto. Sabia que fazer um trapaceiro xingar não era diferente de fazê-lo erguer a bandeira branca.

    Ele considerou provocá-la ainda mais, mas rapidamente desistiu. Agora que já a tinha pressionado o suficiente, parecia uma boa ideia aliviar a tensão. Afinal, era ela quem tomava a decisão final.

    — Claro, eu também não quero levar isso tão longe. Você só precisa me dar um Convite.

    Seol recuou um passo. Kim Hannah ainda rangia os dentes, com uma expressão feroz.

    — Um Contrato e um Convite são duas coisas completamente diferentes. Eu posso fazer Contratos por conta própria, mas não posso emitir um Convite.

    — Mas você não acabou de dizer que era o seu ‘precioso Convite’?

    “Filho da puta.” Kim Hannah mordeu o lábio inferior.

    “Que merda de divindade você é? Você disse que chegaria o dia em que eu não teria escolha senão usá-lo. Era disso que estava falando?”

    Kim Hannah bagunçou o cabelo perfeitamente alinhado enquanto amaldiçoava o deus do outro mundo.

    — Não estou mentindo. Para um Convite comum, eu preciso de permissão.

    Seol deu de ombros. Vendo sua expressão tranquila, a cabeça fervente de Kim Hannah começou a esfriar.

    O Contrato era um negócio. O Convite carregava um significado diferente, mas, tecnicamente, era uma extensão desse negócio. Nesse sentido, Seol tinha superado as expectativas de Kim Hannah. Ele parecia mais um talento de verdade do que um escravo. Fazia com que ela sentisse estar lidando com um veterano que havia passado anos do outro lado.

    Claro, ela sabia que isso não podia ser verdade.

    Depois de recuperar o fôlego, Kim Hannah pegou o celular. Mas, antes de apertar o botão de chamada, um intenso conflito interno a deteve.

    “Droga, como fui acabar com esse desgraçado…”

    Mudar um Contrato para um Convite não era uma tarefa fácil. Não importava o quanto embelezasse suas palavras, seria difícil escapar da culpa. Como uma mulher focada na carreira, Kim Hannah não suportava a ideia de manchar seu histórico.

    Com o celular ainda ligado, ela falou:

    — Você tem que concordar com três condições.

    1. dos sonhos[]
    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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