Capítulo 64: Leite Derramado (4/4)
Tilintar.
A sineta da porta soou mais uma vez.
Seol Jihu parou de perder tempo e prendeu a respiração por um momento.
Yoo Seonhwa, ainda com o uniforme da cafeteria, agora estava diante dele.
Sentiu o corpo inteiro, a partir das pontas dos dedos, se congelar diante do olhar frio dela.
— …Você teve mesmo a coragem de aparecer no meu local de trabalho.
— Seonhwa.
— Me segue. Não quero causar um escândalo aqui.
Yoo Seonhwa declarou isso e começou a andar em direção a um beco, sem esperar por resposta. Ele não teve escolha senão ir atrás.
Pouco depois, Yoo Seonhwa parou e se virou. Seol Jihu também parou por reflexo.
— …
Ela o encarou por um bom tempo sem dizer uma palavra.
A cabeça de Seol Jihu foi se abaixando lentamente, como a de um criminoso ciente de sua culpa. Por algum motivo… ele achava difícil encará-la nos olhos.
Havia apenas seis ou sete passos entre eles. No entanto, ele sentia uma pressão muda que o impedia de se aproximar.
A primeira a romper o silêncio foi Yoo Seonhwa.
— Primeiro de tudo, pega isso aqui.
Seol Jihu recebeu seu antigo cartão do banco e o celular, e sua expressão ficou um pouco confusa.
— O-Obrigado. Eu tinha me esquecido deles…
— Esqueceu? Não, você só queria uma desculpa. Foi esperto porque eu disse que ia chamar a polícia.
— Não, sério. Eu tinha mesmo esquecido.
— Chega. Tá bom. Então, por que veio aqui hoje?
A voz dela continuava fria.
— Você deixou dois milhões naquela noite.
— …Sim.
— Agora pensou melhor e quer o dinheiro de volta, é isso? O quê? Quer que eu te devolva?
— N-Não. Não é isso. A questão é…
— Ótimo. Eu te dou. Vou te dar, então…
Yoo Seonhwa puxou ₩2 milhões em espécie da bolsa e estendeu como se fosse jogá-los fora. Parecia que ela já deixava o dinheiro preparado para o caso de Seol Jihu aparecer um dia.
— Pegue isso e vá embora, agora. Preciso voltar pro trabalho.
A voz dela, cheia de mágoa e raiva, cortava o corpo dele e cravava facas por dentro.
— Pegue e nunca mais apareça na minha frente.
Ela já tinha sido uma namorada gentil e amorosa.
— Essa é a última vez que vou fingir que não vi. Nunca mais pense que truques baratos assim vão funcionar comigo.
Parecia que ela já tinha ultrapassado o desprezo e entrado no campo do ódio.
“Foco, foco…”
Ele ficou ali, os lábios se movendo inutilmente por um tempo, antes de conseguir soltar algumas palavras com grande esforço.
— Desculpa… por ter vindo te ver durante o expediente.
— ?
— Tinha algo que eu precisava te dizer… Mas pensei que, se não fosse hoje, não conseguiria mais… E-Eu, tipo, eu…
Seol Jihu começou a morder os lábios. Não era isso. Estava errado. Até ele sabia que estava falando bobagem. Havia tantas coisas que queria dizer, mas sua mente estava um emaranhado impossível de desenrolar.
Devagar.
Precisava ser devagar.
Hoje era o último dia.
Diferente da família, com Yoo Seonhwa ele precisava encerrar tudo hoje.
Seol Jihu firmou a decisão mais uma vez; só então conseguiu recuperar um pouco da calma no coração.
— Eu sei que você tá ocupada, mas será que podemos conversar? Dez minutos, cinco, não, até três minutos já seriam o bastante.
— …
Depois de um breve silêncio, Yoo Seonhwa recolheu a mão que segurava o dinheiro. Ele levantou os olhos, um pouco mais esperançoso, mas o olhar dela ainda era frio e crítico.
— Quer conversar?
— Sim…
— Quantas vezes mais vou ter que repetir? Se quiser falar comigo, vá até o cassino e peça o banimento! Eu disse que só pensaria em conversar depois disso.
— E-Eu já fiz isso.
Seol Jihu respondeu rapidamente. As sobrancelhas de Yoo Seonhwa se contraíram.
— O que você disse?
— Já pedi o banimento vitalício. Fiz isso de manhã, antes de vir pra cá.
— …Hah.
Ela soltou um longo suspiro e olhou para o céu.
Fechou os olhos e até estalou a língua. Era como se estivesse lidando com alguém sem salvação. Embora não dissesse claramente ‘Você está mentindo, não está?’, Seol Jihu achava que ainda podia ouvir essas palavras.
— Estou dizendo a verdade. Por favor, acredita em mim.
Yoo Seonhwa mordeu o lábio inferior ao ouvir o pedido. Em seguida, pegou o celular e ligou.
— Alô? É o atendimento do Seorak Land? Ah, olá. Estou ligando pra saber se uma certa pessoa está banida de entrar aí. O nome dele é Seol Jihu…
Ao vê-la confirmar a verdade ligando para o cassino, algo amargo subiu pela garganta de Seol Jihu. Quantos danos e dores ele havia causado no passado para que Yoo Seonhwa e sua família tivessem o número do cassino decorado?
— Ele já está na lista? Hoje mesmo, ele pessoalmente…?
A expressão rígida de Yoo Seonhwa desmoronou um pouco.
— M-Muito obrigada.
Ela encerrou a ligação e o encarou com olhos ainda cheios de desconfiança.
— Você…
Piscou os olhos várias vezes e umedeceu os lábios secos.
— …O que você queria conversar?
Embora só um pouco, a voz dela soava menos gelada do que antes.
Essa era a chance final, uma que jamais voltaria. Seol Jihu reuniu coragem.
— Me desculpa!
Curvou-se o máximo que pôde. Sua visão imediatamente foi preenchida pelo concreto.
— O que você disse?
— Me desculpa mesmo, de verdade.
Sua mão esquerda apertava com força o envelope com o dinheiro.
— Eu… eu sei que fui um desgraçado… Mas, mesmo assim, eu… eu queria pedir o seu perdão…
— …
— Por todas as vezes que menti pra você… te decepcionei… te fiz passar pelo inferno… te machuquei com aquelas merdas que disse… eu queria… me desculpar com você…
Conforme as palavras saíam entrecortadas, os cantos dos olhos começaram a arder. Seol Jihu cerrou os dentes e aguentou.
— Me desculpa…
Continuava implorando pelo perdão dela.
Não conseguia fazer um daqueles pedidos de desculpas emocionantes e diretos, mas concisos. Não, isso soaria mais como um insulto à dignidade dela.
Quanto mais ela permanecia em silêncio e mais ele falava, mais sua garganta começava a travar.
— Eu costumava…
Foi então.
— Eu costumava ter esperança de que um dia como hoje acontecesse.
Sua voz, baixa mas carregada, entrou direto no cérebro dele. Ele concentrou todo o seu ser para escutar.
— Claro, também refleti muito. Parte da culpa do que aconteceu é minha. Eu não devia ter te dado dinheiro quando você pediu pela primeira vez. Devia ter escutado sua mãe e seu pai naquela época.
Seol Jihu esqueceu tudo que queria dizer.
— Eu… eu acreditei que, um dia, você voltaria a ser quem era. Então esperei, com aquela única fagulha de esperança, até agora. Não, espera. Talvez eu esteja só inventando mais desculpas.
Ele teve vontade de morder a própria língua enquanto aquela voz calma e contida continuava. Queria gritar e dizer que tudo era culpa dele.
Se ela estivesse gritando com ele e o xingando, como a irmã tinha feito, talvez conseguisse aguentar. Mas ouvindo aquela voz serena e composta… simplesmente não sabia o que fazer.
Yoo Seonhwa perguntou com cautela:
— Aquilo que você disse… é tudo verdade?
— …É…
— Você veio aqui mesmo pra se desculpar comigo?
Acena, acena.
— Então tá.
Yoo Seonhwa caminhou lentamente até onde ele estava e estendeu a mão.
— Então… pegue isso.
No momento em que viu ela lhe estendendo os maços de dinheiro, Seol Jihu entendeu o verdadeiro sabor do desespero.
— S-Seonhwa…
— Por favor, aceite, se estiver sendo mesmo sincero.
As emoções refletidas nos olhos dela pareciam um tanto complicadas, mas só isso.
A razão para lhe oferecer aquele dinheiro era clara: o rompimento do último fio que ainda os ligava.
— Se você realmente pensa assim… então, mais do que palavras, me mostre com ações.
Agora, o significado do gesto dela havia mudado. Já não era mais “Pegue isso e suma da minha frente”, mas sim, “Por favor, não torne minha vida mais difícil.”
Foi então que ele percebeu: havia entre os dois um abismo emocional profundo que jamais poderia ser curado.
O pescoço de Seol Jihu começou a tremer. O momento havia chegado.
Ele não podia aceitar aquele dinheiro.
Se o fizesse, tudo estaria terminado de vez.
Não, já estava terminado.
Ele sabia disso, mas ainda assim não conseguia aceitar o dinheiro com facilidade.
Yoo Seonhwa soltou um suspiro leve e, no fim, cuidadosamente enfiou o dinheiro no bolso dele.
— Obrigada por pedir o banimento. Tenho certeza que seus pais vão ficar felizes em saber. O Oppa Wooseok e a Jinhee também…
Yoo Seonhwa baixou os olhos discretamente ao vê-lo com o rosto voltado pro chão o tempo todo.
— Eu… estou cansada. Estou magoada, sim, e pra ser sincera, acho que não consigo perdoar você de verdade do jeito que estou agora.
— …
— Mas, se você realmente voltou a ser quem era… quero que siga em frente, que se esforce e viva bem, como se quisesse me mostrar o quanto progrediu. Se for assim, não acha que, um dia, poderíamos conversar de novo… com um sorriso no rosto?
…Um dia.
Yoo Seonhwa havia criado laços fortes com a família Seol desde criança. Então era óbvio que eles acabariam se encontrando de novo em reuniões de família e feriados nacionais.
No entanto, tanto ele quanto ela sabiam, o que ela disse não significava que poderiam tentar mais uma vez.
O tempo passou, sem que nenhum dos dois notasse quanto.
— …Você tem razão.
Seol Jihu finalmente forçou a cabeça a se levantar. Mas seus olhos continuaram fixos no chão.
— Obrigado… por acreditar em mim.
Como sempre, Yoo Seonhwa era uma pessoa gentil. Ela o tratou de uma forma incomparavelmente mais amável do que sua própria família.
Deve ter sido difícil acreditar nele, depois de todas as mentiras que já contou.
E ainda assim, ela acreditou mais uma vez.
Além disso, sem usar palavras duras e dizendo as coisas de forma indireta, ela ainda estava sendo cuidadosa com ele.
De fato, ele sabia disso muito bem, mas…
— Esses dois milhões… Eu entendo. Vou aceitar. Entendo o que você quis dizer.
…Mas, seu coração doía ainda mais do que antes.
Seol Jihu fungou fundo e começou a mexer no dinheiro com a mão direita. Ainda precisava devolver a ela o que era dela.
— Mas… pelo menos aceite isso aqui.
Ele ergueu o braço esquerdo, que segurava o envelope, e abriu a palma da mão.
Então…
— Hã?
Ela fez uma expressão de confusão e olhou para a mão dele.
— …O quê?
Então, seus olhos, que até agora haviam permanecido calmos, se arregalaram, espantados.
Sua boca se abriu, atônita. Ele percebeu de imediato que ela não conseguia acreditar no que estava vendo. Deu até um passo pra trás, chocada.
Aquela reação indicava que ela provavelmente recusaria o dinheiro, como seus irmãos haviam feito. Então ele estendeu a mão e segurou a dela, colocando o envelope ali. A pele dela era tão suave… a ponto de ele nunca mais querer soltar.
— E-Eu já vou indo.
Mas teve que se contentar com aquele breve toque. Fez o máximo para forçar um sorriso. Enquanto isso, Yoo Seonhwa ainda parecia atônita.
— Você, mas… como?
— Não vou aparecer de novo. Então, uh… se cuida.
Seol Jihu virou-se e saiu correndo pela rua.
Começou a correr com força, enquanto aquela emoção insuportável o preenchia por dentro.
— …Ah.
Tudo aconteceu tão rápido. Yoo Seonhwa só recuperou os sentidos depois de um tempo e, por instinto, conferiu o conteúdo do envelope. Estava cheio de cédulas com o rosto de Shin Saimdang1. Ela ficou sem fôlego mais uma vez.
— E-Ele… N-Não, espera. O quê…?
Yoo Seonhwa ficou mergulhada na confusão por um tempo, antes de ligar o celular às pressas.
— Oppa Wooseok? Sim, sim… Por acaso… ele apareceu aí? Quando?
Sua voz foi aumentando.
— 55 milhões de won?!
— Sim. E além disso, ele trouxe o carro da Jinhee de volta e comprou um notebook novo pra ela.
— Mas… não faz sentido. De onde ele tirou esse dinheiro?
— Não sei. Ele garantiu que não foi através de apostas…
— Mas…
— É, eu sei. Lembra daquele dia em que ele foi pedir dinheiro emprestado pra você? Liguei pro Seorak Land pra confirmar, e disseram que a última vez que ele esteve lá foi numa quinta-feira, dia 16 de março. Isso significa que ele realmente não conseguiu o dinheiro com apostas…
— Q-qual foi a data mesmo?
— Dezesseis de março. Enfim, ele disse que o dinheiro veio de uma fonte honesta. Mas estava com pressa e precisou ir. Acho que foi te ver…
Dezesseis de março.
“Não… não pode ser.”
Yoo Seonhwa já não ouvia mais a voz de Seol Wooseok.
— N-Não, espera. Isso, isso não pode ser…
O envelope caiu no chão, e o dinheiro se espalhou.
Mas Yoo Seonhwa nem olhou para aquilo. Saiu correndo pela rua.
— Jihu!
Olhou ao redor e chamou com desespero.
— Seol Jihu!
Mas as costas de Seol Jihu… já não estavam mais à vista.
- Uma renomada artista, escritora, calígrafa e poetisa coreana do período Joseon. Ela estampa a nota de ₩50.000, a mais alta do país.[↩]
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.