Capítulo 67: O Lugar Onde Ele Precisa Estar (3/3)
Kim Hannah acordou primeiro, ainda de madrugada. Confirmou que Seol Jihu ainda dormia e entrou no banheiro em silêncio para tomar um banho. A intenção era apenas se lavar rapidamente, mas tinha suado demais no dia anterior limpando aquele chiqueiro de quarto, então não teve jeito.
Ela não queria acordá-lo, então levou as roupas consigo para dentro do banheiro, mas, pelo visto, o barulho da água o despertou mesmo assim; quando saiu, encontrou Seol Jihu sentado, coçando os olhos.
O sol da manhã já havia cruzado o horizonte quando ele também terminou de se arrumar.
Ela então o arrastou para fora de casa e o levou até um pequeno restaurante escondido em um beco esquecido, para tomarem café da manhã.
Enquanto esperavam a comida chegar, exigiu que ele contasse tudo que tinha acontecido no dia anterior. Seol Jihu não estava muito disposto a falar, mas mesmo assim contou tudo. Depois de ouvir a história, a reação dela foi, no mínimo, dramática.
— O-o quê?! Você gastou mais de 100 milhões de won ontem?!
— …
— Como você pode ser tão burro assim? Você é a mesma pessoa? É aquele sobrevivente que ficou em primeiro lugar?!
— …
— Ei, você!! Eu te falei pra pensar na diferença de tempo, não falei?! O que acham de um viciado em apostas que some por um mês e reaparece de repente com 50, 60 milhões, dizendo do nada que largou o vício?! Hã?!
Kim Hannah estava por um fio de perder a cabeça, quase pulando da cadeira. Achou que ele usaria o dinheiro com sabedoria, foi por isso que depositou parte na conta dele. Um cara tão inteligente e habilidoso a ponto de resolver tarefas difíceis com facilidade no Paraíso, virou um idiota completo assim que voltou pra Terra. Mal dava pra acreditar.
— Seu idiota… você realmente fez isso mesmo…
Kim Hannah massageou o pescoço enquanto afundava no desespero.
— …Não é que eu não entenda o seu lado, tá? Mas, nesse caso, devia ter aparecido com 20, 30 milhões primeiro, sei lá. Precisava reconquistar os laços antigos aos poucos, pedindo desculpas, dizendo que largou o vício, que vai trabalhar duro pra compensar, mas que tá ocupado e vai ligar depois, etc., etc… O quê? Achou que dava pra consertar tudo de uma vez? Seus relacionamentos já estavam quebrados fazia anos, lembra?
O fluxo contínuo de opiniões certeiras fez Seol Jihu coçar a nuca em silêncio. Mesmo que tivesse dez bocas, ainda não teria como se justificar agora.
— Haaaaah…
Kim Hannah soltou um longo suspiro, repetidas vezes, antes de encará-lo.
— Não dá pra continuar assim.
— ?
— Embora você ainda não tenha assinado o contrato, assim que assinar, vou invocar o privilégio da protetora.
— Privilégio da protetora?
— Você quer consertar as coisas com a sua família, certo?
Seol Jihu assentiu como se isso fosse óbvio.
— Não tô planejando interferir na sua vida particular, mas nesse assunto, eu vou me intrometer, tá?
A comida chegou então, e a indignação de Kim Hannah teve que dar uma pausa.
— Vamos comer. A gente conversa enquanto come.
Kim Hannah tomou uma colherada da sopa e continuou.
— Escuta. Um dos meus subordinados foi pra lá quando ainda era universitário. Ele se saiu bem, construiu uma carreira legal, ficou famoso e acabou sendo recrutado pela Sinyoung. Até se casou recentemente.
— Dá pra casar naquele mundo?
— Claro que tem quem case, mas não é isso que eu tô dizendo.
Kim Hannah gesticulou com a mão para enfatizar que esse não era o ponto.
— Enfim. Ele se casou com uma garota que não tem envolvimento com aquele mundo, entende? E aí, o que você acha que aconteceu?
— Sei lá. Não é meio, tipo, perigoso? Podem descobrir, né?
— Você acha? A vida dele aqui tá indo muito bem. Ele vai pro trabalho de manhã, se transfere pra lá, passa alguns dias e volta, mas aqui, ainda é o fim da tarde. Se se atrasa lá, diz que ficou fazendo hora extra. Se precisa de mais tempo lá, diz que tá viajando a trabalho.
— Mas, e se a esposa dele aparece na empresa?
Kim Hannah deu de ombros.
— E daí? Mostramos ele trabalhando no escritório pra ela.
— E se ela aparece de surpresa ou tem alguma emergência?
— Nem isso é problema. Se acontecer algo com a família, a empresa é avisada na hora. Dizemos que ele tá trabalhando fora, e alguém nosso vai pro outro lado buscar ele.
— Você realmente é bem minuciosa em cuidar da sua equipe, hein?
— Esse é o poder da minha empresa. E, bom, é por isso também que eu vou cuidar de você.
Seol Jihu assentiu e concordou. O tom de Kim Hannah era meio combativo, mas ele não se incomodava. Na verdade, não soava como intromissão, e sim como se ela estivesse tentando ajudá-lo.
— Então, o que você tá dizendo é que vai invocar esse tal privilégio da protetora, né?
— Isso mesmo. Na verdade, nem preciso invocar de verdade. Essa é uma das responsabilidades que quem recebe os direitos de recrutamento deve cumprir.
— Direitos de recrutamento?
— Exato. Acha que a gente recebe esses direitos de graça? Naturalmente, temos deveres e responsabilidades.
Kim Hannah começou a mastigar alguns rolinhos de kimbap1, mas parou e fez um ‘oops’ ao ver a expressão vazia do rapaz. Como ele era extremamente competente no Paraíso, às vezes ela assumia que ele já tinha entendido tudo e acabava pulando explicações.
— Mesmo que chamem de ‘direitos’, não é nada tão impressionante. É tipo… a gente pode usar os carimbos, e consegue descobrir se a pessoa tá envolvida com aquele mundo ou não… só isso, mais ou menos.
— Você consegue fazer isso?
— Claro. Sem isso, por que você acha que acreditei em você naquela vez? Só porque jurou pela sua mãe ou algo assim?
— Ok, e como você sabe, então?
— Me dá sua mão.
Seol Jihu estendeu a palma da mão direita para ela. Mas ela balançou a cabeça.
— Não a mão direita. A mão onde eu plantei o selo.
Seol Jihu abriu a mão esquerda e inclinou a cabeça. Do ponto de vista dele, era só uma mão comum, não via nada de especial ali.
No entanto, devia ser diferente para Kim Hannah, pois ela assentiu com a cabeça de forma quase sábia.
— É, dá pra ver claramente agora. Deve estar tão vívido porque você é um Selo Dourado.
— Você consegue ver algo na minha mão?
— Aham. Existem três maneiras de distinguir quem está envolvido com aquele mundo e quem não está.
Ela lambeu o hashi e esticou o dedo indicador, o médio e o anelar.
— Primeiro, você reconhece o rosto da pessoa. Isso até você consegue fazer. Segundo, dá pra ver o Selo da outra pessoa. Mas o problema desse método é que você nunca sabe exatamente onde o Selo pode estar. Às vezes, pode estar num lugar meio… estranho, sabe?
Seol Jihu ficou um pouco curioso sobre que tipo de lugares estranhos seriam esses.
— A última é sentir a ‘aura’.
— A aura?
— Tem uma aura distinta que é emitida pelos Selos. Mas você precisa estar perto do Selo e se concentrar bastante pra conseguir sentir.
Seol Jihu ficou profundamente intrigado conforme o assunto começava a entrar no campo do Paraíso.
— Ah, acabei me desviando. Enfim…
Kim Hannah estalou a língua e puxou o contrato e uma caneta do bolso interno.
— O que eu quero dizer é o seguinte. Quero que você equilibre sua vida aqui tanto quanto lá, igual aquele subordinado que te falei.
— Isso é…
— Escuta. Eu tô vivendo daquele lado há muito mais tempo que você. Também conheci muito mais gente do que você. Poxa, eu sou alguém que seduz os outros pra entrarem naquele lugar.
De repente, o tom da voz dela ficou mais baixo no meio da fala.
— Vou ser honesta com você. Desde que comecei como corretora, nunca imaginei que diria essas palavras em voz alta.
Kim Hannah tomou um grande gole de água, ajeitou os óculos e continuou.
— Me convenci depois de ver como você agiu ontem à noite. Talvez você não precise disso quando estiver do outro lado, mas aqui, você precisa de uma gestão rigorosa.
— …
— E, mais importante ainda, eu não vou ficar de braços cruzados vendo o homem que convidei se viciar naquele mundo e ficar se arrastando por aí feito um idiota. Entendeu?
Kim Hannah falou até aí e colocou o contrato na frente de Seol Jihu.
— Se entendeu o que eu disse e acha que dá conta disso, então assina o contrato.
Seol Jihu ficou em silêncio por um momento antes de pegar a caneta. E no instante em que puxou o contrato para mais perto…
— Não se esqueça.
A voz dela saiu afiada.
— O lugar onde você precisa estar… é aqui.
- Kimbap é um rolinho de arroz e algas marinhas coreano[↩]
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