Capítulo 69: Primeira Experiência (1/3)
Vivenciar algo pela primeira vez era sempre um momento especial.
A sensação de ir para o Paraíso era… algo parecido com afundar nas profundezas do oceano. Seol sentia o corpo inteiro se tornando pesado e lento.
Depois de fechar os olhos em silêncio, sentiu seu corpo emergir no ar livre. Quando os abriu, o portão de transferência do templo estava logo atrás dele, ainda emitindo aquela luz misteriosa.
— Você finalmente chegou.
Kim Hannah o esperava ali.
Ele finalmente havia retornado ao Paraíso. Essa seria sua segunda vez entrando nesse mundo.
Seol Jihu apresentou o bilhete no balcão e recebeu uma chave em troca. Seguiu rapidamente até o depósito para recuperar seu equipamento. Confirmou que o ‘8’, dourado havia mudado para prata, devolveu a chave e saiu do templo.
Kim Hannah o aguardava na entrada e, ao vê-lo, abriu a boca para falar.
— Conferiu tudo?
— Sim.
— Bom, nesse caso…
Huu… Ela soltou um longo suspiro e assumiu uma expressão profundamente nostálgica.
— Ainda dá tempo, sabia?
Ele estava prestes a perguntar do que ela estava falando, mas então, ela fez um sinal sutil com os olhos. Foi só por um instante, mas ele não deixou de perceber o olhar dela se desviar discretamente para a direita.
— Mn. Pra ser sincera, só queria relaxar e aproveitar mais um pouquinho.
— Nesse caso, acho que não tem muito o que eu possa fazer. Mas me liga quando mudar de ideia, tá? As portas da Sinyoung estarão sempre abertas pra você.
Kim Hannah lhe entregou uma sacola cor marfim. Continha suprimentos que ela preparara pessoalmente, em seu nome.
Eram muito inferiores aos que a Sinyoung havia oferecido, mas ainda assim eram melhores do que nada. Além disso, até era demais para alguém de Nível 1 como ele receber tudo aquilo. Seol Jihu aceitou os suprimentos com gratidão.
— Tudo bem se eu não te acompanhar?
— Tudo. Eu sei que você tá ocupada.
— E se eu te acompanhar só até o portão Sul?
— Eu disse que tá tudo bem.
Uma mulher insistente ao lado de um homem visivelmente irritado, claro que estavam encenando algo para os outros verem. Enquanto estivesse no Paraíso, Kim Hannah precisava parecer leal à Sinyoung.
“Francamente. Cada coisa que eu tenho que fazer…”
Eles se despediram brevemente e seguiram caminhos diferentes. Já haviam discutido tudo que era necessário enquanto estavam na Terra, e ele também sabia o quão ocupada Kim Hannah era.
Seol não era mais uma criança. Não queria desperdiçar o tempo dela com coisas triviais.
“Então essa é Scheherazade…”
Fileiras uniformes de edifícios de pedra em tons terrosos, avenidas limpas e bem cuidadas, e por fim, multidões de pessoas tocando suas vidas por todos os cantos, como se espera da capital de um reino, esse lugar transbordava vitalidade. Dava até pra duvidar que houvesse uma guerra em andamento, apenas pela atmosfera local.
Além disso, muitas construções fantásticas como castelos, torres e quartéis militares, impossíveis de se ver na Terra moderna, chamavam sua atenção curiosa.
O que será que vendiam nas lojas daqui? E nas forjas? Também havia outros templos pela região. Ele estava tão, tão curioso sobre tantas coisas.
Se fosse por ele, passaria pelo menos um dia inteiro explorando tudo que essa cidade tinha a oferecer. Mas Seol Jihu precisava resolver um problema urgente chamado: sair daqui o quanto antes.
Scheherazade era a cidade mais próspera entre os territórios humanos… e, de fato, era onde ficava a sede da Sinyoung. Em outras palavras, essa cidade era o quintal deles.
Seol Jihu não pôde deixar de se sentir um pouco injustiçado por ter que abandonar uma cidade tão perfeita e ir embora, como se estivesse sendo expulso. Mas o que podia fazer? A Sinyoung o observava obsessivamente, monitorando cada passo. Se não quisesse virar um fantoche deles, precisava ir para um lugar onde sua influência não alcançasse.
Caminhando enquanto observava o entorno, ele enfim chegou ao portão Sul.
Havia um enorme portão de pedra aberto, e ao lado, estábulos e carruagens puxadas por cavalos…
— …Será que dá pra chamar aquilo de carruagem?!
Seol Jihu piscou várias vezes, completamente perplexo.
A menos que não tivesse dinheiro, era de conhecimento comum neste mundo utilizar os serviços de carruagens para viajar de uma cidade para outra. Mas, bem… Seol não pôde evitar o leve pânico ao ver fileiras e mais fileiras de carroças velhas e cambaleantes estacionadas por ali, em vez da carruagem coberta que usara ao deixar a Zona Neutra.
Entre todas, as que tinham abas laterais para proteger contra os elementos pareciam ser um pouco melhores. Seol Jihu ficou ali parado, sem saber bem o que fazer, antes de caminhar cautelosamente até um homem deitado sobre uma pilha de feno, mascando um talo de capim perto de uma dessas ‘carruagens’.
— Oi, tudo bem?
— Mm?
O homem encarava o céu com uma expressão entediada, mas assim que uma sombra se projetou sobre ele, ergueu o tronco imediatamente. Era um nativo, com pele bronzeada, bigode e cabelos um tanto desgrenhados.
Desde o início da guerra, o número de habitantes originais do Paraíso havia diminuído consideravelmente, mas ainda havia alguns que resistiram. Com exceção daqueles que participavam diretamente dos assuntos militares, a maioria dos residentes que perderam seus lares continuava vivendo ao se envolver em atividades dos Terrestres, como agricultura, comércio, etc.
Esse homem, por exemplo, depois de evacuar para Scheherazade, trocou de profissão e passou a trabalhar como cocheiro para se sustentar.
— Você é um Terrestre?
— Hã? Ah, sim, sou sim.
— E quer ir pra onde?
— Pra cidade de Haramark, se possível.
— Haramark?
A expressão antes desinteressada do homem se contraiu na hora.
— Aí não dá. Eu só vou até Zahrah.
— Uhm… Por quê?
— Porque é incerto, ué. Quase não se ouve falar de ataques na estrada até Zahrah, mas na estrada pra Haramark…
O homem balançou a cabeça devagar, junto com o cabelo desgrenhado, e então…
— Enfim, você quer ir pra Haramark, né?
— Isso mesmo.
— Nesse caso, espera um pouco. Oi-ii! Maktan!
Assim que o sujeito ergueu a mão e gritou, um homem careca sentado um pouco mais distante virou a cabeça. E Seol Jihu começou a se desesperar por dentro. Porque o careca era o cocheiro de uma carroça de madeira que parecia feita para transportar mercadorias.
— Tá me chamando por quê? Tô prestes a partir.
— Ainda tem lugar sobrando?
— Sempre tem lugar sobrando.
— Muito bem. Esse rapaz aqui quer ir pra Haramark.
O tal Maktan se aproximou com certa irritação e começou a observar Seol Jihu.
— Você é Terrestre, né?
— Claro que é. Não dá pra ver? Precisa mesmo perguntar?
— Cala a boca. Eu ouvi você fazer a mesma pergunta antes, viu?
O tom de Maktan era seco, fazendo o homem de cabelo desgrenhado rir sem graça.
— Vou calcular o valor à parte, certo? Até Zahrah são 30 moedas de cobre, mas até Haramark… 300 moedas de cobre adiantado.
O preço saltou dez vezes de uma só vez. Naturalmente, Seol Jihu entendeu na hora que esse valor incluía a compensação pelo risco que Maktan assumiria.
O cocheiro continuou observando o Terrestre à sua frente antes de acrescentar:
— Hmm… Mas, se estiver disposto a trabalhar como mercenário, corto pela metade o valor da passagem até Haramark.
— Mercenário?
— Guarda da carroça. Eu conheço muitos caminhos seguros até lá, mas, de cada dez viagens, pelo menos duas ou três enfrentam ataques.
Seol Jihu entendeu. Assentiu com a cabeça e afrouxou a boca da bolsa. Se fosse atacado, não conseguiria simplesmente ficar parado assistindo, de qualquer forma. Nesse caso, era melhor aproveitar o desconto.
Moedas desse mundo também estavam entre os itens que Kim Hannah lhe fornecera. Ao abrir a bolsa de dinheiro, revelaram-se diversas moedas prateadas brilhantes.
“Ela disse que havia 100 moedas de prata, né?”
A moeda básica em circulação no Paraíso eram as moedas de cobre e níquel. Cem moedas de cobre valiam uma moeda de níquel.
Acima delas, vinham as moedas de prata. Uma moeda de prata valia mil de cobre ou dez de níquel.
Depois vinham as moedas de prata branca, ouro e até platina, mas essas ainda estavam muito além da realidade atual de Seol.
Quando ele entregou uma moeda de prata, os olhos de Maktan se arregalaram na hora. Ao devolver o troco, 8 moedas de níquel e 20 de cobre, ergueu a cabeça para o céu. O sol já quase alcançava o zênite.
— Se eu apertar o passo, dá pra chegar em Zahrah antes do fim do dia.
— E de Zahrah pra Haramark?
— Se tudo correr bem, dois dias. Se der azar, se prepara pra passar quatro noites ao relento.
— Quatro dias…
— Vamos nessa. Eu já ia partir mesmo.
Maktan deu um leve empurrão nas costas de Seol Jihu.
— A propósito, faz pouco tempo que você chegou, né?
— Como você sabe?
— Não tem muito Terrestre que responde com tanta educação como você, sabia?
Maktan coçou o filtro nasal com certa vergonha antes de dar um tapinha no ombro de Seol.
“…Quem diria que seria assim.”
Seol Jihu subiu com cuidado na parte de trás da carruagem… não, da carroça de madeira. Havia bancos de madeira de cada lado, mas só davam pra se encostar com certo esforço.
Ainda assim, seu coração batia acelerado.
“Tô mesmo nervoso, hein.”
Se fosse logo após sair da Zona Neutra, talvez tivesse sido diferente. Mas agora que voltara à Terra e retornava ao Paraíso, era mais difícil encarar com naturalidade o fato de que estava viajando entre cidades em uma carroça puxada por cavalos.
Talvez fosse melhor dizer que estava ansioso?
“Parece até mentira, né?”
Mas… também não era uma sensação ruim. Ao menos, estava se sentindo mais à vontade aqui do que se sentia na Terra.
Logo em seguida…
— Arre!! Vamos!!
Com o grito alto de Maktan, o corpo de Seol Jihu inclinou-se para o lado enquanto a carroça partia.
Seol segurou-se lentamente no corrimão e observou em silêncio a cidade de Scheherazade ficando cada vez menor no horizonte.
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