Índice de Capítulo

    Ian e companhia retornaram por volta da hora em que o jantar estava terminando. Samuel interrompeu sua refeição e correu até o velho Mago, e eles conversaram por um bom tempo.

    A expressão de Ian não era boa, e até Samuel assumiu uma expressão grave, então Seol Jihu supôs que a expedição terminaria ali.

    Se havia uma vantagem distinta em ser um carregador, era o fato de não precisar fazer turno de vigia. Disseram a ele que não era prático confiar a guarda do acampamento, especialmente em uma zona de alto perigo como a Floresta da Negação, a alguém de Nível 1.

    Ele já tinha feito vigília enquanto viajava para Haramark, mas ainda assim, ficou aliviado por não precisar repetir a experiência. Entrou em sua barraca e se enfiou dentro do saco de dormir.

    A noite caiu profundamente, mas o sono não veio. Era difícil fechar os olhos, já que sua mente estava cheia de pensamentos. Ele apertou bem os olhos, tentando forçar o sono, mas então alguém entrou repentinamente em sua barraca, resmungando.

    — Quem é?

    — Sou eu.

    Era Chohong. Ela jogou um travesseiro e um cobertor no chão e se jogou ao lado dele.

    — Aquele maldito velho! E ele ainda falando com aquela voz séria enquanto tentava me apalpar… Eu devia ter quebrado o pulso dele na hora.

    — …Cadê seu saco de dormir?

    — Não uso. Não consigo dormir me sentindo presa.

    Quando Chohong se deitou ao lado dele, Seol Jihu sentiu uma certa estranheza, mas decidiu ignorar sua presença. Dormir junto com alguém do sexo oposto era algo a que precisava se acostumar em Paraíso, afinal.

    O silêncio permaneceu por um tempo até que Chohong se virou de lado e encarou Seol Jihu. Seus olhos brilharam levemente na escuridão.

    — Parece que vamos continuar.

    As palavras dela o deixaram imediatamente alerta.

    — O velho acertou na mosca. A Floresta da Negação não é sobre maldições, é magia.

    — Sério? Mas a atmosfera estava tão séria antes.

    — É. Ele disse que um feitiço antigo e poderoso foi lançado aqui.

    — Um feitiço antigo?

    — É um tipo de magia que só uns poucos conseguiam usar, mesmo nos tempos do Império. Mas tudo se perdeu depois que os Parasitas destruíram eles.

    Embora surpreso por dentro com o alcance do conhecimento de Chohong, Seol Jihu continuou fazendo perguntas.

    — Então, o que o Mestre Ian disse?

    — Nada demais. Só que essa magia interfere nos pensamentos humanos e acaba poluindo a mente… Uh… Argh, droga. — Chohong resmungou e coçou a cabeça de forma grosseira. — De qualquer jeito, o resumo é: a gente vai usar as contramedidas que o velho preparou. Mas ele também disse que seria difícil impedir a poluição de forma definitiva. Temos que suprimir as emoções o máximo possível lá dentro.

    Chohong murmurou suavemente, antes de soltar uma risadinha sinistra.

    — Você precisava ver a cara do Hugo naquela hora. Pensa bem. Com aquela personalidade dele, você acha que ele vai conseguir se controlar?

    — Você também não é tão diferente.

    — Quer morrer?

    A voz dela ficou fria de repente. Seol Jihu achou melhor mudar de assunto imediatamente.

    — De qualquer forma, a contramedida contra a magia é imperfeita, é isso?

    — Fazer o quê? Só de resistir contra magia de manipulação mental já é impressionante… Aliás, você não vai dormir?

    Talvez cansada de responder, Chohong começou a reclamar novamente.

    — Tô com muita coisa na cabeça pra dormir.

    — E por que você teria muita coisa na cabeça, pirralho de Nível 1?

    — Por exemplo, por que a família real emitiu uma ordem para explorar essa floresta tão perigosa.

    Era uma pergunta simples, mas lógica. Embora esta expedição tivesse sido formada para saquear os tesouros da tumba, oficialmente o pretexto era a missão de reconhecimento emitida pela família real.

    — Você se preocupa com umas coisas estranhas. Aqueles caras são sempre assim. Os olhos vermelhos de tanta ansiedade, tentando recuperar suas terras o mais rápido possível.

    Chohong falou com um tom ríspido e não pareceu dar muita importância, mas para Seol Jihu, aquilo não podia ser ignorado. Ele não podia ter certeza, mas achava que havia uma razão mais profunda.

    O motivo de terem ordenado o reconhecimento da Floresta da Negação.

    — Acho que também vou dormir logo.

    Chohong bocejou com energia e se espreguiçou antes de estender a coxa, bastante saudável, sobre o peito de Seol Jihu.

    — Tira isso daí.

    Chohong começou a rir.

    — Não quero. Esta dama veio pessoalmente até sua barraca pra te proteger e ainda te explicou tudo direitinho, então deveria tolerar isso, não acha?

    Seol Jihu inclinou levemente a cabeça.

    — Mas, eu pensei que você tinha vindo por causa do Mestre Ian?

    Ele sentiu a perna sobre seu peito estremecer imperceptivelmente.

    — Eu tô errado?

    — …Zzzz…

    — Você não é muito boa fingindo que tá dormindo, sabia?

    — …

    Seol Jihu soltou uma risada alta.

    — Tá bom, entendi. Continue cuidando de mim no futuro também.

    Isso arrancou um resmungo de Keuk dela e, então…

    — Idiota! Não pode só deixar passar?!

    Chohong pulou em cima dele com o rosto avermelhado.

    Naquela noite.

    Seol Jihu conseguiu adormecer rapidamente, exausto de tanto lutar ferozmente com Chohong dentro da barraca.


    O sol da manhã nasceu.

    Após o café da manhã, a expedição desmontou rapidamente o acampamento improvisado e, finalmente, se posicionou diante da Floresta da Negação. Como haviam decidido seguir em frente, não havia motivo para mais demora.

    — Lembrem-se bem. Minhas poções não são milagrosas, e há apenas um número limitado de feitiços que podem purificar o estado mental corrompido.

    Antes de entrarem na floresta, Seol Jihu bebeu o conteúdo de um pequeno frasco entregue por Ian. Essa era uma das contramedidas preparadas pelo velho Mago, bem, ele era um Alquimista, afinal, e famoso por suas poções também.

    — Emoções são altamente contagiosas. No momento em que alguém revelar suas emoções, será o pretexto perfeito para os efeitos da floresta se ativarem. E, gostando ou não, os que estiverem ao redor também serão afetados.

    O gosto da poção não era nada agradável. Assim que a bebeu, Seol Jihu sentiu como se blocos de gelo o preenchessem desde a ponta dos pés até o cérebro. Talvez fosse assim que se sentiria ao estabilizar forçadamente a mente e o corpo. Sua cabeça ficou um pouco dormente, mas seus movimentos pareciam não ter sido afetados.

    — Não espero que vocês fiquem completamente sem emoções ou pensando em nada o tempo todo, mas aconteça o que acontecer lá dentro, mantenham a calma.

    Com os avisos de Ian ainda ecoando, a expedição entrou na floresta mantendo a formação anterior.

    Apesar do sol brilhando forte acima, o interior da floresta era escuro e sombrio. Árvores tão altas que bloqueavam o céu faziam exatamente isso, impedindo que a luz solar atravessasse, mergulhando o mar de vegetação numa sombra espessa que se estendia desde a colina atrás deles.

    Seol Jihu concentrou-se apenas na marcha. Assim que entrou na floresta, o ar quente e abafado tocou sua pele. A sensação do solo lamacento sob seus pés incomodava de alguma forma, assim como as altas gramíneas e os arbustos entrelaçados que roçavam nele sem parar.

    Contudo, sem saber quando os efeitos da floresta atacariam, fez o possível para esvaziar sua mente. Os outros pareciam ter o mesmo pensamento, já que ninguém dizia nada, apenas seguindo em silêncio atrás de Samuel.

    Os únicos sons que ouviam eram os chamados de pássaros, os gritos de feras desconhecidas à distância e o som de água fluindo em algum lugar oculto.

    De repente, os passos de Samuel pararam. Surpreendentemente, ele não estava olhando para o chão, mas para o céu. Mais especificamente, para uma das árvores frondosas da floresta.

    Dylan foi o primeiro a falar.

    — Samuel? O que foi?

    — …É um cadáver.

    — O quê?

    — Tem um cadáver pendurado naquela árvore.

    Como ele disse, havia algo que parecia uma grande sacola plástica pendurada numa árvore. Era um cadáver sem a metade inferior do corpo, com os braços mal apoiados num galho. A parte inferior do corpo não estava por perto, e as três ou quatro ‘cordas’ saindo do torso eram, na verdade, suas entranhas.

    — Vou investigar isso. Quem não aguentar, desvie o olhar.

    Samuel escalou a árvore e cuidadosamente recuperou o cadáver. Como já estava em decomposição, o fedor era insuportável.

    — Parece que a parte inferior do corpo foi arrancada à força. Não adianta tentar saquear o corpo nesse estado… Mm?

    Samuel observou o rosto enegrecido e inchado por alguns momentos antes de sua expressão se contorcer feiamente.

    — Dylan! Não é o Kahn?!

    — Kahn? Como assim?

    Dylan, que estava examinando os arredores, correu para lá apressadamente. Ao confirmar com seus próprios olhos, soltou um gemido.

    — Meu Deus. É o Kahn.

    — Mas… o que o Kahn tá fazendo aqui…?

    Samuel coçava a cabeça, confuso, mas então, de repente, seus olhos se arregalaram.

    Ao ver isso, Dylan pensou internamente, “Ah, droga.” Só podia haver um motivo para Kahn estar ali.

    — Lembre-se que eu fui falar com o time do Kahn antes de chamar vocês. Eles recusaram, mas vão manter segredo.

    — Filho da puta!!

    Samuel chutou o meio cadáver e rugiu de raiva.

    — Seu desgraçado!! Tentou me passar a perna, é isso?!

    — Ei, ei, calma. Ele já tá morto.

    — Como eu vou me acalmar numa situação dessas?! Esse desgraçado, ele…

    Foi então.

    — Samuel, calma!!

    O chamado de Ian fez Samuel estremecer. Dylan rapidamente deu vários passos para trás e preparou sua besta.

    Pouco depois, Samuel levantou a cabeça bruscamente e examinou os arredores, até que seus olhos em chamas se fixaram diretamente em Seol Jihu.

    — Dylan! Dá um soco nele! Pode nocautear se quiser!

    POW!!

    Samuel voou para longe depois de ser atingido por um punho do tamanho de uma panela. No entanto, como também era um Arqueiro experiente, não perdeu a consciência.

    — Euk…!

    Apesar da expressão contorcida de dor…

    — Se acalme. Quer morrer?

    — Por favor, faça o que puder para estabilizar sua mente. Entendo que esteja com raiva, mas Kahn já está morto.

    Dylan e Ian se revezaram tentando acalmar Samuel.

    Samuel lentamente esfregou a bochecha dolorida antes de inspirar profundamente várias vezes. Ele repetiu o processo seis vezes antes de finalmente assentir com a cabeça.

    — Está melhor agora?

    — Sim. Tô bem agora. Mostrei uma cena bem feia, né?

    Samuel agarrou a mão de Dylan e se levantou com um gemido. Seu olhar para Seol parecia um pouco complicado por algum motivo.

    — Ainda bem que não tivemos que usar a magia de contenção. Então, o que você tentou negar agora há pouco?

    Ian perguntou. Samuel hesitou por um momento antes de responder em voz baixa.

    — …Acho que eu estava negando minha orientação sexual.

    — O-Oi? Como é que é?

    — Não tenho certeza. Foi a primeira vez que aconteceu… Quando olhei para aquele amigo ali, eu… de repente senti vontade de…

    Samuel não conseguiu terminar a frase. Seol Jihu engoliu em seco e deu alguns passos para trás, discretamente. Enquanto isso, Ian deu leves tapinhas no ombro de Samuel.

    — Tudo bem, tudo bem. Não foi nada grave. Se já se acalmou, vamos voltar ao que devemos fazer, ok?

    — Mm.

    Samuel retomou sua postura calma e começou a vasculhar a área ao redor. Observou o chão por um, dois minutos, antes de soltar um longo suspiro.

    — Dez pares de pegadas seguiram em frente. A equipe do Kahn tinha oito pessoas, então os outros dois devem ser carregadores. E depois…

    Samuel estalou a língua.

    — Dez pares de pernas entraram, mas só um par saiu. Deve ser o Kahn, e agora ele tá aqui, morto.

    — Não podemos ignorar isso… Uma equipe com um Alto Ranker ser aniquilada?

    O murmúrio suave de Dylan trouxe consigo um pressentimento ruim para Seol Jihu, mas ele manteve isso para si.

    — Consegue descobrir o que os matou?

    — Isso que eu não sei. A decomposição está avançada demais e nunca vi essas marcas de mordida antes.

    — Não tem problema se formos mais devagar, vamos focar em aumentar a vigilância.

    — Claro. Mas, não fiquem tão alarmados. Afinal, o poder de fogo da nossa expedição é o dobro do da equipe do Kahn.

    Samuel falou enquanto passava os olhos pelos membros da expedição, antes de seguir na frente novamente. Dylan voltou para sua posição na retaguarda e a marcha continuou.

    Agora Samuel avançava com muito mais cautela do que antes. As expressões de Chohong, Hugo e até mesmo Alex estavam rígidas e tensas. Todos estavam abalados pela morte de Kahn, que era um Guarda Real de Nível 5.

    Mais dez minutos se passaram.

    A expedição, avançando a passos de tartaruga, parou novamente. Samuel observou o chão por um longo, longo tempo antes de começar a morder o lábio inferior.

    — Dylan, desculpe incomodar, mas pode vir aqui de novo?

    — Não precisa se desculpar. Pode me mostrar os vestígios?

    — Bem, aqui…

    Seol Jihu observou Dylan ajoelhar-se e lentamente ergueu o olhar para cima.

    Entre a espessa copa das árvores, era possível ver o céu. Quando entraram na floresta, o céu estava limpo e brilhante, mas agora, nuvens densas haviam se formado, tingindo tudo em tons de cinza deprimente.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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