Capítulo 88: Apaziguando uma Alma (1/3)
Assim como Samuel suspeitava, a tumba não estava escondida. Na verdade, eles quase passaram direto por algo que parecia uma grande colina, mas os olhos experientes do Explorador ainda conseguiram perceber com precisão as partes acrescentadas pelas mãos humanas.
Muito tempo havia se passado, e a tumba quase se tornara uma com a natureza. No entanto, os quatro corredores e as portas de aço enferrujadas que eles eventualmente encontraram escondidas ao redor dessa ‘colina’ provaram claramente que aquilo não era um simples monte de terra, mas sim uma tumba de verdade.
— Agora que penso nisso, toda esta área é meio estranha.
Assim que Ian disse essas palavras, a atenção de todos imediatamente se voltou para ele.
Como um dos principais responsáveis por possibilitar essa expedição à Floresta da Negação, cada palavra que ele dizia carregava muito peso. Além disso, ao lembrar que ele tentou dissuadir Samuel quando o mais jovem quis continuar a expedição antes da batalha contra os Lioners, ficava óbvio que seu objetivo era salvar o máximo de vidas possível.
— Ahh. Não estou dizendo isso no mau sentido, então relaxem.
Ian acenou levemente com a mão, e os membros da expedição suspiraram aliviados.
— Bem, é como… Mm, como eu poderia dizer… Não tenho certeza, e foi por isso que não comentei até agora, mas…
Ian reorganizou cuidadosamente seus pensamentos antes de falar.
— Na verdade, tenho sentido meu peito e minha cabeça mais leves há algum tempo. Quanto mais nos aproximamos desta tumba, mais os efeitos da floresta parecem suavizar… Não. Parece mais que a magia está cercando a tumba, tendo ela como o centro.
O Paraíso era um mundo onde as ‘sensações’ valiam muito pouco. Se havia um resultado, então deveria haver uma causa. Assim, as pessoas preferiam verdades formadas a partir de informações concretas a sentimentos simples e suposições sem base. Isso era especialmente verdadeiro para Arqueiros, para os quais era absolutamente proibido falar de instintos ou pressentimentos.
No entanto, Ian era um Mago. Claro, os Magos também tentavam manter uma atitude de buscar explicações lógicas para tudo, mas, ao contrário dos Arqueiros, não eram proibidos de falar o que pensavam.
Sem contar que Ian era um Terrestre famoso por seu vasto conhecimento. Havia uma razão para ele decidir se pronunciar aqui, mesmo que parecesse um assunto trivial.
— Depois que descobri a existência de uma tumba dentro da Floresta da Negação, comecei a teorizar que esse local de sepultamento poderia ser a fonte de todos os desastres que ocorrem nesta área. Achei que um ressentimento poderoso e horrível dos mortos tivesse se tornado uma maldição envolvendo esta terra.
— Mas você disse que não era uma maldição, e sim um feitiço.
— Isso mesmo, Samuel. Por acaso, você sabe quem está enterrado nesta tumba?
Samuel balançou a cabeça.
— De acordo com os registros históricos encontrados na biblioteca real, seria a última filha de uma família nobre, uma jovem de grande beleza que, em tempos passados, desfrutou de muita aclamação, antes da influência da família declinar bastante. Ela chegou a ser reconhecida como uma santa após sua morte.
— Uma santa, é?
— Mm. Deixe-me corrigir uma coisa primeiro. O significado de santa daquela época é bem diferente do que estamos acostumados. Como eu diria… era mais um gesto simbólico do que qualquer outra coisa.
Ian limpou a garganta com uma leve tosse e continuou a história lentamente.
— Essa é uma história de vários séculos atrás. A dona desta tumba sofreu o trágico destino de ser sacrificada em um casamento arranjado por motivos políticos. Claro, tais casamentos eram prática comum naquela época, mas o problema estava no noivo.
— Ele batia nela, abusava ou algo assim?
Quando Hugo perguntou, Ian balançou a cabeça.
— Não há registros de violência. Apenas consta que ele foi acometido por uma doença fatal e estava à beira da morte.
— Agora, por que alguém mandaria sua filha para casar com um cara desses?
— Ora, porque chegaram a um entendimento mútuo. Não é óbvio? Uma casa nobre arruinada casando sua última filha como se estivesse vendendo-a.
A expressão de Hugo demonstrava o quão confuso ele estava.
— Por outro lado, a família do noivo, localizada nesse canto remoto do mundo, teria tramado ganhar muito com esse casamento. Mesmo em declínio, as glórias do passado ainda carregavam peso. E, além disso…
— Por acaso, o noivo era filho único?
Seol Jihu perguntou após ouvir a história em silêncio. Os olhos de Ian se arregalaram antes de um sorriso se formar em seus lábios.
— Exatamente. Com o único filho à beira da morte, eles teriam pressa em conseguir um novo herdeiro. Essa teria sido a única maneira de assegurar a continuidade da linhagem.
— …
— E assim, eles seguiram em frente com a cerimônia de casamento, mas…
Ian parecia bastante pesaroso ao falar.
— Coincidentemente, o marido acabou morrendo assim que a cerimônia terminou. De fato, ele morreu antes mesmo de atingir o importante objetivo de garantir a continuidade da linhagem.
— Isso é um pouco cruel para ser coincidência.
— O destino daquela dama foi azarado, pode-se dizer. No entanto, a partir daí, o relato diverge bastante entre os registros oficiais e os não oficiais.
Ian prosseguiu.
— A história oficial, na verdade, é bem curta. Mesmo sem poder compartilhar a noite de núpcias, a dama se voluntariou para seguir seu marido até a sepultura. E o Império aplaudiu seu desejo de preservar sua castidade e integridade, e assim a declarou santa, para que pudesse servir como exemplo ideal para os outros.
A expressão de Hugo se contorceu de forma feia.
— O, o quê? Eles enterraram ela viva?!
— Tecnicamente falando, foi isso mesmo.
— Que bando de desgraçados! Por que fariam algo assim?
— Você não deveria tentar entender a cultura daquela época com a nossa mentalidade. O título de santa devia carregar esse tipo de significado naquela época.
— Mesmo assim!
— Hugo, eu concordo que é algo desumano. No entanto, a nossa própria história na Terra está repleta de atrocidades semelhantes. O que será que o povo do Paraíso pensaria se soubesse sobre o costume antigo da Terra de oferecer sacrifícios humanos?
Quando Ian falou em um tom sério, Hugo não teve escolha a não ser fechar a boca.
— Hmm. Agora, a história não oficial é completamente diferente. Na verdade, é exatamente o oposto. A dama recusou ser sepultada, mas a família nobre do marido utilizou meios opressivos para enterrá-la aqui. Até o momento em que foi colocada no caixão, ela resistiu violentamente e lançou insultos e todo tipo de maldições, suas palavras cheias de ressentimento e ódio.
Seol Jihu franziu a testa e perguntou:
— A família dela não fez nada?
— Pelo visto, não. Embora fosse apenas um gesto simbólico, ter uma santa na família seria uma enorme honra naquela época.
Ian continuou, agora com um tom mais confiante.
— Como eu disse antes, presumi que os efeitos maléficos desta floresta fossem resultado das maldições daquela dama. No entanto, apenas metade dos meus pensamentos estava correta. Sem dúvida, o ressentimento da dama persiste, mas as famílias nobres também agiram de maneira bastante cuidadosa.
— De maneira cuidadosa, como…?
— A história oficial não tem mais registros sobre o assunto, mas a não oficial traz um parágrafo adicional. Três meses depois, o renomado sábio do Império, que também era um Mago, veio visitar a floresta onde o marido e a esposa estavam sepultados, a pedido das duas famílias nobres.
Seol Jihu, com sua mente rápida, entendeu de imediato e deixou escapar um leve suspiro.
— Minha história se alongou um pouco, mas finalmente posso dar minha resposta. Agora acredito que os efeitos da Floresta da Negação são, na verdade, resultado da magia defensiva criada por aquele sábio. Um feitiço eterno que protegeria as duas famílias do ressentimento da dama.
Ian deu de ombros.
— Se o objetivo daquele sábio era negar os ressentimentos da dama e ajudá-la a alcançar o nirvana, por assim dizer, então devo reconhecer que essa magia foi muito bem pensada. Claro, não posso ter certeza absoluta. Sempre permanecerá como teoria até ser plenamente provada. Ainda assim…
De repente, Ian baixou a voz.
— Não se esqueçam disso. Se ao menos metade da minha teoria estiver correta, então…
Sua expressão ficou grave enquanto fitava a tumba.
— O lugar mais perigoso de toda a Floresta da Negação deverá ser o interior daquela tumba.
Seol Jihu esfregou os braços ao ouvir aquele anúncio arrepiante.
— Acho que devemos descobrir. — Dylan falou depois de ouvir toda a história em silêncio.
— Não vou reprimir minhas emoções aqui. Se os efeitos da floresta deixarem de se manifestar depois de um tempo, então uma das suas teorias estará correta, Mestre Ian.
Ian assentiu com a cabeça.
— Vamos tentar. Mas, tenham cuidado.
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