Capítulo 11 - Ganância
As garotas continuam se aproximando das ruínas, até pararem a algumas dezenas de metros quando notam um homem, dentro do domo mágico, saindo do centro e caminhando na direção delas.
Ele é alto, veste um traje vermelho com bordas douradas e ostenta joias no pescoço e nos dedos. Seu rosto, marcado por cicatrizes nas bochechas e na testa, é emoldurado por um cavanhaque. Ele caminha até a parede do domo, para ali, e as observa, não com medo ou raiva, mas com curiosidade.
“Aquele é o Edric, não é?”, Rubi questiona.
“Sim”, as três respondem juntas.
Então é nele que eu vou mirar, ela pensa. É tudo culpa dele.
Atrás dele, espalhados pelo domo, há outros indivíduos de manto vermelho. Alguns estão de pé, observando o grupo recém-chegado, enquanto outros permanecem sentados, com as costas apoiadas nas paredes da barreira, indiferentes e confiantes na segurança proporcionada por ela.
No centro das ruínas, flutuando magicamente e girando no ar, há um cristal do mesmo tom verde do domo. Ele é um pouco maior que uma maçã e, em seu interior, uma imagem translúcida é visível, mostrando o desenho da cabeça de um touro.
Olhando aquele símbolo, a demônio sente sua raiva aumentar. Ela se concentra brevemente, e a auréola da ganância surge sobre sua cabeça.
“Enquanto vocês se aprontam, vou na frente. Quero falar com Edric”, ela diz olhando para Jenny. “Talvez eu consiga intimidá-lo.”
“Você não devia fazer isso”, Jenny adverte. “Ele é um louco convicto de que está certo em tudo.”
“E pior que isso, é bom em convencer os outros”, Arielle complementa.
Rubi fica relutante com o aviso de Jenny. “Eu sei, mas queria tentar resolver isso sem ter que brigar. Posso me arrepender de não ter tentado isso depois”, ela diz.
Se isso virar uma luta, posso acabar o matando sem querer, pensa a demônio. Pelo menos tentar.
Jenny encara bem a demônio. “Boa sorte então”, ela diz. “Me junto a você daqui a pouco.”
Rubi rapidamente desce de seu cavalo e corre até a região do domo onde Edric está. Jenny, Helga e Arielle também descem de seus animais, mas permanecem atrás, se equipando para a batalha.
“Você não devia ter deixado ela ir”, diz Helga, pegando suas armas, bastante cética quanto à decisão de Jenny. “Ele vai acabar entrando na cabeça dela.”
“Você viu como ela estava. Eu não poderia impedi-la”, Jenny afirma. “Vi nos olhos dela que ela desgosta tanto quanto a gente, não seria justo…”
“É por isso que você é a nossa líder!”, diz Arielle, elogiando a decisão de Jenny.
“E é por isso que vamos morrer”, diz Helga, descontente.
Dentro do domo, Edric permanece imóvel, observando Rubi se aproximar. Sua expressão curiosa e intrigada não se altera, mesmo ao ver o olhar furioso da Lorde demônio.
“Gostaria de dar-lhe as boas-vindas, mas vejo que não veio para se unir a nós.”, ele diz vagarosamente, lançando um olhar de desdém para o grupo de Jenny. “Ainda mais pelas suas… convidadas.”
“Eu vim justamente para impedir que ele aconteça. E para que você me mande de volta.”
Diante da ameaça de Rubi, o semblante curioso de Edric muda. Nas palavras da demônio, ele encontra a resposta para sua dúvida. No entanto, ele não se intimida, apenas fica desanimado. “Ah, então é isso”, diz ele, suspirando.
“Estou falando sério.”
“Todos dizem isso”, ele comenta, revirando os olhos.
As palavras despreocupadas e presunçosas, junto com o tom leviano de Edric, deixam Rubi enfurecida.
Um pouco atrás, Jenny e Helga, com suas armas empunhadas, vão em direção a barreira enquanto Arielle permanece naquele local próximo aos cavalos.
“Vou disparar daqui mesmo”, diz a meia-elfa.
Helga dá um aceno de cabeça concordando e Jenny diz, “Sem problemas.”
Rapidamente a garota de cabelos longos na direção da demônio. Seu olhar para com Edric não é melhor que o de Rubi. Pelo que ele disse ontem, esse homem vai acabar com tudo, Jenny pensa, com raiva. Isso tem que acabar aqui de uma forma ou de outra.
Quando Edric percebe Jenny se aproximando, ele faz uma expressão de nojo, como se sentisse ânsia só por estar perto dela.
Um pouco à esquerda, Helga, de frente à parede mágica, solta seu escudo e segura seu machado firmemente com as duas mãos. Ela o posiciona para trás e ataca a barreira com toda a força que consegue. Um estrondo metálico surge, chamando a atenção de todos, entretanto, a parede permanece intacta.
Helga suspira e diz, “É como a rosada disse. Um só não vai ser o bastante.” Ela então começa a desferir uma série de golpes contra a barreira, alternando entre ataques da esquerda e da direita. “Força bruta só não resolve quando é pouca”, ela murmura entre os ataques.
“Eu quase me esqueci dessa barbárie”, diz Edric, apático com a atitude de Helga.
Arielle, de longe, dispara um raio de energia que acerta o domo em um local ao lado de Helga. Um clarão branco aparece, iluminando toda a região ao redor da barreira.
O som da magia contra a barreira é áspero, mas o raio de energia, como água caindo no chão, se dispersa ao atingi-la. Logo em seguida, a meia-elfa começa a conjurar outra magia.
Eventualmente, os sons dos pesados ataques de Helga se misturam com os impactos das magias de Arielle.
Elas já começaram atacando com tudo, Rubi pensa. Tomara que não fiquem exaustas antes da barreira quebrar.
Edric novamente revira os olhos, observando os esforços aparentemente inúteis das duas.
Jenny, vendo como aquele homem subestima os esforços de suas amigas, desfere um corte de espada contra a barreira bem na frente dele. O ataque não é suficiente para atravessá-la, mas chama sua atenção novamente. “Dessa vez você não vai fazer o que quer”, ela afirma.
“Vou pedir de novo. Cancela isso e me manda de volta,” Rubi ameaça, pegando seu arco das costas e criando uma flecha na mão. “Se não, eu mesma cancelo e faço você me mandar à força.”
“Já percebi que o repertório dos Lordes Demônios é o mesmo. Sempre a mesma coisa…”, diz Edric, frustrado. “Eu não irei parar. Há muitos que dependem dos nossos esforços hoje.”
Tendo seu pedido ignorado mais uma vez, Rubi solta sua flecha na direção do peito de Edric. Ele não esboça nenhuma reação, não move um músculo, certo de que pode confiar na barreira. Quase instantaneamente após o disparo, um estouro surge, decorrente do impacto da flecha contra a barreira que ainda resiste.
“Eu não ligo para os seus cultistas estranhos”, Rubi diz.
“Eu já percebi. Mas não são apenas meus companheiros que dependem do Príncipe de Mael. Estou falando daqueles que sofrem nas mãos de gente como essa daí ao seu lado. Seus semelhantes, seus irmãos de raça e até os seus companheiros Lordes Demônios. Todos dependem do nosso sucesso aqui.”
“O que você tá falando?”, Rubi pergunta surpresa.
Eu sabia que os jogadores estavam por aí, mas não que eles estavam o ajudando diretamente, ela pensa. Achei que eles também tinham sido largados por ai…
Jenny, vendo a reação de Rubi, coloca a mão no ombro dela. “Não adianta. Eu te falei que ele não vai te ouvir. Não cai na dele”, ela alerta.
“Eu sei. Eu queria tentar resolver sem uma briga”, diz Rubi. “Mas pelo visto não vai ter como.”
“Você não deveria confiar tanto nessa sua aliança”, Edric adverte.
“Cala a boca!”, exclama Jenny.
“Se bem me lembro, a última coisa que eu ouvi você falar ontem foi algo como matar ou morrer”, diz Edric olhando severamente para Jenny. Ele vira o mesmo olhar para Rubi. “Não sei como as coisas se desenrolaram a ponto de vocês se unirem, mas pelo que eu vi da força dos outros Lordes, não teria com um grupo pífio desses te subjugar. Então tenho certeza, de que se vocês estão aqui juntas é por sua benevolência ou por alguma mentira distorcida que lhe contaram.”
“E se foi isso o que aconteceu? Qual o problema?”, Rubi indaga.
“Eu não disse nenhuma mentira, apenas a verdade!”, Jenny afirma em voz alta.
“Verdade?!”, diz Edric, rindo de Jenny. “Agora eu entendo.” Ele olha para Rubi. “Entendo por que você parece tão certa do que está fazendo. Eu sei que vocês, Lordes, não conhecem o nosso mundo. Você pensa que somos monstros, que vamos trazer aquele que vai destruir o mundo. Do ponto de vista deles, você também é um monstro. Se elas te matassem, poderiam levar seu corpo para uma guilda e ganhar uma recompensa, assim como qualquer animal irracional. Seu corpo seria fatiado e usado em equipamentos, seus chifres quebrados seriam usados em poções e até sua cauda seria usada como um ingrediente.”
A forma como Edric descreve a cena, perturba Rubi. É por isso que eu preciso ir embora, ela pensa tentando se acalmar. Não quero esse final para mim. Não posso deixar ele me assustar.
“Todos os que eu considerava bons me abandonaram, exceto um diabo que me apresentou ao culto. Não estaria aqui se não fosse por eles”, diz Edric, com um tom de pesar genuíno. “Desde então, sou grato a eles… a vocês… Mas quando vi aqueles que me apoiaram sendo caçados como animais, decidi que precisava fazer algo. Quando terminarmos aqui, todos da sua raça poderão lutar novamente. É por isso que você tem que se juntar a nós.” Ele estende os braços, esperando que Rubi demonstre alguma empatia ou resposta a seu apelo.
Rubi, contudo, não demonstra empatia. Em vez disso, lança outra flecha em direção ao peito de Edric, que é prontamente bloqueada pela barreira. “Eu… não faço parte disso”, diz ela, nervosa. “Eu não queria vir! Você me trouxe!”
“A Rubi não tem culpa, ela não deve nada a ninguém”, Jenny exclama desferindo mais cortes na barreira. “Ela não merece pagar pelos pecados deles.”
“Pecados deles?”, Edric questiona rindo novamente. “O que os diabos fizeram pra você garota? Mataram seu pai? Um parente? Um amigo? Eles são caçados desde que nascem. Se eles querem vingança ou matam pra se defender, a culpa é de vocês. Além disso, eles não têm culpa de ser o que são.” Ele se vira para Rubi com um olhar sério. “E você diaba. Vou te dizer a mesma coisa que disse aos outros Lordes. Eu não sei como te mandar de volta. Apenas aqueles que vamos ressuscitar sabe. Se você depois disso tudo, não se simpatizou com a causa, continue em seu egoísmo e não faça nada. Quando ressuscitarmos o Príncipe de Mael, ele vai mandar você e os outros Lordes de volta.”
Rubi se assusta com a informação e desfaz a flecha que está preparando. “O que?!”, ela questiona hesitante.
Ele não pode estar falando sério, ela pensa.
Jenny, vendo Rubi trêmula, se aproxima. “Deve ser uma mentira. Não tem como isso ser verdade”, ela diz.
Edric com seu olhar sério diz, “A maioria dos Lorde Demônios também não aderiu de bom grado à nossa causa, e não tinha uma barreira para me proteger quando tive essa conversa com eles.”
Ele passa um dedo no rosto, bem em cima de uma de suas cicatrizes. “Eu tinha menos marcas na pele antes de começar a falar com os Lordes, sabe? Alguns me torturaram, outros entraram na minha mente e eu disse a mesma coisa.”
Jenny olha com ódio para Edric. “Eu já mandei calar a boca!”, ela exclama e segue atacando a barreira. “Temos que acabar com isso logo!”, ela pede, mas não obtém resposta. “Rubi?”, ela pergunta, virando-se para trás. Vê a demônio abaixando seu arco, ansiosa e em dúvida. Ela fica tensa.
“Você não está pensando em fazer como ele diz?”, ela pergunta. “Não pode fazer isso. É verdade que muitos odeiam demônios, e eu também. Talvez, vendo agora, eu mereça isso, mas muita gente não. Milhares vão morrer.”
Edric sorri ao ver a ação de Rubi. “É um bom começo para compensar os milhares de demônios que já morreram no passado”, diz ele. “Você mesma disse, ela não deve nada a ninguém.” Ele diz em grande ironia.
Rubi não responde com palavras, apenas esboça um olhar aflito para Jenny. O Edric tem razão sobre isso. E se os outros cinco lordes não conseguiram, então não teria como eu forçá-lo, a demônio percebe.
Jenny, desalentada, se aproxima de Rubi e pede, “Sei que estou pedindo muito, mas você precisa impedir que ele faça isso. E como ele pode ter certeza que o Príncipe de Mael vai mandar você e seu irmão de volta? Ele morreu há mais de mil anos e levou esse tempo todo para tentar voltar. E quem garante que vocês não terão de esperar o mesmo tempo? Vocês vão ficar presos no meio da nossa bagunça.”
Rubi não consegue encarar Jenny ao ouvir seu pedido. Em vez disso, fecha os olhos e desvia o olhar. Eu sei, a demônio pensa. Só que a outra escolha seria ficar presa aqui… Logo em seguida ela deixa sua arma cair ao chão
Edric ri alto. “Parece que ela já tomou sua decisão”, ele diz vangloriando-se.
Jenny se vê de fato sem opções. Ela respira bem fundo. “Tá tudo bem”, ela diz com calma. E volta até o domo, onde começa a desferir vários golpes contra ele.
Quando Jenny se afasta, Liz volta sua atenção para a frente e observa os ataques incessantes à barreira, enquanto escuta ao fundo os sons dos golpes de Helga e Arielle. Desculpem, quero ajudar, mas…, ela lamenta, abatida. Quero ir embora. Sinto perigo e olhares desconfiados em todos os lados. Era para ser apenas um jogo. Não quero viver assim… como um demônio. Vocês deviam ser só NPCs, não deviam importar, mas…
“Perdão”, Liz murmura.
Atrás de Edric, no meio da barreira, ela observa o cristal flutuante, com o símbolo de seu irmão em seu centro. Miguel…, ela pensa. Você não vai gostar daqui. Vai chegar e ver uma bagunça sangrenta, como aconteceu comigo. Pelo menos eu vou estar aqui para você.
“Acho que não tem problema, tem?”, ela pede para o cristal como se pudesse ouvi-la.
Um pouco à frente, Edric continua vangloriando-se para Jenny. “Você deveria parar. Se fugir agora, talvez ainda consiga escapar com vida.”
Jenny em sua investida de ataques contra o domo, ignora cada palavra dele. Ela continua firmemente sem se abalar. Sei que as chances de nós três ganharmos isso são baixas, mas se pelo menos quebrarmos essa coisa na nossa frente, ela pensa. Só espero que se quebrarmos isso, a Rubi não nos impeça de terminar o serviço.
“Se você deseja ficar e morrer, eu não posso fazer nada”, Edric afirma. “Não diga que não tentei lhe ajudar.”
De repente, uma nova flecha irrompe contra o domo, surpreendendo Jenny e Edric. Quando olham para trás, veem Rubi, com um olhar determinado, segurando seu arco e preparando outra flecha.
Não posso fazer isso, ela decide. Tudo aqui é perigoso, e as pessoas me odeiam só por existir. Exatamente por isso não posso condenar o Miguel a essa miséria. E além disso…
“Foi mal, Jenny”, Rubi diz. “Você tinha razão, eu…”
Jenny interrompe a demônio. “Eu disse que estava tudo bem”, ela diz, aliviada. “Ninguém te culparia por isso.”
Não poderia abandonar as garotas. Não é como se eu me importasse com as pessoas desse mundo ou quisesse salvá-las. Mas se eu não ajudasse, Jenny e as outras morreriam tentando, Rubi reflete. Mesmo que as conheça por pouco tempo, foram as únicas que se importaram comigo.
Edric, ao mesmo tempo, fica indignado e confuso. “Pretende mesmo condenar os seus iguais?!”, ele questiona.
“Que se danem!”, diz a demônio.
Eles não pensaram em mim antes de me trazer para esse mundo. Não ligo que me chamem de gananciosa ou de traidora. Não vou deixar que sacrifiquem o meu irmão, ela conclui.
“Acho que vou ficar mais um pouco por aqui”, diz Rubi. Miguel…, ela pensa, triste, Você vai ficar sem ver a Liz por um tempo. Perdão por ser egoísta.
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