Capítulo 12 - Um último golpe de fé
Na região das planícies ao redor do domo, o sol ainda brilha, agora quase se encaminhando para o crepúsculo. O vento passa pela grama, mas seu som é quase inaudível próximo àquela região, abafado pelos acontecimentos intensos que se desenrolam ali.
Dentro das ruínas, alguns dos mantos vermelhos ainda continuam quietos, apenas aguardando a invocação, já outros observam atentos aos esforços do grupo que está tentando impedir seu objetivo. Um deles é Edric, que ainda está na borda sul das ruínas. O semblante já não existe mais, ele está inconformado com a situação ao redor das ruínas.
Diante dele, do lado externo ao domo, Jenny continua desferindo seus ataques de espada contra a barreira. Ela mantém forma moderada, mesclando cortes pesados com pequenas pausas entre seus movimentos. Alguns metros ao lado, Helga continua fazendo golpes de forma frenética e ininterrupta, o suor em seu rosto e a respiração pesada indicam o cansaço que ela está sentindo. Eventualmente, estrondos causados pelas magias de Arielle também irrompem ao lado.
Os ataques constantes contra o domo causam muito barulho naquela região. Edric está bastante desconfortável por estar ali, mas o que mais o incomoda é ver a Lorde Demônio da Ganância, voltar a atacar ativamente o domo.
Ela cria e dispara flechas bem mais rápido do que Arielle conjura seus feitiços e, embora suas flechas sejam fortes e rápidas, elas também acabam sendo bloqueadas e dispersadas pela barreira sem causar mudanças nela.
“Por que?”, Edric questiona, sem entender o motivo da demônio fazer aquilo. “Pensei que você quisesse ir embora. Já disse que não posso lhe mandar. Pretende desistir de seus familiares?”
Diante dessa pergunta, sua mão treme e ela hesita brevemente em soltar a flecha. Mas, sem dizer uma palavra, se recompõe e continua o disparo contra ele. Eu quero, mas… não posso arriscar, ela pensa.
Edric entende a resposta dela. “Que seja”, ele diz. “Eu tentei lhe ajudar. Não reclame se o senhor do abismo decidir lhe punir por isso.” Ele se vira de costas e começa a caminhar em direção ao centro do domo.
“Façam como quiserem, nunca vão passar por essas paredes”, ele se vangloria.
Arielle dispara mais uma magia, deixa sua posição e corre até onde estão Jenny e Rubi. “Tem certeza de que isso está dando certo?!”, ela pergunta em voz alta, antes mesmo de se aproximar.
“Eu acho que…” A meia-elfa interrompe a fala quando se aproxima de Rubi e percebe seu estado. “Você está bem? O que ele disse?”
“Ele…”, Rubi começa a responder e faz uma pausa, pensando no que vai falar. “Ele só fala muito”, ela diz de forma pesarosa.
As orelhas pontudas da meia-elfa abaixam, sua expressão é tão pesarosa como a de Rubi. “Eu te entendo. Já fiquei mal por causa dos cultistas de Mael antes”, ela diz para confortá-la.
“Estou bem. Pode ficar tranquila”, diz Rubi, deixando a Arielle um pouco mais aliviada.
Só não é fácil continuar sabendo que mesmo dando certo, ainda vou me dar muito mal, ela continua em pensamento.
Jenny, percebendo que Arielle está atrás, também dá uma pausa nos ataques e se aproxima das duas. “Aconteceu alguma coisa?”, ela pergunta para Arielle.
“Ah é”, diz Arielle, se lembrando do motivo de estar ali. “Acho que não está dando certo.” Ela aponta com seu cajado para a barreira. “Aquilo ainda não mudou nada.”
“Rubi, ela tem razão, e o Edric parecia bem confiante”, Jenny pontua. “Aquela coisa vai quebrar mesmo?”
“Eu…”, a demônio diz, sem saber como responder. As palavras de Edric ainda perturbam sua mente.
Rubi olha para as ruínas. Sei que ainda está igual a quando começamos, mas isso era o previsto. Não tem como eu dar uma garantia, ela analisa. Ou talvez eu esteja errada. Talvez o Edric tenha razão. A dúvida paira sobre ela.
Incerta, a demônio percorre pela barreira com os olhos em busca de algo que lhe ajude, é só para quando vê Helga atacando desenfreadamente. Ela ainda não parou, Rubi constata. Bater é tudo que ela consegue fazer agora, não é?
A demônio respira fundo, segura seu arco com mais firmeza e se vira novamente para Jenny e Arielle. “A barreira só parece invencível, mas não é”, ela diz convicta. “Vai dar certo, sei que vai.”
Primeiro vou fazer o que preciso. Já tomei minha decisão, depois eu penso no resto, Rubi conclui.
“Parece bem invencível para mim”, diz Arielle ainda desanimada.
“É difícil explicar… mas vou tentar. É como se a magia se renovasse quando começa a quebrar, não dá pra ver porque é muito rápido, mas existe um limite do quanto ela pode fazer isso”, Rubi explica. “É como se fossem várias camadas, temos que quebrar-lá várias vezes até ela ficar sem nada.”
“Você não pode só soltar uma magia e explodir a barreira toda de uma vez?”, Jenny pergunta.
“Até poderia, mas seria apenas mais uma camada. O dano total não importa, só o dano constante e o número de ataques. Igual a Helga está fazendo.”
“Acho que vou ficar sem mana antes disso”, diz Arielle.
“Eu pensei que isso pudesse acontecer. Você e a Helga começaram com tudo, eu preferi aguardar um pouco para substituir vocês”, diz a demônio. “Minhas flechas usam mana. Sozinha, eu também ficaria sem magia antes de fazer algum estrago de verdade.”
“Agora entendo aquela reação quando você viu o domo”, Jenny comenta.
Rubi concorda acenando com a cabeça. “Uhum”, ela murmura.
“Esse é o seu ponto fraco?”, Arielle pergunta.
A demônio é pega de surpresa com a pergunta da meia-elfa. “Eu não tenho pontos fracos”, Rubi afirma, tentando disfarçar. “Mas… se eu tivesse um, talvez esse seria um deles.”
Tinha uma droga dessas no calabouço onde eu consegui a coroa. Eu quase perdi o desafio antes mesmo de entrar, Rubi pensa.
“É difícil agir com fé quando não há garantias do que é certo”, Rubi diz.
Jenny acena concordando com Rubi. “Então vou voltar a atacar”, ela diz. “E dessa vez eu não vou parar.”
“Eu posso assumir seu lugar, Arielle. Você pode parar um pouco”, diz Rubi.
“Obrigado”, diz Arielle. “Eu vou continuar pelo menos com as magias básicas.”
As três se olham decididas a seguir até o final. A meia-elfa e a demônio lado a lado se preparam para continuar seus ataques a distância e Jenny começa a se encaminhar de volta a parede do domo. Entretanto, antes de voltarem a atacar, um grande barulho surge ao seu lado.
Edric e os mantos vermelhos dentro das ruínas sentem em primeira mão o terreno interno a barreira tremer reverberando com o som. Assustados, todos os cultistas se voltam para a direção do barulho tentando descobrir a razão daquilo.
As três garotas do lado de fora ficam incrédulas quando olham para Helga. Ela está cansada e ofegante, e diante dela está a primeira rachadura na barreira.
“Será… que a Helga…”, Jenny começa a perguntar, mas não consegue concluir a frase, pois está embasbacada com aquilo.
Arielle fica impressionada. “Ela é incrível!”, ela exclama.
“Acho que ela bateu tanto que quase quebrou sozinha”, diz Rubi assustada.
Ainda bem que aquele machado não era mágico, se não, ontem a noite eu teria…, ela pensa.
Os cultistas não compreendendo o que aquela rachadura significa, se voltam para Edric. Eles aguardam, cheios de apreensão, por uma ordem, uma atitude ou pelo menos, uma explicação sobre como lidar com aquilo. Mas Edric também não está em uma posição boa.
Nesses poucos segundos em que todos param para processar a informação, Helga recupera um pouco de fôlego. Ela segura seu machado com força e com ele golpeia novamente. O domo treme novamente e a rachadura se expande em todas as direções.
Do lado de fora, Arielle se prepara para conjurar uma magia contra o domo. Porém, Jenny a interrompe, colocando a mão em seu ombro momentos antes dela concluir seu feitiço
“Arielle, se importa de deixar ela quebrar a barreira sozinha?”, Jenny pede.
A meia-elfa se surpreende com o pedido de Jenny. “O que? Tem certeza?”, ela pergunta. “Eu não me importo, mas devíamos ajudar ela.”
“Tenho, eu sei que é melhor assim”, Jenny responde. “Vamos nos preparar para o que vem depois.”
“Então tá bom”, diz Arielle. “Se você diz.”
“Tubo bem pra você rubi?”, Jenny pergunta.
Rubi acena com a cabeça, concordando com Jenny. Não seria legal roubar o Frag da barreira, ela pensa. Jenny também pensa assim.
Dentro do domo, um dos cultistas se aproxima de Edric. Seu manto não é diferente dos outros, um homem de cabelos castanhos, sua maior característica é o seu cavanhaque marrom. “O que fazemos agora senhor?”, ele pergunta.
Edric não responde, nem chega a escutar a pergunta de seu subordinado. Ele está pensando em qual atitude tomar para evitar a quebra da barreira. Mas Helga não lhe dá esse tempo. Ela ergue seu machado para cima e golpeia o domo mais uma vez.
O estrondo do impacto é forte. A rachadura aumenta mais uma vez, agora cobrindo metade do domo.
Os cultistas estão cada vez mais apreensivos.
“Joshua…”, diz Edric ao cultista próximo a ele.
“Senhor?”, Joshua responde.
“Diga para eles se prepararem para lutar. O domo que o nosso senhor nos deixou, vai ruir”, diz Edric.
O homem se espanta com a confirmação de seu líder. “Mas senhor… não vamos fazer nada para impedir?”, ele pergunta inconformado.
Diante do que está ocorrendo, essa já era uma possibilidade, Joshua pensa , mas não me ocorreu que fossemos apenas aceitar que isso.
“O senhor disse que essa mesma barreira suportou os grandes magos no Norte, que não havia nada que eles pudessem fazer.” Ele coloca a mão na testa, incrédulo. “O senhor não vai fazer nada?!”
Edric se vira para Joshua em uma expressão apática e conformada e diz, “Joshua, não há nada que possamos fazer, apenas lutar.”
Joshua apenas acena com a cabeça. Ele vai até onde estão os demais membros de seu grupo. “Se armem, vamos lutar, matar todas elas e defender o nosso objetivo!”, ele diz em alto e bom tom, de forma que todos os mantos vermelhos possam escutar.
As reações entre eles são diversas. Alguns se assustam, enquanto outros apenas aceitam o que foi dito sem questionar. Mas todos eles sacam suas armas e se aprontam para lutar.
Metade do grupo de cultistas avança para o lado da barreira onde a rachadura se originou, enquanto a outra metade permanece em volta do cristal.
Edric permanece parado com as mãos para trás, seus homens passam ao seu lado na direção onde está Helga.
Aquela região agora está bem mais quieta. É possível ouvir o vento batendo na grama, os passos dos cultistas e até o som da respiração de Helga.
A testa da grande garota armadurada, coberta de suor, reflete a luz do sol que ainda está de pé no céu. Seus olhos fixos na parede translúcida, quase totalmente quebrada. “Você tinha razão”, ela murmura. Levanta seu machado lateralmente, leva-o um pouco para trás, o segura com firmeza e exclama, “Inquebrável é o caramba!” Com toda a força que lhe resta, ela gira o corpo e desfere um poderoso golpe final.
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