Capítulo 15 - Rubi, a demônio sem rumo
Iluminado sob o sol da manhã, um grupo formado por cinco pessoas, montadas em quatro cavalos viaja, enfileirado pelas planícies verdes.
Os cavalos caminham devagar. O animal que vai na frente, liderando o grupo, carrega a meia-elfa Arielle, junto de Rubi na garupa.
Alguns metros atrás, dois cavalos andam em paralelo. Neles estão montadas Jenny e Helga. No cavalo de Helga, além de algumas sacolas, há pendurado um pequeno javali morto.
Jenny segura uma corda, que está amarrada a rédea do quarto e último cavalo da fileira. Sobre esse cavalo, está um homem amarrado, cheio de cicatrizes e inconsciente. Ele é conhecido como o líder do Culto de Mael, Edric.
No cavalo de Arielle, Rubi está cabisbaixa, reflexiva sobre os acontecimentos ruins do dia anterior. Ela não falou quase nada desde ontem, pensa a meia-elfa preocupada. E não parece que vai querer conversar tão cedo. Melhor… esperar até o humor dela melhorar.
Atrás, Jenny está pensando em como serão os próximos passos da incursão de seu grupo e Helga, ao lado, está incomodada com algo.
“Você não tá pensando em levar ela com a gente até Gramina, está?”, Helga pergunta.
“Ela não tem pra onde ir”, Jenny responde.
“Isso vai dar merda”, Helga adverte.
“E você queria fazer o que?”, Jenny questiona.
“Quando ela estava voltando pra perto da gente, era só espantar ela”, diz Helga. “Tipo…Chô demônio! Chô!” Ela faz gestos com as mãos, como se estivesse afastando algo com as pontas dos dedos.
Jenny fica levemente irritada com a comparação. “Você está chamando a Rubi de cachorro?”, ela pergunta.
“Não. Seria mais fácil se ela fosse um”, Helga murmura.
Jenny revira os olhos. “O Silvana vai nos ajudar, ele vai saber o que fazer”, Jenny afirma. “E a Rubi… é um caso especial.”
“Éh, um Lorde Demônio no meio da cidade. Bem especial eu diria”, ironiza Helga. “Eu já disse, vou dizer novamente. Vai dar merda.”
O grupo segue viagem pelas planícies sem pressa por várias horas, indo na direção norte. Elas param quando avistam no horizonte a frente um conjunto de grandes rochas distribuídas em um padrão circular.
“Já estamos de volta as ruinas”, diz Jenny. “Até que chegamos rápido.”
“Deixamos quantos amarrados lá?”, Arielle pergunta.
“Três”, Helga responde.
“Não temos como levar tanta gente”, Jenny pontua. “Se ainda estiverem lá, vamos ter que deixá-los para trás, igual aos outros.”
“O maluco lá atrás é mais importante que aquele culto todo junto”, Helga complementa, seu tom carregado de desdém.
Jenny assume a liderança. “Ajam com cautela. Não sabemos se eles ainda estão amarrados lá. Vamos nos aproximar com…” Ela interrompe a frase ao notar Rubi estendendo a mão em direção às ruínas e conjurando um feitiço.
“Corvo buscador”, murmura Rubi. Da ponta de seus dedos, um corvo se materializa e voa rapidamente na direção das ruínas.
Arielle se aproxima de Rubi. “Essa magia é muito útil”, diz ela.
“Até que sim”, diz Rubi, de forma meio apática concentrada na magia.
Ela fecha os olhos e começa a ver pela visão do corvo. Ela se vê passando entre os pilares de rocha onde. O corvo rapidamente cruza as ruínas que estão completamente desertas. O pássaro deixa o local, e continua voando pelas planícies à frente.
Rubi abre os olhos e volta a enxergar normalmente. “Não há ninguém por lá”, diz ela. “Os cultistas dali também fugiram.”
“Igual aos do bosque”, Arielle pontua.
“Covardes”, diz Helga. “Pelo menos no bosque pegamos aquele porco.”
Novamente, os cavalos voltam a andar. Elas adentram pelas ruínas, passando entre os pilares de pedra.
Rubi tem um sentimento estranho ao voltar àquele local. “Eu… fiz vocês passarem por uns maus bocados aqui”, ela murmura, um pouco envergonhada.
Arielle ri com isso. “Fez mesmo”, ela comenta, contente ao ver Rubi falar. “Mas também não foi legal pra você.”
“É. Não foi. Arielle”, ela diz em um tom sério. “Você acha que…. Não, deixa quieto.”
A meia-elfa estranha o comportamento dela, mas prefere não insistir e deixa o assunto morrer.
…Com certeza isso é uma ideia ruim, Rubi continuar ponderando uma ideia que a deixa receosa. Mas será que é impossível?
Jenny para seu cavalo à sombra de uma das pilastras. “Vamos fazer uma pausa para almoçar e descansar”, ela sugere, descendo de seu animal.
Todas descem de seus animais. Jenny pega os cavalos e os leva para amarrar em uma outra pilastra. Arielle começa a acender uma fogueira. Helga, quando desce de seu cavalo, desamarra o pequeno porco e começa a prepará-lo para assar.
Rubi apenas se senta na grama, em um lugar próximo de onde Arielle está. Sua cauda normalmente inquieta, permanece estática na grama demonstrando seu desânimo.
Em pouco tempo, o local de descanso improvisado fica pronto e todas as quatro estão sentadas ao redor da fogueira vendo o animal assar. Um silêncio desconfortável paira ao redor daquele local.
“Então Rubi, ontem não falamos muito, quer conversar sobre algo?”, Jenny pergunta de forma despretensiosa, tentando puxar assunto.
Rubi, cabisbaixa, volta seu olhar para Jenny. “Para falar a verdade, eu queria perguntar algo”, ela responde, bem séria.
“Vai em frente”, diz Jenny.
“O que acontece se eu morrer?”, pergunta a demônio.
Jenny é pega de surpresa e troca um olhar com Arielle, que também parece surpresa com a pergunta. “Por que essa pergunta de repente?” ela questiona.
“Ela quer saber se morrendo os problemas dela se resolvem. Não é?”, Helga se intromete e pergunta, olhando diretamente para Rubi.
Jenny e Arielle olham para Helga com desaprovação, mas Rubi, do outro lado da fogueira, apenas fixa o olhar em Helga, ouvindo atentamente. As garotas percebem que Helga não está completamente errada em sua observação.
“A resposta é simples”, Helga continua. “Se você morrer, sua alma vai para o Abismo, igual a qualquer demônio por aí.” Ela fala com bastante tranquilidade e confiança em suas palavras. Aos olhos das demais, a fogueira assando a carne adquire um aspecto mais sombrio, como um leve presságio do destino que aguarda Rubi.
A succubus suspira, novamente abaixa a cabeça e o silêncio volta a tomar conta.
“Achou que podia resolver as coisas assim?”, Helga provoca.
“Helga!”, diz Jenny, chamando a atenção dela em uma bronca.
“Helga o caramba!”, diz a guerreira, levantando seu tom de voz. “Eu só disse a verdade, coisa que vocês deviam fazer. Eu não sei qual é a dessa amizadezinha que vocês fizeram da noite pro dia, mas eu não faço parte disso! Eu não vi ninguém obrigar ela a nada. Ela fez o que fez porque ela quis, agora o problema é dela.”
Ela aponta o dedo para Rubi. “E se você acha que morrendo vai ficar melhor, vá em frente. Até posso te ajudar. Tem seis Lordes Demônios soltos por aí, e se você não se importa com consigo mesma, eu tenho certeza que ninguém nesse mundo, além dessas duas aqui, vai lamentar que você morreu.”
Jenny e Arielle ficam sem reação. Elas olham para Rubi com pena e receosas com a situação.
“Eu não quero morrer”, diz a demônio, para o alívio de Arielle e Jenny.
“Menos mal”, Helga afirma. “Não teria muito mérito em matar um Lorde Demônio assim.”
“Foi só um pensamento ruim”, diz Rubi. “Tenho quase certeza que não gostaria de ir para o abismo.”
Eu só pensei se o respawn do jogo poderia funcionar aqui, ela pensa. Sei que estou sujeita às regras desse mundo, ainda assim, eu cogitei fazer o teste, mas se o fizesse, muito provavelmente o resultado não seria nada bom.
Por mais acalmada que Jenny esteja, ainda sente pena de Rubi. “Lembra da conversa que tivemos antes da despedida com o Thalgrim?”, ela pergunta.
“Lembro.”
“Você está tão mal assim porque não tem um objetivo ainda”, Jenny afirma. “Eu sei que você não tem nada no momento, mas pelo menos devia pensar no que quer fazer agora.”
“Não querer morrer já é um bom começo, não é?”, diz Rubi, com um sorriso de canto de boca.
“E esse já é difícil”, completa Helga. “Todo mundo te odeia.”
“Helga!”, Jenny diz dando bronca.
“Eu já entendi Helga! Não precisa ficar me lembrando disso toda hora”, diz a demônio.
“É a verdade”, diz Helga.
Tô me lembrando porque eu quase atirei nela quando cheguei, Rubi pensa. Pelo menos ela mantém a minha cabeça no lugar.
“Mas, já é um ótimo começo”, diz Jenny.
“Tem outra coisa em mente?”, Arielle pergunta. “Tipo achar um trabalho?”
Rubi, pensa por alguns segundos. “Acham que é possível, haver outra forma de eu voltar?”, ela pergunta.
Já era algo que eu queria antes, ela pensa. Mas haviam outras opções, que pareciam mais rápidas e tenebrosas.
“Não faço a menor ideia”, Helga responde na hora, sem pensar muito.
Jenny e Arielle levam algum tempo analisando antes de responder.
“Eu também não conheço nenhum”, Arielle responde.
“Se pensar bem”, diz Jenny. “Ninguém conhecia um jeito de trazer as Coroas de volta, e trouxeram. Talvez haja algum jeito por aí escondido.”
“Já é uma esperança, mas parece um objetivo a longo prazo”, diz Rubi, agora mais otimista.
“Tem algo mais a curto prazo em sua mente?”, Jenny questiona.
“Eu estava pensando em um lugar seguro para ficar. Sem ninguém querendo me dar uma machadada no pescoço”, Rubi comenta, lançando um olhar direto para Helha.
Quero pensar que ela tentou me animar, mas não precisava ter se oferecido para me matar, ela reflete. E se eu tivesse aceitado?
“Isso vai ser um problema”, diz Jenny. “Demônios são considerados monstros em todo o território da Cúpula dos Reinos”
“E isso é muita coisa?”, Rubi pergunta.
“Hummm”, Jenny diz isso com uma expressão desanimadora. “É praticamente todo o continente.”
“E depois de ontem, você não pode ir para o território dos demônios, no leste”, diz Helga.
O positivismo some da face de Rubi. “Minha situação não está nada boa, não é?”, ela diz.
“Mas não se preocupa”, Jenny afirma. “É por isso que a gente tá te levando para a cidade com a gente. Nosso amigo, ou chefe, Silvana tem algum entendimento nesses assuntos e pode te ajudar.”
“Ele deve a gente”, diz Arielle. “Já ajudamos muito ele.”
“Se for para depender do Silvana, você teria mais chances vivendo como uma Succubus normal por aí”, Helga resmunga. “Acho que você conseguiria tirar uns bons trocados por aí.”
Rubi fica perplexa com a afirmação de Helga. Isso foi ela tentando me elogiar?, ela se pergunta.
“Eu quero acreditar que eu valha mais do que alguns trocados”, Rubi afirma.
“O Silvana podia fazer você virar aventureira! Igual a gente”, diz Arielle, empolgada com a própria ideia.
“Isso não parece ruim”, diz Rubi. “Ele pode?”
“Ele pode tentar te conseguir anistia”, Jenny responde.
“O que é isso?”
“Apesar de ser raro, eventualmente algumas criaturas consideradas monstros ajudam as pessoas ou reinos”, Jenny explica. “Por provarem que não são um risco e por ajudarem, às vezes eles ganham cidadania em alguma cidade ou reino e podem até mesmo trabalhar por lá. Isso é a anistia.”
“Houveram muitos orcs com anistia nesse país em que estamos”, Arielle complemente. “Mas já tiveram dragões e até vampiros. São como… monstros Heróis!”
“Isso é muito fascinante”, comenta Rubi, interessada . “Meu feito é bom o bastante para conseguir isso?”
Sei que não fiz pelos motivos certos, mas ainda sim, salvei muita gente, ela pensa.
“É claro!”, Jenny responde.
“Eu não contaria muito com isso”, Helga interrompe. “Nunca ouvi falar de nenhum demônio com isso aí.”
Sempre tem um pra desanimar né?, Rubi pensa, um pouco desiludida.
“Pode até ser verdade, mas não custa tentar… eu penso”, diz Jenny, um pouco incerta.
“E você é forte! Poderia até mesmo pegar missões nas Terras Livres”, Arielle continua.
“Terras Livres?”, Rubi pergunta.
“É um lugar bem a Noroeste”, Jenny responde. “É quase o território de um país com uma floresta no centro. Nenhum reino tenta dominar aquele lugar porque é muito perigoso e instável. Então, não tem nenhuma lei ou controle, nem governo. Por isso o nome de Terras Livres.”
“E a floresta é um lugar cheio de monstros, ruínas e tribos selvagens”, completa a meia-elfa. “No passado, um orc dominou aquela região e fez uma cidade enorme. Hoje só tem escombros, mas ainda tem muitos tesouros que ninguém achou.”
“É um lugar para os fortes. Faz fronteira com o país natal do meu pai”, Helga comenta. “Ele já me contou histórias dos monstros perigosos que enfrentou lá.”
Rubi se demonstra bastante cativada por essas ideias. “Vamos ver o que esse Silvana tem para mim”, ela diz.
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