Índice de Capítulo

    Depois do almoço, as garotas organizam suas coisas e levantam o acampamento, continuando sua jornada rumo ao norte. O clima entre elas está mais leve, especialmente sem o semblante abatido de Rubi. 

    Conforme cavalgam para o norte a demônio percebe que a vegetação se torna mais rasteira. O clima limpo de nuvens revela uma imensidão de céu azul que cobre aquele infindável tapete de grama verde clara.

    Elas mantêm um ritmo tranquilo de viagem durante o resto do dia e, quando a noite cai, montam outro acampamento.

    Na escuridão da noite quieta, a meia-elfa e a demônio permanecem acordadas, enquanto Helga e Jenny dormem. O som dos grilos, da fogueira crepitante e dos pesados roncos de Helga preenchem o ambiente. As duas ficam atentas aos arredores do acampamento e ao seu prisioneiro, Edric, que continua inconsciente.

    “Será que ele vai acordar?”, Rubi pergunta. “Já está assim há dois dias.”

    “Pelo que vi, você machucou ele bastante, mas acredite, os cultistas de Mael sempre acordam”, responde Arielle. 

    “O que vai acontecer com ele?”

    “Vamos entregá-lo para o nosso amigo e ele deve levá-lo para as autoridades.”

    “Então, quando ele acordar já vai estar em uma jaula ou algo do tipo, né?”

    “Provavelmente. O Silvana deve mandar alguém interrogar ele antes de levá-lo para alguma capital.”

    “Silvana. Como ele é?”, Rubi pergunta, com um ar de preocupação. “Ele não vai me mandar para guilhotina, vai?”

    Arielle não responde imediatamente, pensando nas possíveis ações de Silvana. 

    As preocupações de Rubi aumentam com o silêncio da meia-elfa. “Arielle? Ele vai?”, ela pergunta. 

    “Não vai não. Eu acho que não”, ela responde ainda pensando nas possibilidades. 

    “Você não me passou confiança.” 

    “Provavelmente no primeiro momento ele se assuste.”

    “Igual todo mundo…”, Rubi comenta com um ar melancólico.

    “Mas quando ouvir o que aconteceu, ele vai parar para pensar melhor. Ele é um humano que gosta muito de explorar possibilidades”, Arielle comenta com tranquilidade. Embora, depois de terminar de falar, ela pense em alguns dos outros aspectos de Silvana. “Talvez ele explore possibilidades demais.” Agora com um tom de preocupação. Ela encara a escuridão à frente com um olhar vazio, como se estivesse vivenciando em sua mente suas experiências com aquele conhecido como Silvana.

    Rubi olha com angústia a expressão, levemente bizarra que Arielle expressa. “Pelo jeito que você fala, isso não parece uma coisa tão boa.”

    “É só que… Ele gosta de se dar bem nas coisas. Ele não é ruim, só não é muito convencional”, Arielle explica. “Já nos ajudou muito, mas também também já pediu umas coisas bem estranhas. Então é sempre bom ficar de olho aberto perto dele.” 

    A Helga também disse algo parecido, Rubi pensa. Já é a segunda bandeira vermelha sobre esse cara.

    “Ah!”, diz Arielle. “Isso me lembra uma coisa.” 

    A meia-elfa se levanta e vai correndo até onde estão as mochilas do grupo. Os passos ágeis pelo acampamento improvisado, não emitem um único som.

    Rubi repara nisso. Será que é coisa dos elfos?, ela pensa, curiosa. 

    Arielle pega algo em sua mochila e volta correndo até Rubi. Na mão da meia-elfa está um cinturão com uma pequena bainha de couro que comporta uma adaga. 

    Ela estende a mão até a demônio, querendo entregar o objeto a ela, e diz, “Toma”

    Rubi pega o conjunto e começa a examiná-lo. Primeiro ela dá uma olhada no cinturão. Nota que ele e a bainha são feitos de um couro claro, possui uma fivela metálica.

    Definitivamente não é novo, mas está bem limpo, Rubi pensa. Depois ela retira a adaga da bainha. Ela é bastante polida e reflete a face da demônio, o cabo é feito com uma madeira escura e manchada. 

    Dá para ver que já foi bastante usado, igual o cinturão, ela analisa. Ela coloca o dedo na ponta e passa-o pelo fio. É bem afiada, ela constata.

    “É uma boa adaga”, diz Rubi. “É sua?”

    “Eu queria que você ficasse com ela.”

    Rubi estranha o pedido e pergunta, “Por quê?”

    “Nós vamos para a cidade e como é ruim usar magia em lugares estreitos, talvez uma adaga possa te ajudar se for necessário”, diz Arielle. 

    “Percebeu meu erro ontem?”, Rubi pergunta.

    Arielle fica surpresa. “Erro? Quando?”, ela pergunta. “Pra mim você venceu aqueles quatro sem problemas.”

    “Não percebeu que eu tive que trocar de encanto no meio da batalha?”

    “Não, nem percebi isso. Quando você usou um encanto?”, ela pergunta. “Foi aquela chuva de flechas?”

    “Não. Aquilo era só um feitiço normal, igual ao Voleio Arcano.”

    “Ah!”, diz a meia-elfa. “Quase pensei que era um encanto potente de Lorde demônio”, Arielle diz.

    “Queria que fosse. Apesar de ser um ataque com arma, ainda é um feitiço instantâneo.”

    Rubi observa seu arco no chão, refletindo por um momento. Até agora, as regras de magia parecem seguir exatamente como no jogo, pensa ela. Feitiços normais ainda liberam seu efeito no instante em que a conjuração é concluída. E feitiços de encanto ainda vinculam um efeito mágico temporário a alguém ou a um objeto por um tempo.

    “Imagine eu poder soltar várias ondas de flechas seguidas?”, Rubi continua. “Seria muito roubado.”

    “Se não foi naquele momento, quando você usou?”, pergunta a curiosa meia-elfa. 

    “Conjurei um encanto antes do primeiro cultista chegar. É um encanto chamado Disparo Pesado. É uma magia sem componente verbal, por isso você não ouviu.”

    “Ahhh”, comenta Arielle, impressionada. “E o que ele faz?”

    “Por um tempo, minhas flechas ficam mais fortes. Se elas atingirem alguém, que não seja gigante, causam empurrão e se forem jogados contra algo, tomam dano extra.”

    “Parece bem forte. Por que mudou?”

    “Parecia uma boa opção contra os cultistas. Não pensei que houvesse alguém que atacasse a distância e aquela magia não funciona bem com alvos muito longe. Os subestimei um pouco”, Rubi admite com um pouco de frustração na voz. “Mudei para um que pudesse derrubar aqueles dois últimos mais rápido. Só queria acabar logo com aquilo.”

    Arielle compreende um pouco do sentimento de Rubi e diz, “É uma decisão difícil mesmo. Já é ruim ter que ficar parada para concluir algumas conjurações, mudar um encanto é mais demorado ainda.”

    “Foi o preço de escolher errado”, Rubi completa.

    Mesmo nesse mundo ainda só se pode ter um encanto ativo por vez, ela analisa. Então escolher a magia errada pode ser a diferença entre viver ou morrer. 

    “Além disso, arco não é uma boa arma para lutar sozinha”, a demônio complementa. 

    “É por isso que você precisa da adaga!”, Arielle volta a afirmar. 

    “Faz sentido, mas isso vale pra você também. Tem outra dessas?”

    Arielle dá um sorriso, exalando confiança. “Eu sempre tenho uma dessas na minha bota. Minha arma secreta que já me salvou algumas vezes”, ela diz bastante segura de suas palavras enquanto mostra a arma escondida em sua bota.

    Rubi não consegue evitar soltar uma pequena risada da meia-elfa confiante. Vou aceitar, ela pensa. Não queria pegar uma arma daqueles caras porque não parece que elas vão durar muito na minha mão. Mas tudo que tenho nesse mundo são só as coisas que carrego. Não posso me dar ao luxo de ficar escolhendo cada coisa.

    “Sabe usar?”, Arielle pergunta.

    Rubi olha para a adaga em sua mão. Mesmo que aqui não seja mais o HTO, minhas maestrias de arco e de esquiva ainda funcionam, ela pensa. Então provavelmente ainda consigo usar essa adaga sem problemas.

    Um sentimento nostálgico recai sobre ela. “Eu já usava adagas antes”, Rubi responde, com um ar saudosista. “Antes de ser invocada, eu usava uma espada como equipamento secundário.”

    Arielle a observa com curiosidade. “Você é tão boa com espada quanto é com o arco?”

    “Definitivamente não. A maioria das minhas magias são feitiços para minhas flechas. E devo ter apenas um ou dois encantos para lâminas. Mas tenho muita maestria com esse tipo de arma. Se não depender de feitiços ou equipamentos eu sou tão boa quanto qualquer esgrimista.”

    A demônio diz um termo que deixa Arielle em dúvida. “Muita maestria?”, ela pergunta. “Quer dizer que você é muito boa?”

    Rubi fica surpresa com a pergunta. Ela não conhece? Talvez esse conceito não exista por aqui, ou ela não entenda por não ter treinamento com armas, ela supõe. Pelo que vi, a Helga, a Jenny e até os cultistas também parecem ter o equivalente às maestrias do jogo. Não teria como humanos se moverem tão rápido ou atacarem tão forte sem ajuda das maestrias ou de magia. Mas com eles parece algo mais natural. Se bem que também sinto que também uso meu arco de forma mais natural.

    “É mais ou menos isso”, a demônio responde.

    “Então você deve conseguir se cuidar só com uma adaga”, Arielle afirma. 

    A demônio encara a adaga mais um pouco. É. Eu devo… ela relembra uma memória antiga. Mesmo que minha classe me permitisse usar algumas lâminas, nunca me interessei por esse tipo de arma, mas sempre tinha uma comigo para lidar com situações onde o arco era inviável. Só mudei de ideia no nível 80, quando gastei seis meses em uma missão para pegar minha primeira arma lendária…

    Rubi se perde brevemente em suas lembranças, um sentimento forte de desgosto parece tomá-la. Eu queria muito ganhar um arco, afinal, naquele momento, já tinha gastado todos os meus pontos aprendendo maestria e feitiços para complementa arqueria. Mas o item lendário que ganhei no final de seis longos meses de missões diárias de dificuldade duvidável, foi uma espada, não-negociável, que era inútil na minha mão. 

    Rubi aperta o cabo da adaga com força, como se tentasse aliviar o abalo que sente. Arielle não compreende o que se passa na cabeça da demônio, e se questiona se aquela arma não vai simplesmente quebrar nas mão de Rubi, naquele momento.

    Fiquei tão indignada que, dali pra frente, treinei tudo que podia em espadas e lâminas pra pelo menos usar aquela coisa, Rubi pensa.

    “Valeu a pena”, ela conclui com um sorriso estranho. 

    Mesmo que a minha espada lendária e fenomenal não tenha vindo junto comigo, ela lamenta com alguma lágrima no canto do olho.

    A meia-elfa ainda não entende exatamente do que Rubi está falando, mas mesmo assim concorda com a cabeça acenando.

    Rubi coloca a adaga de volta na bainha e se levanta. Ela ajusta o cinto ao redor da cintura, prendendo-o com a fivela, e posiciona a bainha do lado esquerdo, um pouco mais voltada para as costas do que para a lateral. 

    Até que não ficou ruim, ela pensa se examinando. Do jeito que coloquei posso sacá-la com mais facilidade

    “Que tal?”, Rubi pergunta. Ela muda de pose da esquerda para a direita, para que Arielle possa vê-la de vários ângulos.

    “Ficou bom”, diz Arielle. “Parece até uma caçadora.”

    “Obrigado”, diz a demônio alegre com o elogio. 

    Rubi pensa nas palavras da meia-elfa. Espera. Eu não parecia uma caçadora antes?, ela se pergunta.

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