Capítulo 19 - Silvana, o imprevisível
Rubi se espanta com a súbita mudança de postura de Silvana. Do nada?, ela se pergunta. Sem enrolação? Sem puxa saquismo? Se ele é assim, também vou ser.
“É o que eu vim fazer aqui. Não quero viver com gente querendo a minha cabeça por todos os lados.”
“Ela consegue. Não consegue?”, a meia-elfa pergunta, olhando esperançosa.
O homem passa os dedos na barbicha antes de prosseguir. “Talvez. Eu teria que cobrar alguns favores”, ele responde, com um ar pensativo e confiante. “Ainda assim, não seria fácil. E de um jeito ou de outro, vai haver um preço para alguém. A senhorita… Rubi estaria disposta a se arriscar?”
Não tenho muitas opções, ela pontua.
“Estou disposta”, Rubi responde.
“Ótimo. O primeiro passo é confirmar a sua confiabilidade”, diz o homem. “Não tenho motivos para duvidar da palavra da Jenny ou da Helga. Não penso que um diabo as enganaria tão bem, mas se você quer mesmo anistia, preciso confirmar isso.”
“Como assim?”, Rubi questiona.
“Ela já nos ajudou muito!”, Arielle afirma. “É confiável.”
“Me contaram”, diz Silvana, olhando para Jenny, ainda um pouco desconcertado. “Não é nada difícil. Preciso apenas que me responda algumas perguntas.”
“Só isso?”, Rubi pergunta. “Pode me perguntar o que quiser.”
Ele volta a olhar para Rubi seriamente. “Pelo que a Jenny disse, você não conhece muito sobre os diabos daqui, certo?”
“Quase nada.”
“Então… Rubi não é seu nome, é?”, ele pergunta.
“Não é?”, diz Arielle, surpresa.
“Como você sabe disso?”, a demônio questiona, tão surpresa quanto a meia-elfa.
“Desconfiei que não fosse”, ele responde, com um ar petulante. “Conseguiria dizê-lo?”
Rubi não vê problema naquilo e começa, “Meu nome…” Mas ela trava sem concluir a frase.
Internamente, a demônio continua tentando pronunciar, porém, quanto mais ela tenta, mais um sentimento de ansiedade começa a tomar conta da sua mente.
É só meu nome, não é? Não faz mal eu falar. Não deveria fazer…, ela pensa enquanto sente um misto de perigo, apreensão e angústia crescendo dentro dela. É só a droga do meu nome. Por quê? Por que sinto que vou jogar alguma coisa fora?! Por que acho que não vai ter volta?!”
Seu temor transpassa sua mente e se torna visível a todos que a olham. Na sala, aqueles três veem ela almejando falar algo, embora nenhum único som saia de sua boca. Seu olhar distante e sem foco faz parecer que ela nem está naquele local.
Jenny, preocupada, chacoalha a demônio pelo ombro, tentando chamar sua atenção. “Rubi? Você está aí?”, ela pergunta.
A demônio a olha e demonstra retornar aos seus sentidos, deixando aquele mar de sentimentos ruins para trás.
“Você está bem?”, pergunta Arielle, também preocupada.
Rubi coloca a mão na cabeça, sentindo uma leve dor e tontura. “Eu acho que sim”, ela responde.
A demônio se volta para Silvana, que exibe um olhar curioso. Ele sabia que isso ia acontecer?, ela indaga em sua mente.
“O que você fez comigo?!”, Rubi pergunta, irritada.
“Eu não fiz nada”, Silvana responde, calmo. “Eu só queria fazer um… teste.”
Arielle e Jenny, ao perceberem que aquele homem realmente está envolvido, lançam-lhe um olhar severo.
“Teste?!”, Jenny pergunta, também irritada.
“O que você fez com ela?”, Arielle questiona em angústia.
“Eu vou te contar, mas fique calma”, ele diz. “Eu disse que haveria riscos.”
“E que risco eu sofri exatamente?”, Rubi indaga, desconfiada.
“Demônios são fortes, mas têm algumas peculiaridades”, ele continua, tentando se explicar. “Se eu tivesse que dizer, a principal delas seria o nome verdadeiro.”
“E o que meu nome tem a ver com isso?!”
“Bem, o nome verdadeiro é tão importante para um demônio que ele nunca revela a ninguém”, ele responde. “Nem com magia ou tortura. De fato, a maioria prefere morrer do que revelar o nome.”
“E você queria testar se eu poderia falar sem saber o que significa…”, Rubi conclui, chateada, sem entender o motivo.
“Sim, era uma oportunidade única. Por que você não conseguiu me dizer? Você não conhece seu próprio nome? Ou é outra coisa?”, ele pergunta com um entusiasmo genuíno na voz.
Que fixação é essa com meu nome?, Rubi se pergunta, incomodada. Por que ele é tão importante?
“Me diz primeiro, por que meu nome é importante?”
O homem contém um pouco de seu entusiasmo e volta a tomar a sua postura centrada. “Se alguém souber o nome de um demônio, pode ter controle total sobre ele”, ele responde, com uma estranha tranquilidade.
Rubi olha para ele, incrédula. “Espera. Você queria me controlar?!”, ela pergunta, elevando o tom da voz.
Silvana não se abala pela pergunta da demônio e diz, “Não. Eu já tinha suspeitas de que não conseguiria…” Antes que ele possa terminar de completar sua resposta, Rubi interrompe, batendo com as mãos na mesa, trincando o móvel, e se levantando da cadeira.
“Suspeitas?! Você abusou da minha confiança!”, ela afirma, furiosa.
Silvana, devido ao impacto, tomba na cadeira e cai para trás no chão. As outras garotas também se levantam.
A meia-elfa permanece sem reação, assustada. Jenny, temendo que Rubi, em um surto de raiva, ataque Silvana, rapidamente segura o braço dela.
“Não precisa”, Rubi alerta. “Não vou machucá-lo.”
Eu prometi que não faria. Mas eu devia machucá-lo, ela pensa, com bastante raiva. E muito.
Jenny percebe que Rubi está tremendo e bufando de raiva, mas ainda se segurando. Ela olha para o chão, no outro lado da mesa, onde vê Silvana caído, começando a se levantar. “Nem o Edric foi sujo assim”, ela diz.
“Silvana… isso é cruel”, afirma Arielle, espantada com aquela atitude.
“Nada ruim aconteceu”, diz Silvana ainda com calma, como se nada estivesse acontecendo.
“Mas e se eu tivesse dito?!”, Rubi pergunta, se sentindo traída.
“Seria o jeito mais fácil”, ele diz de pé, tirando a poeira da camisa.
“De quê? De me pôr em uma coleira?!”
Nesse momento, escutam alguém bater na porta. “Senhor Silvana, eu ouvi barulhos. Está tudo bem aí?”, uma voz masculina do lado de fora pergunta.
Rubi coloca a mão na adaga em sua cintura. Agora já era, vai entrar gente aqui e vai virar uma bagunça, ela pensa, desanimada. Acho que vou ter que pular pela janela.
“Está tudo bem!”, diz Silvana, sossegado. “É só mais uma daquelas… reuniões difíceis.”
Rubi fica surpresa. “Hein?”, ela pergunta.
“Tudo bem, então senhor”, diz a voz do lado de fora. E é possível escutar os passos da pessoa se retirando do local.
Silvana vê a demônio confusa com aquilo. “Que foi? Acha que essa é a reunião mais conturbada que eu já tive aqui?”, ele pergunta retoricamente, com a maior sem-vergonhice do mundo.
Rubi, ainda buscando por respostas para o que está acontecendo, olha para Jenny. Ela está com a mão nos olhos e respirando bem fundo, acalmando para não dar um soco naquele homem.
“Não consegue agir como uma pessoa normal?”, Jenny questiona, indignada.
A meia-elfa se aproxima de Rubi e diz, “Ele é meio mal e estranho mesmo.”
“Eu devia dar um tiro nele, isso sim”, Rubi ameaça.
“É, talvez eu mereça mesmo, mas isso não te ajudaria agora”, afirma Silvana, erguendo a cadeira. “E não seria a primeira vez que aconteceria.”
“E como dizer meu nome teria me ajudado?”
Silvana explica, “Se você estivesse sob controle de alguém…”
“Seu controle…”, Rubi pontua.
“…Sob meu controle, eu poderia garantir sua anistia.”
“O quê?”, Jenny pergunta.
“Um diabo controlado é um diabo confiável”, Silvana responde, em ironia séria. “A guilda não teria muita escolha. Seria só uma questão de papelada.”
“Isso… é radical demais, não acha?”, diz Rubi, perplexa. “Não devia ter me avisado primeiro?!”
“E pra mim, isso não seria anistia”, jenny pontua. “Ela seria um bicho numa jaula.”
Aí também não, Jenny, Rubi pensa, um pouco ofendida. Não precisava do bicho na frase.
“Isso não é muito bom”, Arielle comenta.
“Te deixar sem escolhas seria o jeito mais fácil de te deixar segura”, Silvana afirma.
Ele se senta na cadeira e começa a organizar as coisas na mesa, mas, vendo que ela está praticamente destruída, logo desiste. “Isso aqui está uma bagunça agora.”
“Me avisaram que você era estranho”, ela comenta. “Mas eu não imaginei que fosse tão… insensível assim.”
“Me desculpe se eu lhe ofendi, mas me recordo bem de ter dito que haveria riscos e um preço”, ele diz com bastante irreverência. “E você aceitou. Assim como também aceitei o risco de você me matar aqui e agora.”
Desde que eu vim para esse mundo, a demônio pensa. Acho que nunca me senti tão intimidada por alguém, quanto desse homem. Ele parece tão frágil quanto um copo de vidro ao mesmo tempo que parece tão blindado quanto um cofre.
“Pelo jeito que fala, há outras formas de eu poder conseguir a anistia sem dar o meu nome”, Rubi supõe. “Não é?”
“Existem, só não são os melhores”, ele responde.
A demônio, ainda brava, respira fundo. E, quase a contragosto, volta a se sentar diante da mesa quebrada. Um clima de estranheza quieta paira sobre o homem e a demônio que se encaram.
“E agora?”, Arielle pergunta.
“Pelo visto, não tenho muitas escolhas”, diz Rubi, desgostosa.
“Bem, voltemos a conversar de forma civilizada”, diz Silvana.
“Você sabe que irrita todo mundo que entra nessa sala, não sabe?”, Jenny pergunta, já sabendo a resposta.
“Vou fazer o que se as pessoas com problemas não gostam das minhas soluções?”, Silvana responde, bem irônico.
As outras duas também voltam a se sentar ao lado de Rubi. E permanecem olhando para Silvana com um olhar que mostra a desaprovação que têm por aquele homem.
“Devo assumir, que pelo seu alarde, você não saiu falando seu nome por aí. Algum Lorde Demônio sabe seu nome?”
Rubi pensa por algum tempo. “Só o Lorde da Preguiça”, ela diz.
“Sabe o nome de algum deles?”, Jenny pergunta curiosa.
“Não”, diz Rubi. “Não gostávamos muito de conversar sobre coisas pessoais.”
Todos os Nicknames eram bem aleatórios, Rubi relembra. Menos o do…
“Meu irmão teria problemas!”, afirma Rubi. “O nome dele era meio óbvio.”
“Menos mal que ele não veio”, diz Silvana.
Miguel, seu preguiçoso desgraçado, Rubi pensa. Aquele nick dele era horrível, xXMiguelitoXx. Eu não devia ter deixado ele criar o personagem sozinho.
“Então, eu posso confiar em você?”, o homem pergunta. “Não vai chegar alguém aleatório e dizer algo como, ‘Rubi, atire na cabeça do Silvana’?”
“Não. Eu atiraria por vontade própria e não por ser obrigada a isso.”
“Ainda parece bem confiável para mim”, Arielle comenta.
“É bem mais do que ele merece”, Jenny completa.
“É bom o bastante”, diz Silvana. “Já que a sua confiabilidade não parece estar comprometida, agora eu lhe dou a primeira opção. Daria seu nome a mim, para garantir sua anistia?”
“Não”, ela responde sem um único instante de hesitação. “Me assusta pensar que eu ficaria completamente à mercê de alguém.”
“Ainda mais do Silvana”, Jenny pontua.
Eu nunca iria revelar meu nome a alguém como ele, Rubi pontua. Naquele momento, eu me senti, sei lá… usada. Acho que não existe um motivo bom para revelar seu nome a ninguém.
Silvana coça a cabeça, mostrando sua angústia. “Que droga hein. Agora só resta a opção difícil”, ele reclama.
Esse cara é muito confuso, Rubi pensa. Não consigo saber se ele é alguém calmo, controlador, um abusado ou uma mistura de tudo isso.
De repente, outra batida é ouvida na porta. “Alou? Silvana? A Jenny tá aí?”, uma voz familiar pergunta.
“É a Helga”, Jenny afirma.
Arielle cutuca o ombro de Rubi e diz, “Pense pelo lado positivo. Se você tivesse dito seu nome, pelo menos a Helga não ia saber.”
Tais palavras trazem um abalo incomensurável na demônio. Um vislumbre onde Helga tem o controle total de suas ações. Isso sim seria o verdadeiro terror, ela pensa.
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