Capítulo 0 - Coroas
“Acha que dá pra ganhar?”, pergunta um grande demônio de chifres e pele vermelha. Ele possui grandes asas de onde caem brasas incandescentes, mas está parado no chão, segurando com firmeza seu machado reluzente que combina com sua armadura completa. “Eu já estou quase sem nada pra usar.” Ele olha para uma demônio com metade do seu tamanho, que está logo atrás.
A demônio se assemelha a uma humana com dois chifres vermelhos saindo da parte de trás de seus cabelos rosa, olhos amarelos vibrantes e uma fina cauda pontuda que serpenteia escondida por trás do casaco que ela usa nos ombros como se fosse uma capa. “Dá sim”, ela responde confiante. “Já peguei os padrões, mas temos que acabar isso em no máximo 15 minutos.” A demônio usa um arco dourado, veste uma camisa branca e uma saia preta até os joelhos.
Eles estão em grande salão circular, com as paredes formadas por tijolos enormes, cobertos com algo negro esverdeado. As inúmeras tochas nas paredes iluminam os dois demônios e as outras duas enormes criaturas na sala.
Os monstros são humanoides cinzentos, trajando togas brancas. Suas cabeças lembram águias, com dois enormes chifres espinhosos e vários espinhos também na parte do bico. Nas mãos, enormes garras incandescentes que liberam fumaça.
Um deles possui uma postura mais ereta, com garras que brilham em vermelho, e a garra do dedo indicador é maior que as demais. Sua feição é séria, com a boca fechada, e ele olha fixamente para a demônio de cabelo rosa. A outra criatura é mais corcunda, permanecendo agachada com uma mão no chão. Suas garras são todas do mesmo tamanho e brilham em laranja. Com sua boca aberta, de onde escorre algo viscoso e transparente, se assemelha a um animal faminto.
Os quatro no salão se encaram, prontos para lutar.
“15 minutos?! Liz, você tá sem mana? Não tem um poção aí? De onde tirou essa medida de tempo?”, grita o grande demônio vermelho.
“Miguel seu animal! O console só aguenta 6 horas ligado e a gente tá aqui há mais de 5! E a culpa é sua. Falei pra ir no banheiro antes”, grita Liz, respondendo o demônio que aparentemente se chama Miguel.
“Foi mal, eu não sabia que ia demorar tanto”, justifica-se o demônio.
“Tá tudo bem, é só fazer o papel do Guardian certinho. Eles não vão se mover enquanto você não chegar atacar”, diz Liz enquanto toma uma poção com a cor azul.
Miguel, o grande demônio vermelho abre suas asas, se preparando para alçar voo, mas antes disso, ele olha para Liz mais uma vez e questiona: “Você tem certeza que se a gente ganhar deles, a gente ganha mesmo as duas últimas Marcas do evento? O Arty não tinha pegado a dele num baú?”
Liz se irrita com Miguel e joga o vidro vazio da poção de mana na direção dele, embora não o acerte, pois o frasco desaparece no ar em seguida. “O Arty é um miserável”, diz ela. “Abriu um baú da Loja, pegou uma das sete marcas do evento e ainda joga na cara de todo mundo. Aquele bardo safado nunca conseguiria fazer a masmorra.”
Não é justo. Eu comprei mais de 100 dos baús e não peguei droga nenhuma, metade do salário pra nada, pensa Liz, inconformada.
“Entendi, posso ir então?”, pergunta Miguel, enquanto vira a cabeça e seu escudo para frente, encarando os grandes monstros.
“Pode, e quando a gente acabar com eles, todo mundo vai saber que somos a dupla mais incrível desse jogo”, diz Liz, confiante, puxando seu arco e criando uma flecha de luz vermelha.
Miguel, o grande demônio vermelho avança, em seguida, a flecha de luz é liberada do arco de Liz, ambos em direção aos monstros conhecidos como Autoridades do Mundo Antigo.
Naquela tarde, por um segundo, todos os jogadores param o que estão fazendo para ler duas mensagens que surgem no chat global.
Jogador(a) Rubi conseguiu a conquista “Autoridade do mundo antigo”.
Jogador(a) xXMiguelitoXx conseguiu a conquista “Autoridade do mundo antigo”.
No dia seguinte, em uma sala grande com paredes cinzas, duas pessoas conversam. Uma delas é a demônio de cabelo rosa. “Você deixou tudo bagunçado”, diz ela de pé, organizando algumas prateleiras na parede.
Liz ainda está como antes, mas agora uma auréola vermelha translúcida, formada por sete partes organizadas em um formato semelhante a uma flor, paira sobre sua cabeça. Na frente dela, uma tela exibe os mesmos itens que estão na estante. Conforme ela pressiona um item na tela e o move, o mesmo item na prateleira desaparece e reaparece onde ela o coloca na estante.

Atrás dela, sentado em uma cadeira em frente a uma grande mesa, está um demônio humanóide com chifres e pele vermelha. Embora maior que Liz, ele é notavelmente menor que o grande demônio alado do dia anterior e não possui asas. Apesar disso, as feições e a armadura que ele usa são bastante similares às do grande demônio. “Não tive tempo, foi mal”, diz ele, também olhando para uma tela. A voz, apesar de não possuir os efeitos graves do grande demônio vermelho, denuncia que ele é Miguel.
Assim como a demônio de cabelo rosa, Miguel agora possui uma auréola translúcida sobre sua cabeça, também formada por sete partes, mas a sua é verde e tem a forma da cabeça de um touro.
“O meu é um bosta”, diz o demônio na mesa, desanimado.
“Por quê?”, pergunta Liz, sem desviar o olhar de sua organização.
“Pra começar, o título, Autoridade da Preguiça, parece mais uma ofensa”, Miguel reclama.
“Pra mim parece que acertaram em cheio”, responde Liz, com um pequeno sorriso.
“O seu é bom, Autoridade da Ganância. Podia ser pior, e ainda encaixa bem pro seu tamanho. O meu deve ficar quase invisível quando eu me transformar”, diz Miguel, mexendo na tela à sua frente.
“O seu tinha um tamanho diferente antes de você voltar para a forma base. Era bem maior na sua forma de Behemoth”, diz Liz, afastando-se da estante e virando-se em direção à mesa, lá, tira o arco de suas costas, coloca-o sobre a mesa e se senta.
“Menos mal. Eu ainda não descobri o que isso faz, só tem aquele textinho de descrição e aquela marcação 0/7”, diz Miguel, virando a tela para Liz.
Liz olha para a tela de Miguel e diz: “O meu também tá assim, mas meu texto é diferente do seu.”
“O que diz o seu?”. pergunta Miguel.
“Àquele que representa a Autoridade da Ganância, não há força no mundo capaz de sobrepujar ou controlar seu egoísmo e a sua vontade de ter tudo o que quiser”, responde Liz.
“É, tá melhor que o meu”, diz Miguel, virando sua tela de volta.
“O seu nem é tão ruim”, diz Liz.
“Será que é uma maestria para upar? Ou um nível extra, tipo chegar ao nível 107?” Pergunta Miguel.
“Não sei. O Arty é um babaca e ficou fazendo drama quando perguntei, sobre como era especial e ele era invencível e blablabla”, responde Liz.
Miguel faz uma cara de preocupação. “Liz, o Arty é invencível? Será que ele descobriu um segredo?”, ele exclama
“Não seu animal, ele é só um babaca. Provavelmente não sabia também. Você não devia acreditar”, responde Liz, negando com a cabeça enquanto encara o irmão com um olhar de decepção.
“É, pensando bem, a gente devia vender isso. Vai levar mais umas duas semanas para os outros jogadores poderem pegar outras marcas”, diz Miguel.
Liz fica inconformada e bate com as mãos na mesa. “Depois de tanto trabalho? Temos é que aproveitar a exclusividade! O Ronin e a Camélia ficaram se exibindo com as coroas deles pela praça por uma semana.”
Aquilo me deu uma raiva! Eu queria era chamar eles para um duelo, mas eu estava sozinha, então as chances não eram boas, pensa Liz.
“Eu odeio a galera da Hell Guard, guilda cheia de metidos”, diz Miguel.
Liz concorda acenando. “Além do mais, não dá pra vender”, diz ela. “O título é um título, não tem como mexer ou emprestar, e a auréola é soul link, igual a conta e o meu arco.”
“Ah, então não dá pra transferir”, diz Miguel.
“Sim. Por falar naqueles metidos, tem uns dias que eu não vejo eles. Será que estão upando?”, questiona Liz.
“Você não ficou sabendo?”, pergunta Miguel, confuso.
“Do que?” Pergunta Liz.
“É por isso também que eu queria vender essas auréolas. Já tem alguns dias que o pessoal que tem a marca não aparece no jogo”, diz Miguel, com uma expressão levemente preocupada.
“Tem gente que diz que eles foram banidos, hackeados ou que estão jogando em outro servidor, mas no HTO eles não apareceram”, completa Miguel.
Se bem que, já tem dois dias que o Arty não fica online. Será que é por isso?, Liz se pergunta.
“Relaxa, a gente não fez nada de errado, então acho que não vai acontecer nada conosco”, diz Liz.
“Se você diz, parece tudo certo”, diz Miguel, mais confiante.
“Bem, eu vou sair daqui. Já terminei de arrumar o inventário da sala e vou começar a arrumar minhas malas”, explica Liz. “Daqui uns dias já começam as férias da faculdade.”
“Vai trazer o Silver Glass?”, pergunta Miguel.
“Talvez, se couber na mala, mas qualquer coisa eu uso o seu”, responde ela.
“Mas aí complica, né? Como que a gente vai jogar junto?”, diz Miguel, levemente inconformado.
“Você vai negar um pedido da sua única irmã?”, diz Liz, fazendo uma carinha de choro.
“Não…”, responde Miguel, soando triste.
Liz faz um gesto com a mão esquerda e uma outra tela surge no ar. Ela aperta um botão e começa a se desconectar do jogo.
“Bom garoto. Fala para a mãe que daqui uma semana eu chego aí”, ela pede.
“Até amanhã, Liz”, diz Miguel.
“Até amanhã, Miguel!”, responde Liz.
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