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    Liz se levanta e suspira. “Antes de falar sobre a situação, pode me devolver meu casaco?”, ela pergunta.

    Jenny olha para Helga aguardando algum tipo de sinal antes de agir. Helga acena com a cabeça positivamente, dando permissão. Jenny então arremessa o casaco para Liz, que o pega sem dificuldades com a mão esquerda.

    “Obrigado”, agradece Liz.

    Bem melhor, ela pensa, aliviada em ter seu casaco de volta. Ela faz menção em colocá-lo, mas vê uma mancha de sangue. Melhor não, ela avalia. E apenas dobra-o e o pendura em seu braço.

    Ver o sangue no casaco a faz lembrar de algo. “E aqueles três ali atrás?”, comenta a demônio, referindo-se aos três mantos vermelhos caídos.

    “Os cultistas? O que tem eles?”, responde Jenny.

    “Não vão ver como eles estão? Se estão vivos”, Liz questiona, apontando na direção deles. “Vendo daqui, eles não parecem bem.”

    “Aquelas pragas são resistentes, não vão morrer tão fácil”, diz Helga. “Mas eu não me importaria se eles morressem, nos atacaram para matar.” Após isso, ela cospe na direção deles.

    “Igual vocês iam fazer comigo?”, diz Liz.

    “Exatamente”, responde Helga, sem hesitar.

    Liz se assusta ao ouvir isso. Até agora, ela vem me ofendendo o tempo todo, até dou alguma razão, mas… isso foi frio, ela divaga. 

    Ainda não sei exatamente o que aconteceu. Muito menos como estamos conversando com um demônio. Pelo que eu entendi, ela nos poupou, Jenny analisa, vendo a reação negativa de Liz. Mas é melhor eu tomar as rédeas porque se continuar assim… a Helga vai com certeza nos matar.

    “Arielle, a rosada tem razão, pode ir ver como estão os cultistas? E se ainda tiver aquela corda, dá um jeito de amarrar eles também”, diz Jenny.

    “Rosada?”, questiona Liz, perplexa. 

    “Ela tem razão?”, questiona Helga, surpresa.

    “Tá bom”, responde Ariele, e logo em seguida, indo em direção aos mantos vermelhos caídos.

    “Podem me dar um resumo? Eu vi um raio de fogo, depois um raio vermelho, e acordei toda quebrada”, diz Jenny.

    “O fogo foi da Arielle, o outro foi dessa daqui, que quis parar pra conversar depois de quase te mandar pra vala”, diz Helga, apontando com o dedão para Liz.

    “Ela quis o que?”, Jenny pergunta. 

    “Falaram que iam me atacar e me atacaram, só respondi à altura”, responde Liz.

    “E ela também te amaldiçoou”, pontua Helga.

    “Eu já falei que não amaldiçoei ninguém”, responde Liz, irritada. “Só que tinha mesmo um efeitinho negativo junto. Mas eu te emprestei meu casaco para te ajudar. Vai ficar tudo bem”, ela pontua, um pouco sem jeito.

    “E o que aconteceu com o Edric e os outros cultistas?”, pergunta Jenny.

    “Fugiram”, responde Helga. “Depois que te botaram pra dormir, eu e a coisa ficamos em um impasse um tempinho. A essa hora, eles já pegaram aqueles cavalos que vimos amarrados na árvore e fugiram.”

    A coisa?, Liz se pergunta. Eu tenho nome, sabia? Alguém devia…

    Jenny reflete sobre a conversa de Liz e Helga. A situação em que ela se encontra coincide com o que as duas dizem, mas não se alinha com o que deveria ter acontecido. “Por quê?”, questiona séria para Liz.

    “O quê?”, Liz responde confusa com a pergunta.

    “Por que você não nos matou? Nós te atacamos. E você é forte o bastante para acabar com todo mundo aqui”, questiona Jenny.

    Do jeito que elas falam, matar ou morrer parece até normal, Liz reflete triste. Daria até para pensar que estão falando do jogo. Eu senti os golpes de Helga e a Jenny quase morreu de verdade. Se isso fosse um jogo, seria o pior jogo do mundo.

    “Parei porque não sei o que está acontecendo”, Liz responde para Jenny, “Achei que sabia onde estava, mas depois que ataquei, vi que tinha algo estranho. Percebi que aqui não era onde eu deveria estar e quis parar pra entender”, ela desabafa com sua voz carregada. “Não sei por que querem me matar, se eu fiz alguma coisa. Só quero conversar, mas a outra ali fica me xingando, ameaçando e me chamando de coisa.”

    Por que não consegui dizer que…?, ela se questiona.

    Jenny arregala seus olhos, surpresa com as palavras do demônio. Agora as coisas fazem algum sentido, ela conclui. Nunca vi um demônio recuar estando em vantagem. É melhor ser franca, talvez dê para dialogar com ela. Talvez ela não nos mate. 

    “Antes de explicar, para evitar alguma ofensa desnecessária, como a gente pode te chamar?”, diz Jenny.

    “Meu nome?”, diz Liz. “Meu nome é…”, após essas palavras, Liz para de falar. Ela sabe o que quer dizer; as palavras estão na ponta da língua, mas a ideia de dizê-las enche sua mente de ansiedade e hesitação. Liz sente como se estivesse à beira de um abismo, onde não consegue ver o fundo. Dizer seu nome ali, agora, seria como jogar algo precioso dentro desse abismo que ela sente.

    Helga e Jenny estranham a forma como a demônio para de falar. Por um segundo, ela permanece calada, parecendo temerosa em terminar sua frase. Mais de uma vez, elas veem Liz abrir a boca para dizer algo, mas desistir antes que qualquer som saia.

    “Rubi. Podem me chamar de Rubi”, diz Liz, após pensar bastante em um nome que ela se sente segura em revelar. Já estou acostumada a ser chamada assim por outros jogadores, ela pensa. Isso foi estranho. Além de sentir esse medo, antes também não consegui dizer que eu era…Não! Que sou humana.

    “Rubi? Rosada é bem melhor”, diz Helga.

    “Helga!”, diz Jenny, dando uma bronca. 

    “É assim que me chamavam de onde eu vim”, diz Liz

    “É assim que te chamavam no Abismo?”, pergunta Arielle de longe.

    “De onde?”, pergunta Liz confusa com a pergunta.

    “Espera, você não foi invocada do Abismo?”, pergunta Jenny.

    “Não, era pra eu estar na cidade de Lória”, responde Liz, referindo-se a uma cidade do servidor principal do HTO.

    Jenny olha para Helga, acenando negativamente, Helga responde levantando os ombros e fazendo o mesmo sinal negativo com a cabeça. 

    “É de lá que vieram os outros Lordes Demônios? Lória?”, questiona Jenny. 

    “Eu nem sei o que é um Lorde Demônio”, responde Liz. “E como assim outros?”

    “Você é um Lorde Demônio”, afirma Helga apontando para Rubi.

    “Eu acho que não”, responde Liz, incerta.

    “Você por acaso não teria uma daquelas coroas com você?”, Helga pergunta.

    Liz para, coloca a mão no queixo e começa a pensar. O nome que Helga disse não lhe é estranho. Jenny e Helga estão inquietas, aguardando sua resposta. Depois de alguns segundos, algo lhe vem à mente e ela ativa uma de suas habilidades. Sobre sua cabeça, aparece uma auréola vermelha translúcida, formada por sete partes organizadas em um formato semelhante ao de uma flor.

    “É isso?”, responde Liz, apontando para a auréola.

    “É. Essa coisa aí mesmo”, responde Helga, dando um suspiro. “E agora Jenny? O que a gente faz?”

    Jenny coloca a mão na testa e respira. “Que merda”, ela lamenta. “Agora não adianta mais, ela já tá aqui.”

    Liz fica mais perdida ainda. “O que tem isso? Qual o problema? Ela não serve pra nada”, ela diz confusa.

    “Não conhece o Senhor do Abismo?”, pergunta Jenny.

    “Não”, responde Liz.

    “Talvez o Príncipe de Mael?”, insiste Jenny.

    “Também não”, nega Liz.

    “Nem eu conheço esses Jenny. Na minha terra, a gente chama ele de Lorde da Perdição e Regente da Ruína, esses você deve conhecer”, diz Helga.

    Liz responde acenando negativamente com a cabeça.

    “Nem isso você sabe? Pior demônio que já vi”, diz Helga.

    “Helga!”, Jenny fala, dando outra bronca. 

    “Minha mãe chama ele de Profanador de Arvores”, diz Arielle, arrastando um dos mantos vermelhos caídos.

    Helga e Jenny olham com muita estranheza para Arielle. Sentindo-se julgada, a elfa volta a arrastar o homem caído como fazia anteriormente.

    “Então você não sabe basicamente nada”, diz Jenny para Liz, ela dá um suspiro olhando para o céu. “Acho que a história é muito grande pra contar toda agora. Vou tentar resumir.”

    “Lá vem”, diz Helga, revirando os olhos.

    “Essa é boa”, diz Arielle, ao fundo, amarrando um dos homens em uma das rochas.

    “Bem, muito tempo atrás, na época dos heróis, houve um homem que tentou dominar tudo que encontrou pelo caminho. Ele era muito forte e parecia quase invencível”, diz Jenny.

    “Era o Senhor do Abismo?”, questiona Liz.

    “Sim. Ele tinha esse nome por causa do exército dele”, responde Jenny.

    “Um exército de demônios”, completa Helga.

    “Todas as nações do sul de Eldoria tiveram que se juntar para matar na primeira vez”, diz Jenny.

    “Primeira vez?”, pergunta Liz.

    “O miserável era imortal”, responde Helga.

    “Não deve ser fácil ganhar de alguém assim”, diz Liz.

    “E não foi, mas todo mundo tem uma fraqueza”, Helga afirma.

    “E qual era a do Senhor do Abismo?”, Liz indaga.

    “Era a mesma magia que mantinha ele vivo”, responde Arielle.

    “Haviam sete coroas”, diz Jenny.

    “Iguais a sua”, completa Helga ainda olhando para Liz.

    “Enquanto essas mesmas sete existissem, o Senhor do Abismo poderia voltar vivo toda vez que morresse”, continua Jenny

    “As lendas dizem que ele morreu e voltou à vida cinco vezes, e a cada vez que retornava, ele estava mais impiedoso”, conta Jenny.

    “No Norte, dizem que foram seis vezes. Existe uma história de um louco que o matou uma vez por lá, mas aqui no sul, todo mundo afirma que foram cinco”, diz Helga.

    “Ele deixava essas coroas com seus generais mais fortes”, diz Jenny.

    “Os Lordes Demônios, eu imagino”, afirma Liz.

    “Sim, alguém exatamente igual a você”, confirma Helga.

    “Depois que descobriram isso, começaram a caçar os Lordes, mas não adiantou. Matar o Lorde não destrói a coroa”, explica Jenny.

    “É, não adianta, cortar a cabeça, partir ao meio, nem arrancar o coração”, diz Helga olhando para Liz e fazendo gestos com as mãos para ilustrar suas palavras.

    “Essa dai não gosta de mim mesmo. Se eu tivesse atirado nela ao invés da Jenny, será que ela…?”, Liz pondera brevemente. “Não. É melhor nem pensar nisso.”

    “Essas coroas existem mesmo se o dono morrer, e enquanto as sete coroas existissem, o Senhor do Abismo iria viver”, acrescenta Arielle.

    “E destruir essas coisas não é nada fácil, mas na época eles deram um jeito”, diz Jenny.

    “Um dos heróis, o elfo Aran’Hel, tinha uma magia que conseguia destruir as coroas”, explica Arielle, animada em falar desse herói em específico.

    Ela é engraçada, pensa Liz, com um sorriso no canto da boca. Desde que cheguei, tem alguma coisa naquela elfa que me chama a atenção

    “E para cada uma que era destruída, o Senhor do Abismo ficava mais fraco também”, completa Jenny.

    “E uma a uma, as coroas foram sendo destruídas. E quando a última coroa foi quebrada…”, disse Jenny.

    “Ele morreu?”, questiona Liz.

    “Sim”, confirma Jenny.

    “E o Regente da Ruína, que estava batalhando para tentar salvar seu último Lorde Demônio, morreu no campo de batalha”, Helga acrescenta, com entusiasmo. “Deve ter sido lindo ver ele morrer”, ela suspira.

    “Sem as sete coroas, o Senhor do Abismo não podia voltar à vida, e sem nenhuma coroa, ele não podia viver”, conclui Jenny.

    “Certo, agora eu entendo melhor o passado dessa coisa, mas por que eu to aqui?”, questiona Liz. “O que que tá acontecendo?”

    “Agora que chegamos nessa parte do presente, vou me apresentar. Meu nome é Jenny Florença, a grandona é a Helga e a meia-elfa é a Arielle’nesa”, Diz Jenny, apontando para cada membro do grupo enquanto falava.

    “Mas pode me chamar só de Arielle. Nós somos um grupo chamado As Damas da Floresta e devíamos ter te impedido de aparecer aqui”, diz Jenny erguendo seu cajado aos céus mostrando orgulho ao apresentar seu grupo.

    Liz ouve e vê isso e solta outra pequena risada contida. “Você não parece uma Dama da floresta”, diz a demônio, olhando para Helga. 

    A garota do machado fica um pouco envergonhada e desvia o olhar. “Não foi eu que ganhei a aposta para escolher o nome do grupo”, diz ela. 

    Pela primeira vez Liz vê Helga perder sua pose de grande e valente. Acho que isso é um assunto sensivel para ela, Rubi conclui. É. Todo mundo tem fraqueza.

    “Continuando…”, diz Jenny. “Você foi invocada por um homem chamado Edric. Ele é líder do Culto de Mael e eles querem reviver o Senhor do Abismo.”

    “Aquele da cicatriz?”, pergunta Liz.

    “Esse mesmo. Nos últimos seis dias, ele invocou seis Lordes Demônios. Cada um deles com uma coroa igual a sua”, responde Jenny.

    Liz acha estranha isso. Miguel disse que já tinha alguns dias que os jogadores com a coroa não apareciam no jogo, ela recorda. Não pode ser coincidência.

    “E eu fui a sexta?”, pergunta Liz olhando para Jenny.

    “Foi. Ele deve tentar trazer o sétimo na noite de amanhã”, Jenny responde.

    “E deixa eu adivinhar, vocês não sabem como me mandar de volta”, Liz supõe.

    “É…”, responde Jenny sem jeito.

    “Só o próprio Edric deve saber”, responde Arielle.

    “Que beleza”, diz Liz suspirando e lamentando, “E nada contra, mas eles vão chamar o Senhor do Abismo de volta a vida e só tem As Damas da Floresta para impedir?”, ela pergunta.

    “A real é que demos Azar”, lamenta Jenny.

    “Muito azar”, pontua Arielle.

    “E bota azar nisso”, completa Helga.

    “Por quê?”, pergunta Liz.

    “Para fazer essa invocação, aparentemente ele precisa ir em alguns templos ou ruínas específicos”, diz Jenny. 

    “Igual aqui”, completa Helga.

    “Existem muitos deles, mas a maioria fica a leste dessa parte do continente, e foi lá que ele começou e invocou cinco dos Lordes Demônios”, diz Jenny.

    “Nesse momento, no leste, devem ter grupos inteiros de soldados e aventureiros guardando esses templos, esperando pelo Edric”, diz Helga.

    “Soltaram algumas notas pelas cidades aqui perto, para alguns aventureiros e soldados ficarem de guarda em alguns lugares específicos. Só para verificar, porque era certeza que Edric ainda tentaria agir pelo leste”, Jenny explica. “Nós pegamos esse serviço só para conferir. Vimos um ou outro cultista se movendo e os seguimos, mas o Edric em pessoa estava aqui.”

    “Era impossível ele estar aqui. Mas ele atravessou um país e meio em menos de um dia”, diz Helga.

    “Por isso você mandou a Arielle fugir naquela hora né? Ninguém sabe que ele tá aqui”, diz Liz se virando na direção de Helga.

    “Isso, mas eu acho que não adiantaria de qualquer forma”, Helga responde com pesar. “Nós falhamos.”

    Liz agora consegue compreender a situação em que ela se encontra, pelo menos o motivo de estar ali e de ter sido atacada. Ela ainda não tem certeza se aquilo é real, mas aponta na mesma direção, ou melhor, na mesma pessoa. Edric, ela conclui. É ele que vai resolver isso.

    Ela olha para as garotas em sua frente, Jenny ainda parece sentir dor, Helga está abalada em falar do fracasso em parar a invocação. Ela se vira para a garota elfa, que de acordo com Jenny na verdade é uma meia-elfa, e a vê terminando de amarrar o último dos homens de manto vermelho. É, vai ter que ser esse grupo mesmo, ela pensa. A líder carismática e quebrada, a geladeira bruta e orgulhosa e a elfa excêntrica.

    “Eu vou ajudar vocês”, diz Liz

    Todas as três ficam surpresas. 

    “Por que você faria isso?”, questiona Helga olhando para Liz com seus olhos estreitos em desconfiança.

    “Bem, eu tenho alguns motivos”, diz Liz.

    “Que seriam?”, Helga indaga.

    “Primeiro, não quero ficar aqui, quero voltar pra casa e só esse tal Edric parece saber como fazer isso”, responde Liz. “Segundo, sei quem é o sétimo Lorde Demônio, e eu não quero que ele venha pra cá.”

    “Por quê?”, Pergunta Arielle curiosa.

    “Deve ser algum rival que não gosta dela”, supõe Helga.

    “Não. Ele é burro, inocente, muito forte e resistente. No meu lugar ele teria matado todas vocês sem perguntar nada”, diz Liz.

    “E você se preocupa que ele seja perigoso?”, indaga Helga ainda exalando sua desconfiança.

    “Não. Me preocupo porque ele é o meu irmão mais novo.”

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